Afeganistão: vítimas do conflito lotam o Hospital Regional Mirwais, enquanto os médicos se esforçam para atender todos os casos
Era para ser uma noite de celebração com dança, canto e boa comida para o jovem e dedicado agricultor Ahmadullah e seus quatro amigos, que se dirigiam a um casamento em sua vila no distrito de Zheray, em Kandahar. Mas o clima alegre rapidamente se tornou trágico quando o carro foi atingido por uma explosão que matou um dos amigos e feriu os demais.
A cena continua nebulosa na memória de Ahmadullah, mas a dor física e emocional é intensa. Deitado no leito do Hospital Regional Mirwais, em Kandahar, após uma cirurgia no abdômen, o jovem de 23 anos soluça quase sem energia: "Quando estaremos seguros? Quando a violência vai acabar?" Sua angústia é compartilhada por Zainuddin, de 11 anos, que ocupa uma cama vizinha e se recupera de ferimentos causados pela explosão de uma mina terrestre no distrito de Musa Qala, em Helmand. Um dos irmãos de Zainuddin foi morto na explosão; outro perdeu um membro.
Todos os leitos do hospital estão ocupados, e até mesmo os corredores estão cheios de pacientes. Como Ahmadullah e Zainuddin, muitos deles foram levados às pressas ao hospital com ferimentos causados por explosões de minas terrestres ou ataques aéreos. O pai de Ahmadullah, Mohammad Nasim, diz que houve um recente aumento nos ataques e que os civis são novamente atingidos no fogo cruzado.
"As coisas estavam calmas nos últimos 10 anos, mas os bombardeios e explosões se tornaram mais comuns. E não temos nenhum outro lugar aonde ir para conseguirmos tratamento adequado. Apesar das duas horas de viagem, meu filho foi trazido aqui para que pudesse receber os cuidados necessários. Felizmente as estradas de nosso povoado até a cidade estão em boas condições. Caso contrário, a viagem teria sido muito mais longa, e não sabemos o que teria acontecido", afirma. Nasim, que tem uma grande fabmília de 22 membros, está abalado com o ataque, que poderia ter tirado também a vida de Ahmadullah. "Ele tem um filho pequeno", diz Nasim.
O Dr. Qudratullah Hakimi, chefe do Departamento de Cirurgia do hospital, diz que enquanto mundo combate a pandemia de Covid-19, a equipe do Mirwais está mais ocupada tratando os ferimentos de guerra. "Realizamos em média 10 operações por dia, a maioria para tratar ferimentos causados pelo atual conflito. Casos de acidente também são comuns", diz ele.
Funcionário do hospital Mirwais há 11 anos, o Dr. Hakimi fala sobre como os anos de conflito afetaram o sistema de saúde do Afeganistão. "Devido à falta de estabelecimentos de saúde na zona sul do país, os pacientes são trazidos para cá de toda a região, incluindo de muitos povoados remotos nas províncias vizinhas. No entanto, por causa da distância, da escassez de transporte e das más condições da malha rodoviária, quase 50% dos pacientes não conseguem chegar aqui a tempo e morrem de hemorragia. Ou seu estado se torna muito pior do que estaria se eles tivessem recebido primeiros socorros de forma adequada e oportuna", afirma o médico, lembrando que mulheres e crianças constituem o maior número de pacientes.
Mas devido à distância, ao mau transporte e às más redes rodoviárias, quase 50% dos pacientes não conseguem nos alcançar a tempo e morrem devido a sangramento excessivo ou seu estado se torna muito pior do que seria se pudessem obter primeiros socorros adequados e oportunos, diz ele, acrescentando que mulheres e crianças constituem o maior número de pacientes.
O Dr. Hakimi, único profissional que realiza cirurgias plásticas no hospital, também conta que muitos pacientes devem aguardar porque não há suficientes mesas cirúrgicas ou instalações para cirurgias plásticas. "Pacientes com deformidades físicas ou aqueles que foram submetidos a cirurgia geral por ferimentos requerem cirurgia plástica. Dedicamos dois dias por semana a esses procedimentos, mas isso não é suficiente para todos os casos que chegam", afirma.
Enquanto os profissionais de saúde passam de um leito a outro nas alas lotadas do hospital Mirwais, a pergunta de Ahmadullah paira pesadamente no ar. "Quando as coisas vão mudar?"