Somália: deterioração da segurança alimentar

25-07-2014 Entrevista

Três anos depois da última crise alimentar grave que afetou a Somália, um número crescente de pessoas enfrenta, uma vez mais, sérios problemas e muitas outras correm perigo. Mohamed Sheikh Ali, que coordena as atividades do CICV para produção de alimentos e distribuição de ajuda no país, descreve a situação.


Uma parcela considerável da população, afetada por um ciclone devastador no norte, no final de 2013, já enfrentava sérias dificuldades para recuperar os seus meios de subsistência antes da chegada desta seca mais recente. CC BY-NC-ND / CICV / so-e-00663/ F. RAbdullahi

Por que a insegurança alimentar está aumentando novamente na Somália?

A resposta é complexa. Há inúmeros fatores diferentes que contribuem com uma série de problemas localizados nas regiões central e sul do país, mas que também se encontram no norte. Porém, as populações mais afetadas são as que sofrem uma sobreposição dos choques climáticos e conflitos.

Por choque climático o senhor quer dizer seca?

Não somente a seca, mas, sim, ela é parte do problema. Nos últimos meses, as chuvas foram escassas e erráticas em algumas regiões do centro e do sul da Somália como, por exemplo, Beletweyn, Lower Juba e Middle Juba e as áreas de Lower Shabelle e Middle Shabelle, bem como em Puntland, no norte. No entanto, para piorar a situação, uma parcela considerável da população afetada por uma grande enchente no sul e uma quantidade similar de pessoas atingidas por um ciclone devastador no norte, no fim de 2013, enfrentavam dificuldades para recuperar os seus meios de subsistência já antes da chegada da seca.

Mas o conflito também contribuiu com o problema?

Os somalis vêm enfrentando um conflito perpétuo e a ausência dos serviços do Estado ou a escassez dos mesmos, nas últimas duas décadas pelo menos, faz com que uma grande proporção da população fique, em geral, vulnerável às crises. No sul e no centro do país, as mudanças na situação do conflito e os confrontos militares, em 2014, resultaram no deslocamento das pessoas, bem como no bloqueio de várias cidades para onde elas se deslocavam. Isso interrompeu os mercados, restringiu o comércio e aumentou o preço dos alimentos nesses centros urbanos. Nas regiões de Sool e Sanag, no norte, as recentes tensões políticas e certa insegurança também fizeram com que a população se deslocasse.

Quem fica mais vulnerável nesta situação?

Enquanto que a combinação desses elementos diferentes reduz a produtividade e a renda de modo geral nessas áreas, as pessoas que mais enfrentam riscos são as deslocadas, sobretudo, as crianças e as mulheres grávidas e lactantes. As taxas de desnutrição aguda severa na Somália estão entre as mais altas do mundo durante muitos anos, mas a quantidade de pessoas que sofrem com problemas graves está aumentando novamente em 2014.

Qual é a sua opinião sobre os relatos de que a região pode estar passando por uma recorrência do fenômeno El Niño?

... as pessoas que mais enfrentam riscos são as deslocadas, sobretudo, as crianças e as mulheres grávidas e lactantes.

El Niño é um fenômeno climático cíclico em que o aquecimento dos oceanos causa condições mais secas e/ou mais úmidas do que o normal. Os meteorologistas veem como uma forte probabilidade que El Niño atinja com força a Somália e a região ao redor no decorrer deste ano. Caso isso aconteça, traria uma camada adicional de problemas relativos à seca ou às enchentes, os quais descrevi antes, resultando em uma crise humanitária ainda pior. Entretanto, isso ainda não ocorreu. Estamos monitorando de perto, portanto, essas mudanças climáticas e nos preparando para responder caso esse cenário se materialize.

Podemos falar de riscos de fome três anos depois da última grave crise alimentar como algumas agências estão alertando?

Na nossa opinião, não existe fome generalizada no país hoje em dia. A situação no momento não é a mesma que a Somália enfrentou no início de 1990. Contudo, a situação não é cômoda para a crescente população que sofre com os graves problemas de segurança alimentar nas áreas específicas que mencionei antes. Os problemas graves somam-se à pobreza crônica e à vulnerabilidade severa que afetam cerca de um milhão de somalis depois de 20 anos de conflito e choques climáticos. Consideramos que a situação dessas pessoas é muito grave e nos preocupamos que possa piorar bastante durante o ano.    

O que o CICV está fazendo para ajudar a população somali a superar este momento difícil?

Consideramos que a situação dessas pessoas é muito grave e nos preocupamos que possa piorar bastante durante o ano.

É importante destacar que somente distribuimos alimentos de emergência quando as necessidades se tornam agudas e urgentes, como foi feito na crise alimentar causada pela seca, na década de 1990, e durante a crise de 2011-2012. Recentemente, mais de 80 mil deslocados receberam comida em Beletweyne e nas áreas de Sool e Sanaag que foram afetadas por conflito ou insegurança. Doutro modo, apoiamos o centro de estabilização em Kismayo, que tratou mais de 900 crianças menores de cinco anos com desnutrição aguda severa com complicações desde o início de 2014. Além disso, os nossos parceiros do Crescente Vermelho da Somália administram, com o nosso apoio, programas ambulatoriais de nutrição terapêutica em 21 das clínicas fixas e móveis na região centro-sul da Somália, com a finalidade específica de assistir crianças pequenas e mães desnutridas.

Além das atividades durante emergências, também concentramos grande parte dos nossos esforços para apoiar a recuperação da autossuficiência econômica. Estamos, por exemplo, ajudando 20 cooperativas agrícolas com a entrega de suprimentos e tratores, cinco comunidades costeiras com material de pesca e autoridades pecuárias a retomarem os serviços veterinários. Consideramos que é sumamente importante ajudar os somalis a produzirem o seu próprio alimento e desenvolverem as suas capacidades para superarem novas crises alimentares.