Afeganistão: mais estranho que a realidade e mais duro que a ficção

14 agosto 2015

6 de agosto de 2015. Noite de quinta-feira. Recém começava o meu fim de semana em Cabul.

Não me sentia especialmente cansada ou com sono. Ao contrário, estava animada por estar no Afeganistão – um país que eu acompanhei durante anos como jornalista antes de entrar para o CICV. Esta era a minha primeira visita e queria caminhar pelas ruas – sentir o lugar e a cultura, ver as pessoas. As medidas de segurança, porém, não me permitiam deixar o prédio do CICV, mesmo para uma curta caminhada.

Não podia deixar de pensar – era assim tão ruim ou o CICV estava sendo cauteloso demais? Afinal, fazia tempo que o Afeganistão não estava mais no topo da agenda de notícias da maioria da mídia internacional. Era porque estava tudo calmo ou porque não havia nada para relatar? Ou era porque a mídia internacional foi embora, junto com a maior parte das tropas estrangeiras?

Fiz as pazes com a limitação dos meus movimentos.

Ficarei aqui apenas duas semanas, pensei, diferentemente de muitos dos meus colegas que vivem aqui entre 2 a 4 anos, e alguns até há décadas. Vindos de todas as partes do mundo, isso tampouco seria "normal" para eles.

Durante o período que viveram no Afeganistão, passaram por distintos níveis de limitações – algumas vezes, ficando confinados a um único abrigo antibombas! Se eles podem viver desta maneira durante longos períodos, certamente eu também posso por somente duas semanas.

Antes de partir para o Afeganistão, me avisaram que não poderia sair do prédio do CICV, portanto, cheguei aqui com uma quantidade suficiente de filmes e séries de TV para me distrair.

Decidi assistir a "House of Cards". Para os não iniciados, é um drama político dos Estados Unidos sobre um político ambicioso que faz qualquer coisa para se tornar presidente. Os dilemas morais, a ética questionável, o pragmatismo implacável, atos completamente ultrajantes – tudo pelo poder, pelo controle sobre as pessoas. Nossa! Felizmente, era apenas ficção.

Justo quando pensava nisso, escutei uma forte explosão.

Era pouco mais de 1h da madrugada de sexta. Pulei para fora do meu quarto pensando: "que era isso? Devo me preocupar?"

Dois colegas, com os quais eu dividia a casa, também saíram dos seus quartos. Eles já estavam há tempo suficiente no Afeganistão para o primeiro exclamar: "Puxa! Foi a explosão mais forte que já ouvi. Isso não é nada bom" e o segundo dizer: "Espera aí! Não há som de tiros, né? Pelo menos isso é um sinal relativamente positivo". E eu, a novata nesses assuntos, parada ali, pensava em silêncio: "Esta conversa é de verdade? Eles falam como se fosse uma coisa normal!"

Eles me aconselharam a voltar para a cama e me disseram que se houvesse maiores preocupações, seríamos contatados e talvez teríamos que passar as próximas horas ou toda a noite em um abrigo antibombas.

Voltei para cama e comecei a googlear sem parar – onde explodiu a bomba? Por quê? Quem estava por trás? Quantas pessoas ficaram feridas?

E foi então que me dei conta – talvez tenha acabado de morrer gente. Naquele instante – a minutos de distância de mim.

Isso não era ficção como a série de TV que ia assistir. É a realidade do mundo em que vivemos. Uma realidade que é mais triste do que a ficção que eu havia acabado de julgar, minutos atrás.

Tive dificuldades para dormir, pensando sobre o que aconteceu lá fora. As primeiras notícias na manhã seguinte informavam que pelo menos oito pessoas foram mortas e mais de 400 feridas por um carro-bomba potente em Cabul.


Previa-se que o número de mortos aumentaria (e aumentou).

Nas 24 horas seguintes, escutei mais duas explosões. Algumas pessoas contam que ouviram pelos menos cinco mais! À medida que a cidade se acalmava, na segunda-feira, outra explosão perto do Aeroporto Internacional de Cabul.

Sim, as pessoas morrem todos os dias. E, infelizmente, vamos ficando insensíveis aos números com tantos conflitos acontecendo ao redor do mundo.

Esses números já quase não significam mais nada. Mas, vamos dar um passo atrás e refletir.

Esses números representam pessoas – cada uma delas é uma pessoa que é importante na vida de alguém. Mesmo que isso soe como um clichê, é verdade. Não temos de estar todos próximos a uma tragédia para nos lembrarmos disso. Ou talvez sim.

As vítimas civis estão aumentando no Afeganistão, comparado com o mesmo período no ano passado. A situação está se deteriorando. Está longe de ser normal, longe de ser estável. Então, por que já é um conflito esquecido? É somente um tipo de fatiga com o conflito que dura tanto quanto tem durado? Ou é porque é demasiado complicado?


Honestamente, não há nenhuma razão boa o suficiente para abandonar a população do Afeganistão. Não há nenhuma razão boa o suficiente para se viver em uma realidade em que o "normal" não seja normal de nenhuma maneira. Não há nenhuma razão boa o suficiente para preferir uma ficção assustadora à realidade. Nenhuma.

Fico, porém, com uma pergunta mais candente (para a qual aceito respostas):

O que será necessário para fazer que o mundo preste atenção novamente na população do Afeganistão?

Relata de Neha Thakkar, Relações públicas do CICV