Página arquivada:pode conter informações antigas

Libéria: futebol ajuda a curar cicatrizes de um passado brutal

22-05-2009 Reportagem

O futebol para amputados trouxe esperança e cura para um dos grupos mais marginalizados da Libéria e para o país em si. Esses jovens são em sua maioria vítima da guerra, alguns dos quais participaram do combate, o que acrescenta mais peso ao estigma que já carregam. Mark Wagner, do CICV, conta a história deles.

     
    ©ICRC/VII/Christopher Morris      
   
Campo de futebol na periferia de Monrovia. Samuel Tobay, goleiro do Condado de Grand Bassa.      
               

    ©ICRC/VII/Christopher Morris      
   
Anthony Doe Jr, capitão assistente e atacante do Condado de Grand Kru; MVP, Copa Africana das Nacoes 2008. Anthony espera chamar a atenção da equipe do Manchester United para amputados quando for à Inglaterra para a Copa do Mundo em junho de 2009.      
               

    ©ICRC/VII/Christopher Morris      
   
Joseph Allen, goleiro (Melhor Goleiro Amputado – Turquia e Rússia 2008), do Condado de Montserrado. Joseph contou ao CICV como o futebol está ajudando a acabar com estigma que envolve as pessoas com necessidades especiais, sobretudo no caso de ex-combatentes.      
               
    ©ICRC/VII/Christopher Morris      
   
Richard Duo, meio-campo atacante do Condado de Nimba. Richard é um dos maiores artilheiros da seleção. Embora tenha sofrido perdas terríveis durante a guerra, quer deixar o passado para trás e olha para o futuro com esperança.      
           

Seis anos se passaram desde o final da guerra civil na Libéria, que durou 14 anos e que viu a dezenas de milhares de pessoas mortas e feridas. O estupro e a mutilação eram correntes, crianças foram seqüestradas e obrigadas a se tornar combatentes e um sem-número de pessoas teve que fugir de seus lares.

Desde 2003, a paz está de volta e estão sendo realizados esforços para reconstruir o país, mas as cicatrizes emocionais e físicas que esta guerra deixou permanecem. Em nenhum outro lugar isso é tão evidente quanto em um campo de futebol na periferia de Monróvia, onde jovens amputados jogam futebol como se suas vidas dependessem disso.

Eles são parte da Seleção Liberiana de Futebol para Amputados e, em sua maioria, são vítimas da guerra. Alguns deles participaram de atos brutais indescritíveis, realizados contra civis durante o combate, e enfrentam uma luta diária para viver com a deficiência física e com o passado.

  Esperança recuperada  

O técnico da seleção, Paul Tolbert, de 30 anos, diz que a prática de esportes ajudou a curar esses jovens e a recuperar a esperança deles.

“Quando você lhes pergunta como se sentiram depois que foram amputados a maioria responde que quiseram se matar”, diz Tolbert.

“A vida não tem mais sentido para eles. O futebol para amputados faz com que recuperem a esperança. Por exemplo, o garoto que recebeu o prêmio de Melhor Jogador na última Copa Africana das Nações. Ele era um ótimo jogador antes de ter sido amputado, mas perdeu a esperança quando perdeu a perna. Quando fui convocá-lo, lhe disse ‘Você vai conseguir, ainda existe uma chance para você’. Desde então reganhou seu orgulho e sua esperança”.

Segundo os torcedores, o efeito curativo vai além dos jogadores e o esporte trouxe muito orgulho para a conscientização nacional dessa nação ferida.

Em 2008, a seleção liberiana foi a anfitriã da Copa Africana das Nações e ganhou o torneio. A seleção já participou de competições internacionais na Rússia e na Turquia e viajará para a Inglaterra em junho para a Copa do Mundo de Futebol para Amputados, na qual tem grandes chances de chegar a uma final.

A presidente da Libéria, Ellen Johnson-Sirleaf, é a fã número um deles, garantindo patrocínio para a viagem e dando visibilidade à seleção em seus discursos.

  Terapia através do futebol  

O futebol para amputados começou na Libéria como uma forma de terapia e cura. Foi uma iniciativa da Comissão Nacional para Desarmamento, Desmobilização, Reintegração e Reabilitação, que é responsável por assistir ex-combatentes. O treinador Tolbert começou a convocar membros quando ele trabalhava para a comissão como coordenador-conselheiro.

“Digo à minha equipe que eles estão levando um sentido de vitória para o país. A meus olhos eles não são deficientes. São homens que dão orgulho a esta nação”.

Os próprios jogadores dizem que são motivados pelo desejo de deixar a guerra no passado e fazer algo por eles e suas famílias. Também buscam o sentido de pertencimento e de irmandade entre aqueles que sabem o que é viver o horror da guerra e lutar para sobreviver.

“Estava na igreja quando homens armados entraram e mataram centenas de pessoas. Perdi minha mãe, meu pai e um de meus irmãos. Meus outros irmãos ficaram feridos e eu perdi a perna”, conta Richard Duo, de 18 anos, que agora é uma das est relas do campo, como atacante e artilheiro da seleção.

  Deixando o passado para trás  

“Agora que há paz, decidi não pensar mais nisso. Só quero olhar para frente, ver o que posso fazer para ajudar minha família e a mim mesmo no futuro. Essas coisas terríveis já aconteceram. Quero me concentrar no futuro”.

Para outros jogadores, como Anthony Doe, de 32 anos, o futebol para amputados lhe abriu as portas para um mundo com o qual ele nunca havia sonhado.

“Nunca pensei que um dia iria à Turquia ou à Rússia, mas graças ao futebol, pude viajar para competir. Estive em Gana e em abril fui à Nigéria para o campeonato africano”, diz o atacante. “Em junho, irei à Inglaterra para a Copa do Mundo. Talvez a equipe do Manchester United para amputados se interesse por mim”.

Joseph Allen, 21, foi considerado o melhor goleiro no torneio russo.

“Amo o esporte porque posso voltar a sentir a amizade. A amizade havia desaparecido de minha vida há muito tempo. O futebol chama atenção para nossa deficiência e ajuda outras pessoas a entenderem que podemos contribuir para a sociedade”.