Como os corredores humanitários funcionam para ajudar as pessoas em zonas de conflito
O que acontece com a população civil que quer deixar as zonas de conflito, mas não pode fazê-lo? Uma maneira é através de corredores humanitários, às vezes chamados de passagens humanitárias seguras.
Da Ucrânia à Síria, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tem participado de operações de passagem segura para ajudar pessoas encurraladas em hostilidades ou para obter acesso a vítimas de conflitos armados.
Respondemos às suas perguntas sobre o complexo processo de criação de passagens seguras ou corredores humanitários: desde exemplos ilustrativos históricos até como eles são organizados, o papel do CICV nele e os perigos, entre outras perguntas frequentes.
O que é um corredor humanitário?
Corredores humanitários ou passagens seguras são essencialmente acordos entre as partes do conflito armado para permitir a passagem segura durante um tempo limitado em uma área geográfica específica. Esses corredores podem permitir a saída de civis, a chegada de assistência humanitária ou a evacuação de pessoas feridas, doentes ou mortas. Devido às suas limitações de escopo, os corredores humanitários não são a solução ideal. Fundamentalmente, a população civil – havendo ou não um acordo de passagem segura – deve ser protegida contra os efeitos das hostilidades e deve ser autorizada a evacuar uma área sitiada. As organizações humanitárias devem poder trabalhar quando e onde for necessário para oferecer proteção e assistência às pessoas afetadas por conflitos armados. Quem participa dos combates deve garantir que as normas do Direito Internacional Humanitário (DIH) referentes à condução das hostilidades sejam respeitadas para proteger a população civil e que a assistência humanitária possa chegar a quem a necessita.
Como o CICV define pausas humanitárias?
Uma pausa humanitária é uma suspensão temporária de hostilidades para fins puramente humanitários que é acordada entre as partes em conflito. Em geral, é para um horário e área específicos. "Pausa humanitária" e "corredor humanitário" não são termos técnicos do DIH. Mesmo assim, existem normas importantes do DIH que podem enquadrar as discussões sobre pausas e corredores humanitários.
O que é o DIH e o que ele diz sobre passagens seguras?
O Direito Internacional Humanitário (DIH) é o corpo jurídico que vincula todas as partes em conflitos armados que busca, por razões humanitárias, limitar os seus efeitos. Protege as pessoas que não participam ou deixaram de participar diretamente das hostilidades e impõe limites aos meios e métodos de guerra. O DIH também é conhecido como "o direito da guerra" ou "o direito dos conflitos armados". As passagens seguras não são expressamente definidas no DIH, que, em vez disso, deixaria claro que a população civil está protegida, principalmente contra os efeitos das hostilidades, onde quer que esteja e que organizações humanitárias imparciais, como o CICV, têm o direito de prestar assistência humanitária às pessoas necessitadas. Isso significa que, mesmo que haja uma operação de passagem segura para fora de uma área de intensos combates, quaisquer civis que não possam ou não desejem deixar a área ainda estão protegidos pelo DIH e podem se beneficiar de assistência humanitária.
Em que momentos as passagens seguras foram usadas no passado?
As passagens seguras foram usadas antes e datam de 1936, durante a guerra civil espanhola. Após os ataques à cidade de Madri, que começaram em novembro de 1936, o CICV obteve autorização em julho de 1937 para evacuar algumas mulheres, crianças e idosos para Valência. De setembro a novembro de 1937, uma coluna de 15 caminhões do CICV realizou as evacuações, que envolveram cerca de 2,5 mil pessoas. Anteriormente, no final de 1936 e início de 1937, o CICV também havia evacuado mais de 500 pessoas de Bilbao para San Sebastian. O foco principal do CICV estava nos casos de evacuação que exigiam enfoques simultâneos para ambos os lados, o que somente o CICV poderia fazer. Durante a luta pela independência da Indonésia, em 1946, o CICV facilitou, por meio de contatos com as partes em conflito, a evacuação de 37 mil internos holandeses e indo-holandeses e, em 1947 e 1948, de mais de 12 mil cidadãos chineses. Em 2016, o CICV e o Crescente Vermelho Árabe Sírio facilitaram a evacuação de mais de 25 mil pessoas do leste de Aleppo para áreas rurais em Aleppo e Idlib. Cerca de 750 pessoas foram evacuadas simultaneamente de Foua e Kefraya, na província de Idlib, no noroeste da Síria. As pessoas feridas foram levadas para centros de saúde, enquanto uma mescla de autoridades locais, instituições de caridade e comunidades acolhedoras cuidava das necessidades de dezenas de milhares de outros habitantes do leste de Aleppo. Desde março de 2022, o CICV ajudou a facilitar a passagem segura de milhares de civis de Sumy e Mariupol para outros lugares na Ucrânia. Nos dias 15 e 18 de março, o CICV e a Cruz Vermelha Ucraniana ajudaram a facilitar a passagem segura de milhares de civis para fora de Sumy. Mais de 600 civis chegaram a Zaporizhzhia provenientes de Mariupol e arredores no início de maio e em três operações de passagem segura coordenadas pelo CICV, as partes em conflito e a Organização das Nações Unidas (ONU).
As passagens seguras são usadas para prestar assistência?
As passagens seguras podem ser uma maneira, entre muitas outras – e não a opção preferida do CICV – de chegar até as pessoas necessitadas para prestar ajuda. No entanto, a complexidade do projeto e a implementação de passagens seguras podem não ser a opção mais prática.
As passagens seguras são arriscadas para quem participa?
Não obstante o acordo das partes, os corredores humanitários continuam sendo operações perigosas. Envolvem grandes riscos para as populações afetadas, o pessoal humanitário envolvido e os beligerantes em questão. Esses riscos devem ser controlados de forma a minimizar os danos potenciais para todas as partes interessadas. Nas últimas décadas, os corredores humanitários salvaram a vida de centenas de milhares de pessoas.
O CICV respeita as escolhas voluntárias da população civil quanto ao destino ao qual desejam ir no momento de estabelecer corredores humanitários?
É essencial que a vontade das pessoas seja respeitada; elas devem poder ir para onde consideram que estarão seguras em qualquer direção e/ou lado. Embora as evacuações temporárias possam ser necessárias e até legalmente exigidas, a população civil não pode ser obrigada a deixar uma área permanentemente. Suponhamos que a população civil seja deslocada (porque foge ou é evacuada de uma área sitiada). Nesse caso, todas as medidas possíveis devem ser tomadas para garantir que as pessoas em questão tenham abrigo adequado, tenham acesso a alimentos suficientes, instalações de higiene e assistência médica e sejam mantidas em segurança (incluindo proteção contra a violência sexual e de gênero) e que os membros da mesma família não sejam separados. O CICV nunca ajuda a organizar ou realizar evacuações forçadas. Isso se aplica a todos os lugares onde trabalhamos. Não apoiamos nenhuma operação contra a vontade das pessoas, os nossos princípios fundamentais ou o DIH.
As passagens seguras são consideradas ilegais se as pessoas forem forçadas a sair?
De acordo com o DIH, as partes em um conflito armado não podem deportar ou transferir à força a população civil, no todo ou em parte, a menos que a segurança das pessoas envolvidas ou razões militares imperiosas assim o exijam. Além dessas exceções restritas, a transferência e a evacuação de pessoas em risco devem ser voluntárias e realizadas com o seu consentimento. A transferência e a evacuação de pessoas em risco só devem ocorrer se estiverem preenchidas determinadas condições: o consentimento das pessoas em questão deve ser adquirido e voluntário, a unidade familiar deve ser preservada, todas as autorizações e garantias necessárias devem ser dadas pelas partes relevantes no que se refere, entre outras coisas, à propriedade, ao destino, a questões de segurança e retorno subsequente.
VÍDEO (inglês) - Como uma organização humanitária imparcial neutra, o CICV cruza a linha de frente para levar os feridos para um local seguro. Em 2013, transferimos feridos graves da cidade de Dammaj, no Iêmen.