Ilhas Falkland/Malvinas: um olhar sobre a ação do CICV, 30 anos após o conflito

30-03-2012 Entrevista

O dia 2 de abril de 2012 marca os 30 anos do início do conflito entre a Argentina e o Reino Unido pelas ilhas Falklands/Malvinas. Edmond Corthésy era o chefe da delegação do CICV em Buenos Aires naquela ocasião. Ele recorda a atuação do CICV durante e após o conflito, em particular os serviços prestados aos prisioneiros de guerra.

Qual era o foco da atuação do CICV durante o conflito do Atlântico Sul?

Nossa principal atividade era a visita aos prisioneiros de Guerra, em terra e no mar. 

Tínhamos acesso a todos os prisioneiros mantidos em Port Stanley / Puerto Argentino, incluindo os oficiais superiores, como o comandante-em-chefe das forças armadas argentinas nas Falklands / Malvinas.1 Também visitamos e cadastramos cerca de 500 oficiais mantidos a bordo de um ferry, o St. Edmund, onde um dos nossos delegados permaneceu até que o último prisioneiro fosse libertado em julho de 1982. Além disso, o CICV fez várias visitas ao piloto britânico capturado em combate, que havia sido transferido ao continente e mantido em uma base aérea no nordeste da Argentina, perto da província de La Rioja. O piloto foi transferido posteriormente, sob os auspícios do CICV, para Montevidéu, Uruguai, e entregue às autoridades britânicas. 2

Durante nossas visitas, cadastramos os prisioneiros e seus dados pessoais. Obviamente, também monitoramos sua saúde e condições de detenção.

De maio a julho de 1982, registramos mais de 11 mil militares argentinos capturados pelas forças britânicas. Preenchíamos fichas para cada um deles, em conformidade com a III Convenção de Genebra, entregando cópias às autoridades argentinas.

O CICV também facilitou várias operações de libertação de prisioneiros, algumas durante as hostilidades e outras após as mesmas.

O senhor participou de algumas dessas operações?

Sim, ao final do conflito, quando mais de quarto mil prisioneiros de guerra chegaram a Puerto Madryn, na Patagônia argentina, a bordo de um navio britânico. Voei de Buenos Aires a Madryn no final de junho, em um helicóptero fornecido pela forças armadas argentinas. A bordo do navio, conversei com os oficiais britânicos e os soldados argentinos. Tínhamos que completar o processo de cadastramento na medida em que os prisioneiros começavam a desembarcar, já que não pudemos coletar todos os dados necessários nas ilhas.

O papel do CICV nessas ocasiões é de um intermediário neutro. Na Argentina, facilitamos os contatos entre as partes do conflito e organizamos a entrega de prisioneiros de guerra ao governo argentino.De acordo com as Convenções de Genebra de 1949, todas as partes em conflito – neste caso, a Argentina e o Reino Unido – deverão libertar seus prisioneiros sem demora, tão logo tenham terminado as hostilidades.

Que mais o CIVC fez?

No dia em que irromperam as hostilidades, o CICV enviou uma nota às partes relembrando-as das suas obrigações durante os conflitos armados internacionais, em conformidade com as Convenções de Genebra de 1949.

A delegação de Buenos Aires mantinha contato constante com o Ministério das Relações Exteriores e os comandantes conjuntos do estado-maior das forças armadas argentinas, de modo a lidar com qualquer questão humanitária decorrente do conflito, como o acesso à zona do conflito, a notificação e identificação dos navios-hospital e a troca de prisioneiros de guerra e feridos. A sede do CICV tinha relações estreitas com a missão permanente do Reino Unido em Genebra e vários respectivos ministérios em Londres.

Desde o início do conflito, os dois países demonstraram seu compromisso em respeitar o Direito Internacional Humanitário (DIH).

Por exemplo, ambas as partes convidaram o CICV a visitar os seis navios-hospital que estavam funcionando durante o conflito, permitindo que nos assegurássemos que estavam claramente identificados, de acordo com a II Convenção de Genebra.

Foi no conflito do Atlântico Sul a primeira vez em que se aplicou a II Convenção de Genebra, relativa aos conflitos no mar. Sob o pedido direto das autoridades argentinas, visitei pessoalmente o navio Bahia Paraíso em Buenos Aires, antes que zarpasse para a zona do conflito.

Os delegados do CICV chegaram pela primeira vez às ilhas no dia 10 de julho, a bordo de um navio-hospital britânico. Haviam tentado chegar antes, pela Patagônia, mas foi infrutífero devido a vários problemas relacionados ao conflito.

Uma das razões que nos fazia querer chegar até as ilhas era facilitar o estabelecimento de uma zona neutra, como definido pelas Convenções de Genebra. Um perímetro foi delimitado ao redor da igreja em Port Stanley, onde os civis poderiam se refugiar caso os combates chegassem à capital. Felizmente isso não ocorreu e a guerra terminou logo.

Os delegados do CICV atuaram como intermediários neutros entre a Argentina e o Reino Unido durante as negociações para o estabelecimento dessa zona. Os dois lados chegaram a um acordo por escrito, em conformidade com as Convenções, um acontecimento raro na história do DIH.

Em 1991, as famílias dos soldados argentinos mortos em combate viajaram até as ilhas pela primeira vez, sob os auspícios do CICV, para visitar o cemitério militar em Darwin. 

 

Por que o CICV decidiu facilitar a visita?

As famílias pediram ao CICV que intermediasse a visita e nós incentivamos as partes para que esta fosse permitida, como forma de auxiliar no luto das famílias. Era uma questão humanitária.

Com o CICV como intermediário neutro, vários meses foram necessários para obter o acordo dos dois lados com relação aos detalhes.

Mais de 300 pessoas viajaram em um voo da Aerolineas Argentinas 747 fretado pelo governo argentino. O lado britânico providenciou vários helicópteros para levar os passageiros do aeroporto a Darwin, no outro lado da ilha.

Nesse local encontravam-se os túmulos com os nomes dos soldados mortos. Além disso, havia muitos deles que continham restos não identificados. Na nossa equipe havia três psicólogos que estavam ali para ajudar as famílias a superar essa experiência difícil e altamente emotiva.

Mesmo que as negociações para a visita tenham sido iniciadas com muita antecipação, esta somente foi realizada quase dez anos após o conflito. Era uma ocasião importante, altamente emotiva, que pelos comentários e agradecimentos transmitidos pelas familiares quando retornaram vimos que a experiência havia sido útil para eles.

Durante o conflito, o CICV:

  • Visitou e cadastrou 11.692 prisioneiros de guerra;
  • Entregou 800 mensagens Cruz Vermelha;
  • Realizou atividades de prevenção no continente e nas ilhas;
  • Empregou uma equipe de 11 delegados internacionais, incluindo três médicos, que trabalharam juntamente com os funcionários locais em Buenos Aires, e delegados em Genebra.

No dia 18 de março de 1991, quase dez anos após o término da guerra, 358 parentes dos soldados argentinos mortos visitaram seus túmulos nas ilhas, sob os auspícios do CICV.

Atualmente, o CICV continua emitindo certificados de prisioneiros de guerra para ex-militares que buscam reconhecimento dos seus direitos de pensão.

Notas:

1. O título “Falklands / Malvinas" corresponde à política do CICV; quando um território em disputa é designado por nomes diferentes pelas respectivas partes, o CICV emprega os nomes conjuntamente, na ordem alfabética francesa, já que não é nossa tarefa escolher um dos nomes.


2. Vários soldados e civis britânicos que haviam sido capturados pelas forças armadas argentinas, no começo do conflito, foram entregues às autoridades britânicas em Montevidéu. Apesar de o CICV se preocupar com a sorte dos prisioneiros de guerra desde o início do conflito, não se envolveu nas operações de repatriação.


Foto

Edomnd Corthésy era o delegado do CICV em Buenos Aires durante o conflito do Atlântico Sul e comandou o trabalho do CICV na América do Sul. 

Edomnd Corthésy era o delegado do CICV em Buenos Aires durante o conflito do Atlântico Sul e comandou o trabalho do CICV na América do Sul.
© CICV

Porto de Montevidéu, Uruguai. O barco-hospital britânico HMS Hecla, destacado com o emblema Cruz Vermelha. A guerra no Atlântico Sul foi a primeira vez em que a Segunda Convenção de Genebra relativa ao mar foi aplicada. 

Porto de Montevidéu, Uruguai. O barco-hospital britânico HMS Hecla, destacado com o emblema Cruz Vermelha. A guerra no Atlântico Sul foi a primeira vez em que a Segunda Convenção de Genebra relativa ao mar foi aplicada.
© CICV / L. Chessex / V-P-FK-D-00001-03

Malvinas, Ilhas Falkland. Familiares de soldados argentinos mortos durante conflito jogam flores nos túmulos de seus entes queridos. 

Malvinas, Ilhas Falkland. Familiares de soldados argentinos mortos durante conflito jogam flores nos túmulos de seus entes queridos.
© CICV / C. Fedele / V-P-fk-d-00006-12