Conflito na Síria: guerra de cercos e sofrimento em Madaya

01 fevereiro 2016

De Marianne Gasser, chefe da delegação do CICV na Síria (Este artigo foi publicado pela primeira vez no site da BBC News em 31 de janeiro de 2016)

Caía uma chuva fria enquanto os homens carregavam um pequeno embrulho na minha direção. Insistiam que eu o aceitasse.

Uma multidão se reuniu. A única luz provinha dos celulares que carregávamos; estavam sem luz há meses.

Os homens pararam e lentamente, com cuidado, desembrulharam o cobertor. Primeiro, eu não conseguia ver o que estava dentro. E de repente me dei conta que era um idoso.

Ele vestia um pulôver e uma calça de abrigo negra. As suas pequenas pernas balançavam no ar. A boca permanecia aberta. Os olhos não olhavam para ponto nenhum.

A vida dele estava por um fio. Os homens me olharam com expectativa. Mas não havia nada que podíamos fazer.

Sofrimento gigantesco

Algumas horas antes, havíamos entrado na cidade de Madaya. A uma hora de carro da capital Damasco, a cidade estava sitiada há meses.

Foram feitas negociações intermináveis para obter o acesso a esta e outras cidades sitiadas. Agora, a organização a que pertenço, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), junto com o Crescente Vermelho Árabe Sírio e a ONU, obtivemos autorização para levar a ajuda tão necessária.

Madaya, porém, é um de dezenas, se não centenas, de lugares na Síria onde a assistência humanitária é necessária com urgência. O sofrimento existe em níveis gigantescos.

A guerra vem sendo travada há quase cinco anos. Duzentos e cinquenta mil pessoas estão mortas, treze milhões precisam de assistência. Quase meio milhão vive em áreas sitiadas.

O que é necessário é um esforço genuíno e sustentado para aliviar o sofrimento. Não é o que está acontecendo na atualidade.

Veja, por exemplo a operação de ajuda em Madaya. Levou literalmente meses para ser negociada.

Desde o início, a assistência em Madaya, no Sul, estava vinculada à entrega de ajuda em duas outras cidades no norte do país, Foua e Kefraya.

Enquanto que Madaya está sitiada por forças do governo sírio, Foua e Kefraya – que sofrem tanto quanto Madaya – estão cercadas por grupos de oposição.

Uma cidade não podia receber socorro sem que as outras também o recebessem – e exatamente ao mesmo tempo. Este sistema foi seguido de maneira tão estrita que, quando um caminhão atolou na neve no norte, os caminhões que iam para o sul não se moveram até que ele fosse liberado.

Nenhum alimento podia ser distribuído em uma cidade até que fosse mostrado – com fotos no WhatsApp – que a mesma comida era entregue ao outro lado.

Ajuda sincronizada. Essa não é, de forma alguma, a maneira de realizar operações humanitárias.

Rostos sem expressão

De volta à Madaya, me levaram ao que era chamado eufemisticamente de "centro de saúde". Era, na verdade, uma sala no porão de uma casa.

Conduzida em meio à penumbra, me deparei com a visão de corpos imóveis em cobertores azuis no chão: idosos, debilitados pela fome e doenças.

Havia várias crianças, seus rostos sem expressão. Observei marcas de agulha nos braços onde elas receberam soro para tentar mantê-las vivas com alguma sustância.

O médico, em um jaleco branco, me levou para o único leito existente. Tinha duas ocupantes.

Uma era uma jovem prestes a parir, mas ela ganhava e perdia consciência durante os últimos quatro dias.

A segunda era uma menina de oito anos que não podia falar nem se mover. Estava muito fraca.

Silêncio. Então, ao meu lado, o médico começou a chorar.

As negociações de paz vão e vêm. E as mortes ainda continuam.

Salvar vidas

Todos os lados vêm usando o que somente se pode chamar de "guerra de cercos", como se tivesse saído da Idade Média, onde um lado tenta submeter o outro pela fome.

Como sempre, são os cidadãos comuns que sofrem.

Então, como trabalhadores humanitários, que devemos fazer?

Sim, podemos falar sobre como todos os lados devem respeitar o "Direito Internacional Humanitário (DIH) – ou seja, respeitar civis, não atacar hospitais, respeitar a dignidade dos detidos.

Sim, podemos falar sobre a necessidade de se obter "acesso"; permitir que os trabalhadores humanitários ajudem os famintos, os doentes e os feridos.

Mas o que isso significa na prática?

Deixar que os trabalhadores humanitários façam o seu trabalho.

Se uma menina de oito anos precisar, dar-lhe comida. Se um homem de 70 anos precisar, oferecer-lhe atendimento médico. Não colocar vidas em risco porque um caminhão ficou atolado na lama ou uma cesta alimentar não é exatamente igual a outra.

Acelerar as negociações sempre que possível; isso pode salvar vidas.

E deixar que regressemos, quantas vezes forem necessárias, de modo que possamos continuar a prestar assistência.

Ser alguém humano. Manter a sua humanidade. Mesmo com as maiores pressões da guerra.

Em Madaya, houve outro momento que me comoveu.

Uma mulher veio até onde eu estava e, apesar de tudo, e sabendo que o seu sofrimento estava longe de terminar, ela sorria.

Pensei que ela estava contente porque havíamos levado ajuda. Eu estava errada.

Ela se inclinou e sussurrou no meu ouvido: "Você sabe o que vocês fizeram, vocês que vieram de fora? Ao falarem conosco, lembrarem-se de nós, nos devolveram algo mais: a nossa dignidade. Muito obrigada".