Gaza: reconstruindo lares, vidas e esperanças

08 dezembro 2014
Gaza: reconstruindo lares, vidas e esperanças
Cidade de Gaza, dezembro de 2014. Pessoas se aquecem perto de uma fogueira nas ruínas de casas. @Reuters / M. Salem

Ao longo dos 15 meses em que está à frente do escritório do CICV na Faixa de Gaza, Christian Cardon liderou a resposta humanitária da organização durante o conflito que durou 51 dias nos meses de julho e agosto deste ano. Na sua última entrevista nesse cargo, Cardon descreve os desafios enfrentados pelas pessoas que sofrem os efeitos da crise.

Quais são os principais desafios que as pessoas enfrentam agora em Gaza?

Christian Cardon

 

A prioridade agora é "reconstruir": reconstruir casas, infraestrutura vital, escolas, hospitais e fábricas. Também é, em muitos casos, reconstruir vidas. O último conflito de alta intensidade piorou visivelmente as condições de vida para a maioria das 1,8 milhão de pessoas que vivem em Gaza. Além disso, o inverno já começou e há dezenas de milhares de pessoas particularmente vulneráveis que habitam prédios parcialmente destruídos ou inadequados para moradia, onde não têm proteção contra enchentes e as baixas temperaturas.

Mesmo antes do último conflito, os habitantes de Gaza já enfrentavam diversos problemas diários, incluindo o alto índice de desemprego, pobreza, restrições ao movimento, escassez de combustível e dificuldades para obter água potável e ter acesso à assistência básica à saúde. Ademais, tinham acesso limitado a determinadas mercadorias e materiais de construção necessários para o seu dia a dia e para manter a economia local.

Acima de tudo, a população precisa reconstruir as suas vidas. Seria impossível exagerar o trauma pessoal e coletivo que o conflito infligiu sobre as pessoas e o desconsolo do atual panorama. A população precisa reconstruir a esperança e um futuro digno para elas mesmas, para as suas famílias e comunidades.

Como o CICV respondeu às necessidades humanitárias em Gaza?

O conflito que aconteceu neste verão causou a destruição generalizada de casas, infraestrutura e terras para cultivo. Durante as hostilidades, o CICV prestou assistência às pessoas mais gravemente afetadas e, assim que o conflito terminou, ampliou a sua ação humanitária para ajudar a atender as necessidades dos desabrigados. A organização trabalhou de perto com o Crescente Vermelho Palestino para salvar vidas e levar os feridos para o hospital.


Também manteve a entrega de remédios e material médico aos centros de saúde para o tratamento de pacientes feridos de guerra. O CICV levou milhares de unidades de sangue para Gaza e trabalhou em conjunto com as autoridades locais para fazer consertos urgentes nas redes de água necessários para restabelecer o fornecimento para 600 mil pessoas, e na rede elétrica, de modo a garantir uma média de cinco horas diárias de eletricidade disponível em toda a Faixa de Gaza.


Gaza, novembro de 2014. Duas meninas buscam abrigo contra a chuva no caminho de casa para a escolar. Devido à falta de nivelação, formaram-se poças de água de chuva. CC BY-NC-ND /CICV / El Baba

Desde o início do conflito, em julho, a organização está fornecendo material de construção, utensílios de cozinha, baldes, artigos de higiene e outros itens essenciais para as pessoas deslocadas. Atualmente, continua distribuindo esse tipo de ajuda e, em breve, o número de beneficiários superará 160 mil. Além disso, o CICV está fazendo um grande esforço para restabelecer o acesso dos agricultores às terras cultiváveis arruinadas durante o conflito e certificando-se de que essas terras possam voltar a ser produtivas. O objetivo é restaurar a fertilidade de quase metade do total de terras cultiváveis. Ademais, à medida que se realizam discussões sobre como facilitar o processo de exportação de mercadorias, a organização está ajudando a população de Gaza a produzir essas mercadorias.

É importante mencionar o trabalho meticuloso de monitoramento e documentação realizado durante o curso do conflito. Os delegados do CICV avaliaram o impacto humanitário do conflito no terreno e prepararam relatórios detalhados para as partes envolvidas. Essas avaliações, enquadradas nos termos dos princípios e normas básicos aplicáveis em todos os conflitos armados, formam a base do diálogo confidencial posterior sobre o cumprimento das leis da guerra. Houve uma clara falta de respeito ao Direito Internacional Humanitário (DIH) – o custo humano foi simplesmente muito elevado – e isso não pode voltar a acontecer.

Quais são as principais limitações que o CICV enfrenta em Gaza?

O conflito terminou há cerca de três meses e há ainda muitos cidadãos de Gaza que enfrentam sofrimentos diários. A infraestrutura destruída precisa de consertos urgentes, assim como milhares de casas, mas milhões de toneladas de escombros ainda não foram removidas. Espera-se que se encontre um grande número de artefatos ou outros resíduos do conflito não detonados, os quais devem ser cuidadosamente eliminados antes que mais civis sejam feridos. A isso se soma o fato de que dezenas de milhares de palestinos continuam deslocados e carentes de assistência básica.

Ademais das contribuições das organizações humanitárias e outras para os esforços de recuperação, as diversas autoridades dentro e fora de Gaza deverão arcar com as suas responsabilidades e facilitar o processo de reconstrução. Não pode haver mais demoras. É necessária a rápida entrada de mercadorias e mantimentos essenciais, mas o CICV observou atrasos nas importações, o que impede os esforços de recuperação. No entanto, junto com Crescente Vermelho Palestino, a organização está intensificando as ações para ajuda as pessoas necessitadas.

Que mensagem o senhor gostaria de compartilhar com as pessoas que estão sofrendo os efeitos do conflito?

Os palestinos e israelenses passaram por outro episódio de intenso conflito no verão. O CICV fez tudo o que estava ao seu alcance para ajudar as pessoas necessitadas, mas, por maior que tenham sido o trabalho emergencial e a assistência prestados pela organização, não foi possível atender as expectativas das pessoas encurraladas por esse conflito de alta intensidade e desesperadas por esperança.

Gostaria também de acrescentar o quanto admiro a resiliência e a habilidade das pessoas afetadas por este conflito de lidar com essas situações difíceis. É preciso muita determinação e coragem para começar a vida de volta depois de um conflito.

Nos últimos 15 meses, conheci muitas pessoas de diferentes horizontes, em Gaza, Nablus, Hebron, Jerusalém e Tel Aviv. Só tenho a dizer que sinto que as pessoas estão exaustas e cansadas desse contínuo ciclo de violência, que mais uma vez este ano não trouxe nenhuma melhora importante às suas vidas diárias. Obviamente, o CICV continuará fazendo o melhor para curar algumas das feridas e prestar uma resposta emergencial coerente. O que é preciso fazer agora, no entanto – mais do que nunca – é trazer mudanças e soluções duradouras, o que, claro, não podem ser feito pelas organizações humanitárias.

Cidade de Gaza, dezembro de 2014. Atletas com deficiência participam de um treinamento de vôlei. @Reuters / S.Salem

Cidade de Gaza, dezembro de 2014. Atletas com deficiência participam de um treinamento de vôlei. @Reuters / S.Salem

Shejaya, novembro de 2014. Um homem recolhe madeiras da sua casa destruída para fazer uma fogueira e se aquecer durante o frio.

Shejaya, novembro de 2014. Um homem recolhe madeiras da sua casa destruída para fazer uma fogueira e se aquecer durante o frio.

Shejaya, novembro de 2014. Crianças descalças caminham em frente à casa destruída, onde moravam. CC BY-NC-ND/ICRC/El Baba

Shejaya, novembro de 2014. Crianças descalças caminham em frente à casa destruída, onde moravam. CC BY-NC-ND/ICRC/El Baba

Shejaya, novembro de 2014. Uma mulher limpa a sua casa destruída devido à uma enchente. CC BY-NC-ND/ICRC/El Baba

Shejaya, novembro de 2014. Uma mulher limpa a sua casa destruída devido à uma enchente. CC BY-NC-ND/ICRC/El Baba