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Sri Lanka: organização de evacuações médicas por mar

26-02-2009 Entrevista

As pessoas que fogem das hostilidades em Vanni continuam chegando a Putumattalan, na costa nordeste do Sri Lanka. Desde o dia 10 de fevereiro, o CICV evacuou por mar quase dois mil pacientes e respectivos parentes para receberem tratamentos médicos. As evacuações continuam com o apoio de ambas as partes envolvidas no conflito.

  Morven Murchison coordena as atividades sanitárias do CICV no Sri Lanka e participou das recentes evacuações. Nesta entrevista, ela fala das necessidades da população deslocada em Vanni.  

  Qual é a situação humanitária em Vanni e em Putumattalan, em particular?  

Milhares de deslocados civis estão atualmente buscando segurança, alimento, água e cuidados médicos. Famílias inteiras se mudaram e estão se mudando em direção à costa para escapar do combate. Eles esperam encontrar algo para comer – peixe, por exemplo. No entanto, por não haver água potável suficiente na área de Putumattalan, eles terminam se mudando de volta para o interior em busca de água. A falta de água limpa é uma grande preocupação humanitária: a população na costa está crescendo tremendamente nas últimas semanas e os poços de Putumattalan não conseguem dar água suficiente para beber, lavar e cozinhar.

À medida que o combate continua, a área na qual a maioria dos deslocados está fica menor a cada dia. A área em Putumattalan e arredores não são seguras no momento. Naturalmente, as pessoas buscam áreas seguras e se vêem obrigadas a competir por espaço com tratores, carroças puxadas a boi e animais domésticos. Elas cavam trincheiras para se protegerem e ficam nelas a maior parte do tempo. Saem apenas quando é seguro sair.

Em tais condições, existe também um grande senso de comunidade. A comida é escassa, mas muitos compartilham o que têm. Na última vez que estive em Putumattalan uma pessoa trouxe uma pequena cesta com peixes do mar, que foi imediatamente compa rtilhada entre mais ou menos 70 pessoas que estavam ali.

  Há estabelecimentos médicos para tratar os doentes e feridos em Vanni?  

Até onde sabemos, nenhum dos estabelecimentos médicos que cuidavam dos doentes e feridos está funcionando agora. Sobraram apenas uns poucos postos médicos provisórios. Devido a limitações na segurança, as mulheres grávidas estão optando por ter seus bebês onde quer que estejam. Os doentes e feridos chegam a Putumattalan diariamente. Para lidar com o fluxo, os locais ajudaram a montar postos médicos provisórios em um centro comunitário e em uma escola. Mesmo aí, alguns pacientes estão abrigados apenas por lonas.

A falta de alguns materiais médicos continua um problema. Muitos pacientes transferidos de Putumattalan para o Hospital Trincomalee têm infecções nas feridas devido ao saneamento inadequado e à falta de antibióticos. Uma pequena equipe do Ministério da Saúde está no terreno fazendo o que pode. Eles são mestres da improvisação, usando lençóis como bandagem e pendurando bolsas de soro em galhos de árvore sobre os pacientes. Na sombra de outra árvore, os cadáveres são empilhados até que seus parentes venham reclamar. Os que não foram reclamados são enterrados no local.

  Existem preocupações quanto a um possível surto de doença em Putumattalan?  

O risco de um surto é muito alto, dadas as condições de vidas das pessoas, a falta de água e a falta de saneamento adequado.

Não existem latrinas ou fossas na área onde está a maioria dos deslocados. Há relatos de um crescente número de casos de doenças contagiosas, incluindo diarréia e infecções respiratórias. Estamos preocupados com a possibilidade de um grave surto de alguma doença.

* * *

  As evacuações de doentes e feridos e de suas respectivas famílias por mar conduzidas pelo CICV desde o dia 10 de fevereiro foram realizadas sob difíceis condições. Foram possíveis apenas devido ao status neutro e independente do CICV e ao suporte ativo de ambas as partes envolvidas no conflito.  

  Linh Schroeder coordena todas as operações de terreno do CICV no Sri Lanka e tem desempenhado um papel fundamental na organização das evacuações. Ela explica o que o CICV pôde conseguir devido ao seu status neutro e independente.  

  Como uma evacuação por mar é organizada pelo CICV?  

O CICV realiza seu trabalho em Vanni, agora e sempre, como um intermediário neutro e independente com total apoio das partes envolvidas no conflito. Temos um longo histórico de facilitação de movimentos seguros de civis e socorro humanitário via estradas entre áreas controladas pelo governo e as mantidas pelo LTTE (Tigres de Libertação da Pátria Tâmil, em português). Só foi possível realizarmos essa tarefa com o apoio ativo das partes.

As situações militares e humanitárias em Vanni obviamente se modificaram nas últimas semanas, mas nossos procedimentos de trabalho continuaram os mesmos. Para evacuar os doentes e os feridos por barca, primeiro tivemos que conseguir que as partes estivessem de acordo. Trazer um barco para uma área em conflito é uma promessa delicada, com a qual nos envolveremos apenas se ambas as partes nos derem as garantias de segurança necessárias. Eles fazem isso por causa de natureza neutra e independente de nosso trabalho humanitário. Apenas quando a segurança de nossa equipe, da embarcação e dos passageiros tiver sido garantida uma evacuação por mar pode ser realizada. Em termos práticos, isso significa que deve haver respeito pelo papel independente e humanitário do CICV bem como um acordo com relação ao momento certo e à rota de operação.

  Com quem o CICV negocia?  

Além de obter as garantias de passagem segura de ambas as partes, o CICV mantém contato com todas as autoridades militares e civis, incluindo as do LTTE, que podem estar envolvidas ou que possam ser afetadas pelas evacuações. Estamos, portanto, em constante discussão com as Forças de Segurança do Sri Lanka, que controla a área pela qual nossa barca navegará, a Marinha do Sri Lanka em Trincomalee, que desembarca os pacientes e a equipe do Ministério da Saúde, que cuida dos pacientes que chegam ao Hospital Trincomalee.

Os aspectos práticos também são levados em conta. Primeiro de tudo, temos que encontrar uma embarcação adequada para transportar pacientes, alguns dos quais em condições críticas. Em particular, necessitamos uma embarcação grande que possa receber os pacientes que chegam em pequenos barcos pesqueiros. A Green Ocean , uma embarcação que normalmente opera entre Trincomalee e Jaffna, é a melhor opção disponível no momento. As evacuações médicas do CICV são agendadas com cuidado e são discutidas com as autoridades civis, de modo a diminuir o impacto da desestruturação do serviço de barcas para a população de Jaffna.



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