República Centro-Africana: "Nunca vi ferimentos tão terríveis"

18-02-2014 Entrevista

O cirurgião Essam El Sayed chegou a Bangui no dia 1º de janeiro de 2014, durante o caos sem precedentes causado pela sangrenta violência interétnica. Durante 12 horas por dia, ele e a sua equipe se esforçam para salvar as vidas dos pacientes gravemente feridos por armas de fogo e armas brancas.

Hospital Comunitário de Bangui. Uma vítima da violência recebe tratamento para um ferimento. ©CICV/Rabhi Mazboudi

 

No Hospital Comunitário de Bangui, onde o senhor e a sua equipe estão baseados, que tipo de ferimentos tratam?

Admitimos entre 10 e 15 pessoas gravemente feridas todos os dias, às vezes mais. Os ferimentos graves são causados por balas, estilhaços de granada e também facões. Trabalhei em muitos contextos violentos, mas o que vemos aqui é repugnante. Nunca vi ferimentos tão terríveis. Civis com a garganta cortada. É uma demonstração de profundo ódio. Algumas pessoas são encontradas na beira da estrada e ainda não foram identificadas.

Algum desses casos o afetou em particular?

Hospital Comunitário de Bangui. Essam, cirurgião do CICV, atende um doa pacientes que operou.  

Hospital Comunitário de Bangui. Essam, cirurgião do CICV, atende um doa pacientes que operou.
© CICV

O hospital não está em boas condições, vem se deteriorando com o passar dos anos devido à falta de recursos para manutenção. Um homem chegou ontem ao hospital com a traqueia completamente aberta – foi terrível, nunca vi nada parecido. No final de uma operação longa e dolorosa, conseguimos salvá-lo. Foi um milagre. Tivemos de deixar o hospital, como sempre, por causa do toque de recolher (das 18h às 6h). Mas durante a noite, devido a uma pane elétrica, uma das máquinas indispensáveis para mantê-lo vivo deixou de funcionar. O homem morreu mesmo depois do que fizemos para salvá-lo. Foi realmente muito difícil.

E com relação à equipe do hospital?

O CICV implementou um sistema de proteção com guardas na entrada do Hospital Comunitário de Bangui para garantir a segurança dos funcionários e dos pacientes, mas também para impedir que armas ingressem no estabelecimento. 

O CICV implementou um sistema de proteção com guardas na entrada do Hospital Comunitário de Bangui para garantir a segurança dos funcionários e dos pacientes, mas também para impedir que armas ingressem no estabelecimento.
© CICV

Hoje, o CICV paga os salários de mais de cem funcionários do hospital. O resto da equipe não recebe salários há cinco meses. Alguns deles dormem no próprio hospital porque têm muito medo de ir para casa. Outros, cujas casas foram saqueadas, perderam tudo ou não têm aonde ir. E por causa da falta de segurança na cidade, a vida no hospital é diferente: há menos pessoas, menos visitas, sobretudo, durante o toque de recolher. A falta de segurança na cidade nos impede de manter uma presença permanente no hospital. Esses são os limites impostos sobre a nossa ação e não temos outra opção. Por enquanto, continuamos trabalhando duro. Mas não há perspectiva de trégua na violência. Estamos fazendo o possível – e assim seguiremos – para salvar as vidas das vítimas, independente de quem sejam.

O CICV está trabalhando no Hospital Comunitário de Bangui desde 1º de janeiro de 2014. Ao mesmo tempo, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) está atendendo as emergências no hospital desde 1º de dezembro de 2013. Duas equipes cirúrgicas do CICV substituíram a MSF em 1º de fevereiro de 2014. Desde o início de 2014, as nossas equipes já realizaram 231 cirurgias.