Fim definitivo do sofrimento causado pelas munições cluster

09-11-2010 Declaração oficial

Discurso proferido por Christine Beerli,vice-presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Genebra. Primeira Reunião de Estados-Partes da Convenção sobre Munições Cluster, Vientiane, República Democrática Popular do Laos.

     
©CICV/ J. Holmes / la-e-00938  
   
Laos. Pai cuida de sua filha, que se feriu com as submunições; a mãe e um irmão dessa menina também se feriram e outro irmão morreu. 
               
©CICV/J. Holmes / la-e-00952 
     
Laos. Pilhas de material bélico enferrujado, incluindo bombas, morteiros e submunições não detonadas fora de uma fundição na província de Xieng Khouang. 
               
©CICV/P. Herby / la-e-00953 
   
Nos campos da província de Xieng Khouang, uma equipe de descontaminação usa um detector para buscar material bélico não detonado e outros objetos metálicos. 
           

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Christine Beerli, vice-presidente do CICV 
         

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores,

" Décadas de fracasso, décadas de sofrimento para a população civil " . Essas são as palavras que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) usou em 2007 para caracterizar as munições cluster quando, como parte do " Processo de Oslo " , revigorou seus esforços para pôr um fim ao sofrimento causado por essas armas. Em nenhum outro lugar a realidade dessas palavras adquire mais significado do que na República Democrática Popular de Laos, como pude testemunhar ontem na província de Xienghuang. Usadas aqui há cerca de 40 anos, as munições cluster continuam matando e ferindo em grande escala, impedindo as pessoas de usarem a terra para agricultura e dificultando o progresso.

Para as pessoas e as comunidades de Laos afetadas por essas armas terríveis, nossa presença aqui hoje é uma mensagem de que a comunidade internacional se comoveu com sofrimento delas e está comprometida a pôr um fim a isso. Nossa presença aqui também nos dá a oportunidade de elogiar a determinação e a liderança internacional do governo de Laos em chamar a atenção para os custos humanos e sociais das munições cluster, em contribuir para o desenvolvimento de uma Convenção forte que proíba essas armas e em ser o país anfitrião desta Primeira Reunião histórica de Estados-Partes.

A Convenção sobre Munições Cluster é também uma resposta às comunidades no Camboja e no Vietnã, que têm sofrido com os efeitos dessas armas, e à população no Afeganistão, Iraque, Tchetchênia, Líbano, nos Bálcãs e nas áreas fronteiriças da Etiópia e da Eritreia, dentre outras, que viram suas vidas serem destroçadas por esse tipo de arma. A mensagem desta Convenção é de que o mundo não está indiferente ao sofrimento desnecessário causado pelas armas de guerra.

A Convenção sobre Munições Cluster chega com algumas décadas de atraso para as pessoas cujas vidas já sofreram com o impacto dessas armas. No entanto, isso não deixa de ser uma importante vitória para a prevenção. Depois de ter sido considerada uma arma essencial para um número cada vez maior de forças armadas desde a primeira vez que foi usada, durante a Segunda Guerra Mundial, as munições cluster são agora, em virtude desta Convenção, estigmatizadas como inaceitáveis. Milhões de submunições foram destruídas pelos Estados-Partes. Ao assinarem esta Convenção, mais da metade dos Estados rejeitaram essas armas. A proliferação das munições cluster e o sofrimento que elas infligem, que estavam determinados a continuar de maneira implacável, agora foram interrompidos em grande parte do mundo.

A norma absoluta da Convenção contra as munições cluster já levou a uma revisão da política, doutrina e tecnologia relacionadas com as munições cluster por parte dos principais armazenadores que ainda não aderiram à Convenção. Estou confiante de que o uso de munições cluster será agora cada vez menos frequente. Os Estados-Partes devem continuar se comprometendo a assegurar que isso aconteça ao priorizar a universalização da Convenção e ao assegurar que as normas e a prática não se desdobrem de modo a contradizer suas disposições.

A Convenção sobre Munições Cluster, assim como a de Proibição de Minas, não é apenas um conjunto de proibições, embora as mesmas sejam fundamentais para seu sucesso. É também uma promessa para as comunidades afetadas, as vítimas e os sobreviventes de que suas vidas melhorarão com as atividades de redução de riscos, descontaminação, assistência médica, reabilitação, apoio psicossocial e oportunidades econômicas. A experiência profissional necessária para se alcançarem resultados em todos esses campos está bem estabelecida e é bem conhecida. O que é preciso em praticamente todos os países afetados é construir a capacidade e mobilizar recursos de modo que o trabalho possa ser, de fato, realizado.

Para mobilizar recursos e construir capacidades, apelamos aos Estados-Partes que se mantenham concentrados nas necessidades atuais do pequeno número de países afetados. A melhora na vida das pessoas não vem tanto do desenvolvimento de diretrizes e dos acordos em reuniões multilaterais, mas sim do planejamento nacional e da mobilização de recursos nos Estados afetados e do apoio de todos os Estados-Partes. De fato, a maior parte do aprendizado já vem acontecendo com a Convenção de Proibição de Minas e com os programas de limpeza de áreas contaminadas por munições cluster que já estão em operação na maioria dos Estados afetados há vários anos. Esperamos ouvir mais sobre tais esforços esta semana. Apelamos a todos os Estados em condição de ajudar que anunciem seus compromissos específicos para apoiar os Estados afetados durante esta reunião e após ela. Os benefícios desta Convenção deverão ser senti dos já em 2011 de modo que a segunda reunião de Estados-Partes servirá não só para discutir planos para o futuro, como também para registrar o progresso significativo alcançado nas áreas de descontaminação e assistência às vítimas.

Implementar esta Convenção em nível nacional também exigirá uma variedade de medidas por parte de todos os Estados-Partes. Primeiro e principal, é necessário que a legislação nacional assegure que todas os atos proibidos pela Convenção sejam criminalizados e punidos em nível nacional. Deverão ser tomadas medidas administrativas para registrar e relatar as informações exigidas pela Convenção. Para aqueles que antes se valiam das munições cluster, a doutrina militar e as regras de engajamento precisarão ser revisadas e o treinamento militar, modificado. Para tais Estados, os programas de destruição de estoques devem ser aplicados em breve para assegurar o cumprimento do prazo de oito anos. Por intermédio de suas delegações no mundo todo, o CICV está preparado para ajudar os Estados a desenvolver sua legislação nacional. Também produzimos uma legislação modelo para a lei consuetudinária dos Estados, disponível aqui na delegação do CICV em todos os idiomas oficiais a organização.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores,

Há 35 anos, em Laos e em outros países afetados nesta região, a ação humanitária sobre as munições cluster consistia em pessoas locais e algumas poucas ONGs pioneiras, como o Comitê Central Menonita e os quacres. Essas organizações simplesmente forneciam pás em vez de enxadas para reduzir as chances de os agricultores detonarem munições cluster enquanto trabalhavam em suas terras. Esta ação também se concretizou no apelo de sete países liderados pela Suécia, sem sucesso, para a proibição das munições " anti-pessoal " em uma conferência diplomática sobre o Direito Internacional Humanitário na década de 70. Dez anos atrás, depois do conflito em Kosovo, o CICV apelou, sem sucesso, aos Estados para que suspendessem as munições cluster até que fossem negociadas novas regras para a proteção de civis contra os efeitos dessas armas. Uma vez mais, décadas de fracasso, décadas de sofrimentos dos civis.

Hoje estamos reunidos por um tratado histórico, assinado por 108 Estados e, até o momento, ratificado por 43. Ele foi planejado para " pôr um fim de uma vez por todas ao sofrimento e às vítimas causadas pelas munições cluster " e assistir as vítimas e suas comunidades. Este progresso notável é um reconhecimento à parceria desenvolvida entre governos, sociedade civil liderada pela Coalizão Contra Munições Cluster, encarregados de descontaminação, Nações Unidas e suas agências e o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Agora temos as ferramentas – no marco desta Convenção – para pôr um fim a décadas de sofrimento dos civis. Usemos estas ferramentas. Cumprir as promessas desta Convenção não será fácil. Exigirá o mesmo tipo de determinação e de parceria para conseguir a Convenção propriamente dita. E isso exigirá muito mais recursos. Se formos bem sucedidos, esta pode ser a década na qual o flagelo das munições cluster terá um fim definitivo.



Foto

 

Laos. A father watches over his daughter who was injured by submunitions; this girl's mother and brother were injured and another brother died.
© ICRC / J. Holmes / la-e-00938