Apoio econômico à comunidade é um recurso vital para as mulheres no norte do Mali

12 março 2018
Apoio econômico à comunidade é um recurso vital para as mulheres no norte do Mali
Moradores e a vice-presidente do CICV, Christine Beerli, em Toya, às margens do rio Níger, a 20 quilômetros de Timbuktu. Os anos de seca e o aumento da desertificação afetaram as colheitas e reduziram a quantidade de peixes para a pesca. A essas dificuldades gerais, soma-se a insegurança. CC BY-NC-ND / CICV / Sidi Boubacar Diarra

No vilarejo de Toya, a 20 quilômetros de 20 Timbuktu, a vida das pessoas se definiu por duas forças devastadoras: o clima e o conflito.

Observando as dunas de areia movendo-se às margens do rio Níger – atrás de três esparsas árvores plantadas anos atrás para impedir que o deserto invada – os campos de arroz amplamente heterogêneos dependem da água do rio para irrigação. O empobrecimento causado pelos efeitos da mudança climática são duros.

Toya está situada em uma das regiões mais vulneráveis de um dos países mais pobres do mundo - Mali está atualmente posicionado no posto 175 dos 188 países no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Os anos de seca e a desertificação crescente ressecaram a terra e encolheram o rio. As plantações, principalmente de arroz, se tornaram mais e mais precárias, enquanto que a pesca deixou de ser abundante.

Além disso, a intensificação do conflito armado, o banditismo generalizado e a ausência do Estado em muitas áreas pioram uma situação que já é calamitosa, causando deslocamentos, inibindo o retorno e reduzindo severamente os serviços vitais. A insegurança alimentar aumenta, assim como as taxas de desnutrição.

"A vida é muito, muito difícil. Não chove, não tem comida suficiente, não há dinheiro", afirma Safiatou Bahada, uma viúva, mãe de oito crianças, ninando a mais nova nos braços. "E agora também é muito inseguro; há muitos roubos e ataques. Estamos todos com medo, mas o que podemos fazer? Aonde mais podemos ir?", acrescenta.

Como a maioria das mulheres na zona rural do Mali, Safiatou teve acesso apenas à educação mais básica e não tem perspectivas realistas de um emprego formal. A realidade de tentar sustentar a sua grande família sozinha é dura. Ela complementa o pouco que ganha com a venda de peixes no mercado com o trabalho nos campos, bombeando água do rio através de canais de irrigação e ajudando na colheita.

Hadijatou Maiga, membro da associação comunitária, ao lado das recém-reformadas bacias de pisciculturas em Toya, região de Timbuktu. O CICV apoia uma associação comunitária para desenvolver a piscicultura com o objetivo de estimular a economia local e ajudar a atender as necessidades. CC BY-NC-ND / ICRC / Claudia McGoldrick

Para piorar ainda mais, existe um medo constante de roubos e ataques, sobretudo nas estradas. Safiatou conta que foi roubada e levaram o que tinha ganho poucos dias atrás, quando homens armados pararam o veículo no qual viajava e ameaçaram os passageiros.

Para ajudar as mulheres vulneráveis como Safiatou – e estimular a economia local – o CICV apoia uma associação comunitária para desenvolver a piscicultura em Toya. Três grandes compartimentos alimentados por sistemas de irrigação com água do rio foram reformados e foram entregues cardumes de peixes jovens que serão criados, pescados e se reproduzirão. Os lucros serão compartilhados equitativamente entre os membros da associação, dos quais um terço são mulheres. E o número de mulheres é cada vez maior.

"Considerando a diminuição dos níveis de água aqui e a redução da disponibilidade de peixes no rio, a piscicultura é uma boa forma de garantir a sustentabilidade", afirma Joel Fortuné, delegado de segurança econômica do CICV em Timbuktu. "O objetivo é fortalecer a capacidade e a autossuficiência das pessoas, sobretudo o grande número de mulheres vulneráveis, que são muitas vezes as chefes de família", acrescenta. "Esperamos que este projeto sirva como piloto para ser replicado em outros pontos na região."

O projeto é apenas um dos muitos em diversas áreas afetadas pelo conflito no país, onde o CICV ajuda a atender as necessidades no longo prazo, seja mantendo os serviços básicos e a infraestrutura ou fornecendo diferentes tipos de apoio agrícola e à comunidade. E desses, um número de projetos tem o objetivo específico de fortalecer a resiliência de mulheres vulneráveis.

Nos arredores de Timbuktu, um desses projetos apoia uma associação de mulheres que produz sabonetes, fornecendo matéria-prima e assessoria técnica. A presidente da associação, Bintu Sesay, explica que embora a maioria das mulheres faça diferentes trabalhos para chegar ao fim de mês, fazer e vender sabonetes é a fonte de renda mais confiável. "Algumas de nós também trabalhávamos na horta, mas os bandidos vieram aqui três dias atrás e roubaram os painéis solares que geravam energia para bombear água", conta.

As mulheres membros de uma associação comunitária em Timbuktu fazendo sabonete. O CICV apoia atividades geradoras de renda de diversas comunidades como esta, sobretudo as que são administradas por mulheres vulneráveis e para elas. CC BY-NC-ND / CICV / Claudia McGoldrick

Bintu lembra que muitas famílias fugiram das suas casas quando os grupos armados assumiram o controle de Timbuktu e de outras áreas ao norte, em 2012. "Fugimos para diferentes lugares, ficamos na casa de parentes ou de conhecidos, mas todos nos esforçávamos para sobreviver. Foi muito difícil. Depois de alguns meses, voltamos. Algumas famílias foram separadas e algumas mulheres voltaram viúvas", conta. "A vida aqui sob o controle de jihadis era muito difícil também. Tínhamos que ser muito cuidadosas, mas simplesmente tínhamos que aceitar."

Hadi Sesay – uma viúva mãe de nove crianças – concorda e relata como foi presa em duas ocasiões diferentes por "não estar propriamente coberta", quando vendia no mercado e, em ambos os casos, esteve detida durante quase um dia inteiro. Mas a sua vida se tornou ainda mais difícil. "Desde que o meu marido morreu, há dois anos, a vida passou a ser insuportável para mim", afirma. "Na maioria das vezes, só comemos uma vez por dia. E quase sempre dou a minha parte para as crianças e eu fico com fome."

"Se não fosse pelos sabonetes que fazemos e vendemos, todos morreríamos de fome", acrescenta Hadi. "Mas ainda tenho muito medo do que nos guarda o futuro, como esse conflito nos afetará, o que acontecerá com os meus filhos."
A situação de Hadi é apenas um exemplo que ilustra a complexidade da crise no Mali – e a urgência de enfocar-se nela. Como ressaltou a vice-presidente do CICV, Christine Beerli, em uma visita recente a Timbuktu e outras áreas do Mali,

"As bases para a paz precisam ser construídas no nível da comunidade, por exemplo, assegurando que o governo local seja mais inclusive. Promovendo o respeito às normas por todas as partes; e criando oportunidades econômicas, sobretudo, para os grupos vulneráveis. Ajudar a empoderar as mulheres é um passo importante na direção certa."

"Finalmente, a vontade política genuína é necessária para terminar com essa crise que está enraizada profundamente", concluiu Beerli. "Enquanto isso, organizações humanitárias como o CICV continuarão tendo um papel vital, salvando vidas e também pavimentando o caminho para o desenvolvimento futuro."