Síria: não houve nenhum consenso sobre a ajuda humanitária

05-02-2014 Entrevista

Qual é a situação humanitária na Síria agora que a conferência Genebra II terminou? O chefe de operações para o Oriente Próximo e Médio, Robert Mardini, fornece algumas respostas.


Homs, Janeiro de2014 © Reuters / Thaer Al Khalidiya
 

Você acaba de acompanhar o presidente do CICV na visita à Síria para negociar o acesso da organização. A conferência Genebra II, durante a qual muitas declarações foram feitas sobre a evacuação de civis da cidade antiga de Homs e a distribuição de ajuda, terminou a poucos dias. Quais foram as mudanças concretas no terreno?
 

Infelizmente, nenhuma até agora. O CICV e o Crescente Vermelho Árabe Sírio ainda não têm acesso à cidade antiga de Homs ou a qualquer das outras áreas sitiadas na Síria. Evidentemente, acolhemos as declarações e promessas feitas aqui em Genebra, assim como as que foram feitas durante nossa recente visita a Damasco. Contudo, é necessário agora que as palavras sejam seguidas de ações. As garantias dadas em Genebra não são suficientes. Precisamos de garantias das partes no terreno, na cidade antiga de Homs e em outras áreas. Para que o trabalho humanitário relevante possa ser realizado, ele não pode ser fragmentado, devendo receber o forte apoio tanto dos políticos que estão em Genebra como dos líderes no país. Deve ser amparado solidamente por todas as partes envolvidas.
 

Desse modo, qual a atual situação humanitária na cidade antiga de Homs? As propostas feitas em Genebra, se postas em prática, seriam suficientes para salvar a vida das pessoas ali?

A última vez que estivemos na cidade antiga de Homs foi em novembro de 2012. Mesmo nesta ocasião, a situação era catastrófica. Pode-se imaginar como deve estar agora depois de mais de um ano sitiada. Desde então, apesar de todos os esforços feitos em conjunto com o Crescente Vermelho Árabe Sírio, continuamos sem conseguir as autorizações e garantias que precisamos de todas as partes envolvidas para retornar a Homs e levar a ajuda necessária com urgência. Temos recebidos informações de carências agudas de comida e principalmente de remédios e material cirúrgico necessários para tratar os pacientes com ferimentos críticos. No entanto, não foi possível confirmar os informes já que não podemos ir até o local e verificar a situação por nós mesmos.
 

Homs é uma das muitas áreas sitiadas pelas forças governamentais ou pelos grupos armados de oposição onde as necessidades são agudas. Dessa forma, o que os civis precisam, na cidade antiga de Homs, bem como no resto do país, é mais do que soluções rápidas e distribuição de ajuda uma única vez. Não devemos ter a ilusão de que a situação se resolverá de modo rápido e fácil. Devemos encontrar uma maneira muito mais duradoura de ajudar todos os sírios e de eliminar a lacuna entre as enormes necessidades e os atuais esforços humanitários para atendê-las. Estamos pedindo o acesso a todas as áreas sitiadas no país e a todos os centros de detenção, bem como a autorização para distribuir ajuda de forma imparcial.
 

É verdade que não foi permitida a entrada dos comboios na cidade antiga de Homs na semana passada? Vocês ainda conseguem trabalhar na Síria apesar de todas as restrições?

O CICV e o Crescente Vermelho Árabe Sírio não tinham comboios aguardando a entrada na cidade antiga de Homs na semana passada. Temos 200 pessoas sediadas permanentemente na Síria, podendo levar facilmente a assistência necessária à cidade antiga a partir de nossos locais em Damasco e Tartous, ou do depósito do Crescente Vermelho Árabe Sírio em Homs, uma vez que as condições sejam favoráveis e obtenhamos todas as garantias necessárias para nosso trabalho. Os estoques de ajuda estão disponíveis e prontos para distribuição.

Apesar de todos os desafios, nossas equipes continuam trabalhando arduamente para ajudar os civis na Síria. Os engenheiros hidráulicos estiveram, na semana passada, na província de Homs, dando seguimento aos projetos que temos ali. Alguns dos nossos engenheiros também estavam em Al Rastan para instalar uma bomba d'água. Outros trabalham com afinco em Aleppo, onde implementamos vários projetos públicos de água e saneamento público, junto com a distribuição de refeições e assistência para o inverno efetuadas pelos voluntários do Crescente Vermelho Árabe Sírio aos detidos no presídio central da cidade. Estes esforços contribuem, sobretudo, para o abastecimento de água, através das linhas de frente, para milhões de pessoas.  Com relação à assistência alimentar e doutro tipo, queremos ampliá-la, mas isso depende da obtenção de um maior acesso no terreno. Nossa resposta às necessidades de saúde permanece aquém do esperado devido ao desafio de convencer todos os envolvidos de que o material e os serviços médicos devem ser fornecidos de modo imparcial. Por último, ainda tentamos obter o acesso a todos os centros de detenção para monitorar o tratamento e condições de vida dos detidos. Voltamos a discutir todas essas questões com as autoridades do país, durante nossa recente visita, e nossas equipes estão no terreno para dar todo o seguimento necessário. Esperamos que os esforços deem frutos em breve.
 

O CICV participará de alguma evacuação da população civil da cidade antiga de Homs caso se materialize? O que diz o Direito Internacional Humanitário a este respeito? Se os civis permanecerem, significa que eles são ou serão usados como escudos humanos?

Caso ocorra alguma evacuação da população civil, não podemos afirmar neste momento se participaremos dela. Nossa participação dependerá das condições em que a operação for efetuada. Obviamente, estamos de prontidão não só para prestar ajuda a qualquer civil que consiga sair, mas também, de modo mais importante, para levar assistência à cidade antiga. Segundo o Direito Internacional Humanitário (DIH), as partes em conflito devem permitir que os civis nas áreas sitiadas pelos combates possam sair para áreas mais seguras caso assim queiram. As partes também devem assegurar que todas as medidas e precauções para proteção dos civis sejam tomadas; aqueles que escolherem permanecer em suas cidades continuam protegidos dos ataques conforme o DIH. Além disso, as partes em conflito devem permitir e facilitar a passagem desimpedida do socorro humanitário para a população civil. Todos os feridos e doentes têm direito a ser atendidos e tratados sem discriminação. O DIH proíbe o uso de escudos humanos

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