Artigo

Conflito no Iêmen: transferência de detidos gera esperança para o futuro

Faz um mês que o CICV ajudou mais de mil pessoas que estavam detidas a voltarem para casa. Foi a maior operação de transferência em tempo de guerra de que o CICV participou em quase 70 anos. Dois colegas do CICV relembram como tudo aconteceu.

"A noite anterior foi curta, havia muita ansiedade, muita coisa acontecendo, muito no que pensar", disse o diretor regional do CICV, Fabrizio Carboni.

A ansiedade era compreensível. A operação para negociar entre as partes envolvidas no conflito armado a liberação e a transferência de pessoas que estavam detidas havia começado há quase dois anos.

Não havia margem de erro.

Transportar um grande número de pessoas entre várias cidades em dois países, no contexto do conflito armado e de uma pandemia mundial, nunca seria uma tarefa fácil.

"No começo, surgiram alguns contratempos de última hora", disse Carboni. "Cada atraso era problemático, porque o acordo era que todos os aviões decolassem ao mesmo tempo. Era uma questão de muita confiança.

Um atraso em um aeroporto implicava atrasos nos outros aeroportos. Tínhamos que trabalhar com um prazo apertado, então a situação foi bastante tensa e estressante."

A operação, realizada com a Sociedade do Crescente Vermelho do Iêmen e a Autoridade do Crescente Vermelho Saudita, foi o resultado das negociações realizadas em setembro na Suíça a partir do

Acordo de Estocolmo, assinado no fim de 2018.

O CICV desempenhou o papel de intermediário imparcial responsável pelo transporte das pessoas que estavam detidas.

"A situação no aeroporto era um pouco caótica, havia muita gente na pista, muita comoção, muita atividade", lembra Carboni, que estava em Sanaã.

"Meus colegas do CICV davam tudo de si para resolver os últimos detalhes. Voluntários e funcionários da Sociedade do Crescente Vermelho do Iêmen transmitiam recomendações de saúde sobre a Covid-19. A sensação de ansiedade e expectativa crescia."

Todos os funcionários e ex-detidos tiveram que usar máscaras e mantiveram o máximo distanciamento físico possível.

No meio da manhã, dois aviões estavam prontos para sair de Sanaã. Mas, por causa de um atraso em outro aeroporto, não podiam decolar.

"Dava para ver a tensão no rosto das pessoas. As emoções começavam a se intensificar na iminência de outro atraso", disse Carboni.

"Mas, por fim, os aviões decolaram. Foi um momento de muita felicidade, porque isso significava que a operação estava realmente acontecendo."

No fim da manhã do dia 15 de outubro, cinco aviões haviam decolado quase simultaneamente das cidades iemenitas Sanaã e Seiune, e da cidade saudita Abha.

Para quem estava a bordo, foi um momento extremamente importante.

"Não vejo a hora de estar de novo com minha família, sinto muita saudade", disse uma das pessoas que estavam detidas.

"Hoje é o dia mais feliz de minha vida, por conquistar minha liberdade, e torço pela liberação do restante dos prisioneiros no país, torço pela paz e por uma situação humanitária melhor no país."

Cantar com alegria

A cerca de 600 quilômetros, em Seiune, Thouraya Ben-Youssef respirava aliviada ao ver o avião decolar rumo a Sanaã.

Embora a delegada de proteção do CICV normalmente trabalhe no Reino Unido, Ben-Youssef havia sido convocada para ajudar na operação.

"Quando o avião decolou, deu para sentir que o clima mudou. As pessoas relaxaram porque sabiam que os aviões nos outros lugares haviam decolado, sabiam o que estava acontecendo", disse ela.

"Tivemos que superar desafios logísticos enormes para que tudo desse certo. Para começar, os ex-detidos tiveram que viajar 10 horas de ônibus para chegar ao aeroporto e passaram por diversos postos de verificação de segurança pelo caminho.

Quando finalmente chegaram ao aeroporto e perceberam que realmente estavam indo para casa, começaram a cantar com alegria. Foi um momento especial."

Muitos tinham feridas de guerra, vários precisaram embarcar em macas.

Em cada aeroporto, funcionários do CICV verificaram a identidade dos ex-detidos. Eles também receberam kits de higiene, máscaras, roupas, alimentos e uma pequena quantidade de dinheiro para ajudá-los a voltar para casa depois que chegassem ao destino.

"Estavam felizes porque iriam para casa. Muitos disseram que queriam se casar. Outros não viam a hora de comer a comida caseira preparada por sua mãe", disse Ben-Youssef.

"Fomos responsáveis pelos voos, mas esta operação não se resumiu ao transporte.

Do ponto de vista humanitário, havia pessoas que passaram anos longe da família. Algumas famílias não sabiam se seus entes queridos estavam mortos ou vivos. Então, esta operação reuniu famílias e possibilitará que os feridos recebam o atendimento médico de que precisam."

Confiança e esperança

Durante dois dias, o CICV supervisionou 11 voos entre várias cidades no Iêmen e na Arábia Saudita. Um total de 1.056 pessoas que estavam detidas foi levado de volta a seu lugar de origem.

Esta é a maior operação do tipo realizada durante o conflito armado no Iêmen e a maior realizada pelo CICV em tempos de guerra desde maio de 1953, na Guerra da Coreia.

Quando tudo terminou, fiquei no meu quarto ouvindo crianças que brincavam nas ruas", disse Carboni.

"Esta liberação não vai mudar a cara do conflito armado, mas realmente acho que nos dá esperança. Ela nos mostra aonde a vontade política e o compromisso podem chegar. Isso ajuda a criar confiança entre os lados, e esperamos que leve a um maior diálogo.

Somente as partes envolvidas no conflito podem gerar uma mudança positiva e duradoura. Somente uma solução política pode acabar com o sofrimento e dar um futuro melhor àquelas crianças."