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Ex-soldado-criança: ‘Eles me apontavam uma arma e me mandavam matar aquela pessoa e eu tinha que matar’

21-10-2009 Reportagem

Este é o depoimento de um ex-soldado-criança de 17 anos que atualmente estuda no Centro de Defesa e Reabilitação Infantil administrado pela Cruz Vermelha liberiana, que apoia crianças afetadas pelos 14 anos de guerra civil na Libéria. Os alunos, com idades entre 10 e 18 anos, recebem aconselhamento psicológico, treinamento em alfaiataria e construção civil, atividades de recreação e programas de ensino acelerado.

 

©ICRC/VII/Christopher Morris/v-p-lr-e-0039 
   
    Alunos no Centro de Defesa e Reabilitação Infantil próximo a Monróvia. 
     

     

Uma noite durante a última guerra (2003) sonhei que nosso bairro era atacado. Meu pai me disse para esquecer isso, que era só um sonho.

No dia seguinte, estávamos caminhando pela estrada e vimos combatentes, forasteiros com armas. Eles nos perguntaram quem eram nossos amigos e queriam saber de que lado estávamos. Se disséssemos que era o governo, nos matariam. Respondemos que não sabíamos.

Mandaram que não corrêssemos. Minha mãe correu e a mataram na minha frente.

Eles pegaram meu pai e a mim e nos levaram para outra área da cidade de Monróvia. Eles me deram uma arma e me ensinaram a atirar. Fui para a linha de frente e comecei a atirar. Uma vez fui atingido por uma bala durante uma batalha.

Quando capturavam alguém de uma facção inimiga, eles me apontavam uma arma e me mandavam matar aquela pessoa e eu tinha que matar. Se não obedecesse, eles me matariam aí mesmo. Vi isso acontecer com outras crianças que não obedeceram. Mesmo se eles hesitassem um pouco, eram mortos.

Durante a guerra, o comandante era a pessoa principal na minha vida. A única maneira de sobreviver era ficar perto dele.

Durante a guerra meu pai foi ferido e todos meus irmãos e irmãs foram mortos. Agora estou sozinho com meu pai, que está muito doente.

Depois da guerra, quando entreguei as armas, fui levado para um campo de deslocados, onde vivo hoje. Foi quando soube do programa de Defesa e Reabilitação Infantil. Fui escolhido depois de me inscrever.

Apesar de tudo por que passei, sou otimista com relação ao futuro. Acho que serei uma boa pessoa no futuro.

A Libéria terá um bom futuro desde que continuemos longe da guerra. A guerra destrói tudo. Perdi minha família, minha infância e nunca poderei recuperá-las.

  Este aluno estuda construção civil no Centro de Defesa e Reabilitação Infantil. É um dos aprendizes mais talentosos e está confiante de que será um bom pedreiro, capaz de se sustentar.