Paquistão: população é afetada por desastre natural e violência armada

14-10-2010 Entrevista

Os dois meses de enchentes sem precedentes e a recente deterioração na segurança são um presságio de um futuro sombrio para milhões de paquistaneses. O chefe-adjunto da delegação do CICV em Islamabad, André Paquet, explica como a organização tenta lidar com a situação.

  Galeria de Fotos CICV distribui alimentos para vítimas da enchente        

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Lehri, distrito de Sibi. Uma mulher deslocada com seu pacote de alimentos.      
               

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Armazém do CICV e do Crescente Vermelho Paquistanês, Sibi. Nesse galpão podem ser armazenados até 50 mil pacotes de alimentos para a população no leste do Balochistão.      
               

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Campo de deslocados internos em Swabi. Crianças recolhem os alimentos distribuídos pelo Crescente Vermelho Paquistanês.      
               
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Distrito de Swabi. Campo de deslocados apoiado pelo CICV e pelo Crescente Vermelho Paquistanês.      
           
     
 
   
O chefe-adjunto da delegação do CICV em Islamabad, André Paquet. 
         

  Oito semanas depois do início das operações de socorro no Paquistão, como a população está sobrevivendo?  

Partes do país ainda estão submersas. No norte, as pessoas retornam gradualmente para suas casas devastadas. No sul, a água parada ainda cobre grandes áreas, fazendo com que as pessoas precisem de assistência vital. Para milhões de pessoas, a crise ainda está longe de terminar. Houve graves prejuízos para a infraestrutura e os meios de subsistência e haverá um grande impacto a longo prazo.

As necessidades são tantas que nem o governo, nem nenhuma agência poderá cobri-las sozinho, seja a curto ou longo prazo. Atender as necessidades exige um esforço combinado do governo, do exército, da comunidade internacional, da ONU, das ONGs, dos doadores e, claro, das próprias comunidades.

Em parceria com o Crescente Vermelho Paquistanês, o CICV forneceu rações alimentares suficientes para um mês, além de artigos de higiene para 575 mil vítimas da enchente e utensílios domésticos e para abrigo para outras 345 mil em áreas selecionadas, sobretudo a oeste do rio Indus. O CICV também ajudou os membros de mais de 800 famílias a manterem contato por meio de telefonemas e serviços de busca. Além disso, a organização continua apoiando as unidades de atendimento à saúde e as unidades de tratamento de diarreia do Crescente Vermelho Paquistanês, que até o momento realizaram mais de 60 mil consultas.

Apesar da grande resposta humanitária às inundações, milhões de pessoas ainda precisam de assistência emergencial e milhões de outras precisarão de apoio para recuperar seus meios de subsistência depois que voltarem para suas casas. O CICV está se preparando para ajudar 350 mil pessoas a recuperarem seus meios de subsistência nas áreas rural ao longo dos próximos meses nas áreas onde está presente por meio de distribuição de sementes, ferramentas e outros itens. A magnitude das necessidades é simplesmente descomunal.

  Quais são os desafios que as atividades humanitárias enfrentam no Paquistão?  

Não se pode enfatizar muito o fato de a enchente vir ademais do conflito armado que há acontece em várias partes do país.

Desta forma, o desafio principal é para o governo paquistanês e as forças de segurança que devem responder de forma apropriada e abrangente o desastre natural e suas consequências e também cumprir completamente com as normas que regem a conduta de operações de segurança, principalmente em termos de facilitar o trabalho das agências de socorro em áreas delicadas.

O CICV concentra suas aç ões em áreas do país, como Khyber Pakhtunkhwa, o Território Federal de Áreas Tribais, a Caxemira sob administração paquistanesa e o Balochistão, onde não só está envolvido na resposta às enchentes, mas também continua visando a ajudar as vítimas da violência armada. Em particular, continuamos apoiando mais de 200 mil pessoas deslocadas pelo conflito no noroeste.

Para o CICV, o principal desafio hoje é, claramente, conseguir acesso. Claro que há problemas de segurança relacionados com o crime e restrições logísticas que impedem um posicionamento completo e desimpedido no terreno. Ainda assim, os principais obstáculos que impendem o trabalho humanitário se originam das restrições impostas pelas autoridades.

A falta de acesso dos especialistas internacionais que trabalham para ajudar as vítimas da enchente limita consideravelmente nossa habilidade de fazer o necessário, como aumentar a capacidade do Crescente Vermelho Paquistanês de levar socorro. Mais do que isso, a falta de acesso resulta em ressentimento e desconfiança generalizados para com as organizações humanitárias, em particular as internacionais, que são vistas como ineficazes e ou que têm interesses políticos ou de segurança por trás.

Nossa forma de ser eficaz é fazer o que for necessário para assegurar que o trabalho que realizamos em parceria com as Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho seja reconhecido como sendo exclusivamente de natureza humanitária. A independência com a qual realizamos nosso trabalho – que é a chave para proporcionar uma resposta imparcial com base apenas na necessidade – deve ser completamente reconhecido pelas autoridades. Em particular, precisamos que nos concedam um nível de acesso que nos permita realizar nosso trabalho para as vítimas da violência armada e das inundações onde quer que estejam.

  As últimas notícias do Paquistão estão mais relacionadas com a segurança do que com as enchentes. Que impacto a falta de segurança tem sobre as operações de socorro para as vítimas da enchente realizadas pelo CICV?  

A situação da segurança tem um impacto muito maior e mais imediato sobre a população do Paquistão do que sobre as agências de socorro.

Dito isso, é verdade que os profissionais de socorro no Paquistão correm graves perigos físicos devido ao crime e à hostilidade baseadas em políticas. Ninguém pode ajudar as vítimas da violência armada e da enchente no Paquistão a menos que seja mantido um certo nível de segurança.

Agora, como a tarefa do CICV consiste em trabalhar em situações de conflito e outras situações de violência armada no mundo todo, temos procedimentos rigorosos para administrar a segurança de nossa equipe mesmo nas situações mais voláteis. No Paquistão, o CICV é conhecido pelo trabalho que tem realizado no país ao longo de muitas décadas em benefício das vítimas do conflito, de outros tipos de violência armada e desastres naturais. Por estarmos trabalhando aqui há muitos anos, nossas ações e nossos interesses humanitários são inteiramente transparentes e bem entendidos. Com frequência informamos ao governo e às agências de segurança nossos planos e não agimos a menos que o que fazemos e como fazemos seja entendido e aceito.

Uma operação humanitária eficaz e verdadeiramente imparcial que não tenha outros interesses além de ajudar as pessoas é, segundo nosso entendimento, o que se necessita para obter a aceitação e o respeito das pessoas no terreno.