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Chegar às pessoas necessitadas no leste da Ucrânia para entregar ajuda neutra e imparcial

Com a proximidade do inverno no continente europeu, os civis ainda precisam de ajuda no leste da Ucrânia. Laurent Corbaz, chefe de operações para Europa e Ásia Central, explica as maiores preocupações e prioridades do CICV em resposta à crise na Ucrânia.

O senhor trabalhou durante o verão ucraniano na resposta humanitária do CICV ao conflito no país. Quais foram as conquistas do CICV nesse sentido?

Estamos realmente muito alarmados com o número de vidas perdidas e a destruição das casas e da infraestrutura civil durante os meses de conflito no leste da Ucrânia. Buscamos lembrar os grupos armados sobre a sua responsabilidade de proteger as vidas das pessoas que não participam das hostilidades e garantir que os feridos e doentes tenham acesso ao atendimento médico necessário. Esta é uma parte importante da nossa resposta. E conseguimos atender algumas das necessidades em termos de abrigo, alimentos e saúde das pessoas mais vulneráveis afetadas pelo confronto, como as pessoas deslocadas ou as que retornam às suas casas destruídas na Ucrânia, ou dos refugiados que fugiram para a Rússia. Sempre foi fundamental assegurar que a resposta humanitária seja implementada com base nas necessidades e independente das considerações políticas.

Quais são as maiores preocupações humanitárias do CICV atualmente?

Nas áreas onde o confronto foi mais intenso, os estragos causados nas casas das pessoas foram mais extensos. O inverno é duro nesta região de modo que as casas precisam estar hermeticamente protegidas contra a água e o vento. Fornecemos vidro, cimento e material para o conserto de telhados. As redes de água foram destruídas e também precisam de consertos. Infelizmente, vários hospitais foram danificados pelo conflito e melhorar o acesso à assistência à saúde para a população é outras das nossas prioridades. Também nos concentramos nas necessidades das pessoas mais vulneráveis – as que têm deficiências, aquelas que não podem retornar às suas casas, os idosos e as crianças.

O conflito no leste da Ucrânia é extremamente polarizado e não podemos subestimar a influência dos meios de comunicação e das redes sociais. Em meio ao turbilhão de debates acalorados, nos concentramos no sofrimento das pessoas afetadas direta ou indiretamente pelo conflito. Estamos presentes no leste do país e temos um diálogo construtivo com as autoridades em Kiev, assim como em Donetsk e Lugansk. Isso significa que temos acesso direto às pessoas necessitadas para levar ajuda de maneira neutra e imparcial.

Os níveis de violência diminuíram?

Em termos gerais, o cessar-fogo de 5 de setembro está durando, embora continuemos preocupados com os incidentes de violência, em particular próximo a Donetsk, onde tivemos relatos de troca de tiros e enfrentamentos que resultaram em vítimas. O importante é que há um progresso no nível político no sentido de estabilizar a situação. Embora o CICV precise manter boas relações com todos os governos e autoridades para fazer o seu trabalho no terreno, não corresponde à organização fomentar a reconciliação política.

Há notícias de que foram encontradas valas comuns. O CICV tem algum papel na investigação dessas denúncias?

Estamos perturbados com as notícias de que foram descobertas valas comuns com diversos corpos. O nosso papel é reivindicar a recuperação e o manejo adequado e digno dos restos mortais, de modo que as pessoas desaparecidas possam ser identificadas e que as suas famílias conheçam o seu paradeiro. Estamos dispostos a proporcionar a nossa experiência forense para apoiar os responsáveis pela gestão de restos mortais a fim de que se possa fazer a identificação dos mesmos. Não participamos de nenhuma investigação criminal e não comentamos publicamente as denúncias de crimes ou violações. Isso é parte do nosso diálogo bilateral com as partes em conflito.

O CICV está preocupado com o tratamento dispensado aos detidos?

Uma das nossas principais tarefas é visitar as pessoas privadas de liberdade como consequência do conflito, precisamente porque essas pessoas são vulneráveis e necessitam da proteção de uma organização independente e internacional. Não negociamos a liberação de detidos, nem questionamos os motivos para a detenção deles. O nosso papel é monitorar o tratamento que recebem e fazer recomendações para as autoridades pertinentes de forma confidencial. Visitamos os centros de detenção administrados pelo governo ucraniano e, pontualmente, esperamos entrar em um acordo mais formal com eles que nos conceda acesso a todas as pessoas detidas em relação com a violência. Também tentamos visitar outros detidos no leste da Ucrânia. Estamos dispostos a agir como intermediário neutro para as liberações simultâneas de prisioneiros, se assim nos solicitarem as partes.

O CICV foi criticado por não facilitar a chegada de comboios oriundos da Rússia. Por que a organização não pode fazê-lo?

Desde o início, eu estava em contato com as autoridades em Kiev, Moscou e leste da Ucrânia sobre os comboios. O CICV tinha a intenção de facilitar a chegada dos comboios, mas só podemos fazer o nosso trabalho se as partes em conflito concordarem com o nosso papel e garantirem a segurança da nossa equipe. Infelizmente, não tivemos as garantias de segurança necessárias para os nossos colaboradores para o primeiro comboio da Rússia e, para os comboios seguintes, as autoridades russas e ucranianas não concordaram com os procedimentos que nos permitiriam trabalhar.

Queremos que a assistência humanitária chegue a todas as pessoas necessitadas e toda a ajuda enviada ao leste da Ucrânia não só foi bem-vinda, como ajudou a aliviar algumas carências. No entanto, é preciso que haja um acordo no nível politico para as operações transfronteiriças, não correspondendo ao CICV intermediar tais discussões. Continuamos à disposição para assessorar as autoridades locais sobre a distribuição de ajuda, se for necessário. Instamos todos os lados a chegarem a um acordo sobre as formas de levar a tão necessária ajuda, de forma segura, para aliviar o sofrimento das pessoas que enfrentam dificuldade para lidar com essa situação ou que precisam desesperadamente de assistência à saúde.