Armas: declaração do CICV às Nações Unidas, 2013

16-10-2013 Declaração oficial

Debate Geral sobre todos os itens da pauta de desarmamento e segurança internacional. Nações Unidas, Assembleia Geral, 68ª Sessão, Primeiro Comitê, declaração oficial do CICV, Nova York, 16 de outubro de 2013.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tem o agrado de observar que, seis meses após a histórica adoção do Tratado sobre o Comércio de Armas (ATT), mais da metade dos países do mundo, ao ratificar ou assinar o tratado, endossou o seu objetivo de reduzir o sofrimento humano por meio de controles rigorosos sobre o comércio internacional de armas. Os critérios de transferência do tratado são vitais para assegurar que armas convencionais não terminem nas mãos daqueles que possam usá-las para cometer crimes de guerra ou graves violações dos direitos humanos. Considerando que as armas continuam chegando a algumas das regiões mais problemáticas do mundo, instamos todos os Estados a adotarem rapidamente o tratado e a reduzir a disparidade entre as exigências de transferência estipuladas pelo tratado e as reais práticas de transferência.

Em relação às armas de destruição em massa, o CICV deseja abordar brevemente os recentes avanços em duas áreas.
 

Em primeiro lugar, no que diz respeito às armas nucleares, como já é de amplo conhecimento, em 2011 o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho afirmou que as consequências incalculáveis de qualquer uso de armas nucleares e a ausência de capacidade suficiente para responder ao sofrimento humano em tão grande escala, tornaram um imperativo humanitário para todos os Estados assegurar que todas estas armas nunca mais sejam utilizadas e buscar negociações para proibi-las e eliminá-las completamente por meio de um acordo internacional legalmente vinculante. O CICV observou que um número cada vez maior de países, inclusive a maioria dos Estados-Membros que discursaram na Reunião de Alto Nível da Assembleia Geral sobre Desarmamento Nuclear, no dia 26 de setembro, solicita que o impacto humanitário das armas nucleares esteja no centro das deliberações sobre o desarmamento nuclear.
 

Em segundo lugar, e de preocupação mais imediata, o CICV horrorizou-se ao receber a confirmação sobre o uso de armas químicas na Síria em agosto deste ano. E continua muito preocupado com outras denúncias de uso desse tipo de arma. Recordamos que o Direito Internacional Humanitário consuetudinário proíbe categoricamente o uso de armas químicas, por qualquer ator, em qualquer parte do mundo. Acolhemos a recente acessão da Síria à Convenção sobre Armas Químicas (CWC) e o seu compromisso de sistematicamente destruir, sujeito a verificação internacional, todas as armas químicas e instalações associadas dentro da sua jurisdição ou sob o seu controle, conforme previsto pela CWC e apesar dos enormes desafios apresentados pelo atual conflito armado.
 

Embora o uso de armas químicas seja incontestavelmente proibido, os recentes eventos deixam em evidência a urgente necessidade de obter a adesão universal à Convenção sobre Armas Químicas. O CICV insta os seis Estados que ainda não são partes da Convenção sobre Armas Químicas – Angola, Egito, Israel, República Popular Democrática da Coreia, Mianmar e Sudão do Sul – a ratificarem ou aderirem a este tratado imediatamente. Em agosto, o mundo recebeu uma mensagem chocante sobre os dramáticos efeitos destas armas. Nenhum Estado pode ter justificativas para ficar fora do CWC, que tem por objetivo, “para o bem da humanidade, excluir completamente a possibilidade de utilização de armas químicas,” até a sua completa eliminação.
 

Se por um lado as armas de destruição em massa sejam talvez o primeiro que vem à mente de muitas pessoas, não devemos perder de vista o fato de que as armas convencionais continuam sendo a maior ameaça para os civis na maioria dos conflitos atualmente. Como as operações militares são conduzidas com cada vez mais frequência em zonas povoadas, os civis ficam particularmente expostos ao risco de morte ou ferimentos incidentais ou indiscriminados, ou destruição de propriedade, causados pelo uso de armas explosivas com ampla área de impacto. Os efeitos devastadores destas armas podem ser vistos de forma muito clara em muitos dos conflitos armados atuais. Em 2011, o CICV afirmou que, devido à significativa possibilidade de efeitos indiscriminados – e apesar da ausência de uma proibição legal expressa para tipos específicos de armas – as armas explosivas com ampla área de impacto deveriam ser evitadas em zonas densamente povoadas. O CICV está satisfeito de ver a atenção que a ONU e as organizações não governamentais estão dando a este assunto. A organização recorda o pedido do Secretário Geral, no seu relatório de maio de 2012 sobre a proteção de civis em conflitos armados, de que os Estados-Membros disponibilizem “informações sobre os danos a civis causados pelo uso de armas explosivas” e que emitam “declarações sobre políticas que decrevam as condições em que certas armas podem e não podem ser utilizadas em zonas povoadas”.
 

Finalmente, Senhor Presidente, o CICV deseja abordar as novas tecnologias de guerra existentes ou emergentes tais como os aviões pilotados remotamente ou drones, armas automatizadas e autônomas e capacidades de guerra cibernética. Estes meios de guerra são tema de um intenso debate público, especialmente em termos humanitários. Eles não estão expressamente proibidos ou regulados por tratados existentes, mas assim como acontece com qualquer arma, a sua utilização em conflitos armados deve cumprir com o Direito Internacional Humanitário, em particular com os princípios de distinção, proporcionalidade e precaução durante o ataque. Em relação a isso, o CICV deseja recordar que, antes de desenvolver ou adquirir um novo meio de guerra, um Estado deve avaliar a sua compatibilidade com o Direito Internacional Humanitário. Isso é necessário para prevenir o desenvolvimento de armas que poderiam violar o direito em algumas ou em todas as circunstâncias.
 

O CICV reitera as suas preocupações humanitárias sobre a guerra cibernética, que diz respeito a meios e métodos de guerra que se apoiam na Tecnologia da Informação. A interconectividade de redes informáticas militares e civis dá origem a diversos desafios significativos: por exemplo, a dificuldade da parte que lança um ataque cibernético de distinguir entre objetivos militares e objetos civis ou de avaliar os efeitos indiretos em redes civis. O fato de um crescente número de Estados estar desenvolvendo capacidades para a ciberguerra, defensivas e ofensivas, apenas reforça a urgência destas preocupações.
Uma característica relevante dos drones é que permitem que os combatentes estejam fisicamente ausentes do “campo de batalha”. Estes sistemas de armas permanecem sob controle, ainda que remoto e, com frequência, realizado desde distâncias imensas, de operadores humanos que selecionam os alvos e ativam, dirigem e disparam as armas levadas pelo drone. Os mesmos são similares a plataformas de armas tripuladas, tais como helicópteros ou outras aeronaves de combate, e o seu uso em conflitos armados criam alguns desafios semelhantes: por exemplo, assegurar que os ataques sejam dirigidos apenas a objetivos militares e evitar o máximo possível os danos incidentais contra os civis. De acordo com o Direito Internacional Humanitário, aqueles que operam os drones são, como os pilotos de aviões tripulados, responsáveis pelas suas ações.
 

Então, qual é o problema com os drones? Aqueles que defendem o seu uso em operações de combate argumentam que eles possibilitam maior precisão durante os ataques, causam menos mortes e são menos destrutivos, já que reduzem a influência das emoções negativas no momento do ataque por parte do atacante. Mas outros dizem que os ataques por drones já feriram ou mataram civis em demasiadas oportunidades. Há outras questões a serem consideradas também. Por exemplo, estas armas por controle remoto facilitam o uso da força no nível extraterritorial, o que dá origem à questão do tipo e grau de força que podem ser permitidos contra os indivíduos alvejados. A resposta a esta questão variará significativamente, dependendo do contexto em que o drone é utilizado. Em particular, dependerá se a violência é regulada pelo Direito Internacional Humanitário ou pelas normas sobre o uso da força do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que impõem limites muito mais estritos ao uso da força. Do ponto de vista do CICV, isto pode ser determinado somente mediante uma análise caso a caso.
 

Diferente do caso dos drones, as armas autônomas, ou “robôs autônomos letais”, são projetados para operar com pouco ou nenhum controle humano. Um sistema de arma verdadeiramente autônomo funcionaria com inteligência artificial e não seria capaz de buscar, identificar e atacar com força letal um indivíduo. Embora tais armas não existam ainda, a pesquisa nesta área está avançando a passos rápidos. Isto deveria ser uma causa de preocupação, já que ainda não está nada claro se as armas autônomas poderiam algum dia ser usadas de acordo com o Direito Internacional Humanitário, em particular se elas poderiam cumprir as obrigações de distinguir entre civis e combatentes, de realizar avaliações de proporcionalidade e de tomar todas as precauções possíveis durante o ataque. Mas até mesmo se fosse tecnologicamente possível um dia permitir que as armas autônomas obedecessem completamente o Direito Internacional Humanitário, o seu uso levantaria a seguinte questão fundamental: os ditames da consciência pública permitiriam que máquinas tomassem decisões de vida ou morte no campo de batalha? Outras questões ainda têm de ser tratadas também. Por exemplo, quem seria responsabilizado se o uso de uma arma autônoma resultasse em um crime de guerra: o programador, o fabricante ou o comandante que utiliza a arma? O CICV insta os Estados a considerarem, em profundidade, as questões jurídicas, éticas e sociais fundamentais relacionadas com o uso de armas autônomas muito antes que elas sejam desenvolvidas.