Encontro virtual debate respostas humanitárias aos desafios das pessoas deslocadas
O evento virtual 'Pessoas deslocadas: O impacto da violência em cidades' foi realizado este 11 de março com o objetivo de fomentar o debate e a reflexão sobre o tema. A pesquisa "Pessoas deslocadas em cidades: Experimentar e responder ao deslocamento interno urbano fora dos campos" foi apresentada como uma oportunidade de compreender como os resultados desse trabalho em outros contextos podem ser considerados nas respostas à problemática no Ceará.
O encontro virtual foi realizado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em parceria com a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS) e o Comitê Estadual de Proteção à Pessoa (COEPP). A apresentação foi seguida por uma roda de conversa com a Defensora da Rede Acolhe, Lara Teles Fernandes Falcão, e o pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ítalo Lima.
O deslocamento de pessoas pode acontecer quando as cidades são impactadas por conflitos armados ou outras situações de violência, ou porque a população das áreas rurais busca segurança nas cidades, por exemplo. O relatório analisa as experiências das pessoas deslocadas em quatro cidades onde o CICV atua: Mossul, no Iraque; Baidoa, na Somália; Maiduguri, na Nigéria; e San Pedro Sula, em Honduras.
"Os locais foram selecionados para refletir diversos contextos de deslocamento urbano: isto é, cidades onde há conflitos armados, cidades como locais de refúgio de conflitos armados que ocorrem em outros lugares e cidades afetadas por violência generalizada. Diferentes padrões de deslocamento urbano também foram considerados. Desta forma, buscou-se distinguir semelhanças e diferenças tanto na experiência das pessoas quanto na resposta humanitária ao deslocamento", explica a assessora Global do CICV sobre o tema dos deslocados, Mathilde De Riedmatten.
Compreensão sobre deslocamento
"Quando a gente fala de pessoas deslocadas, ainda não há uma compreensão exata de quem seriam essas pessoas. Geralmente quando se fala de deslocados, se imaginam pessoas que vivem em países distantes. Ainda é difícil a compreenssão dessa realidade em Fortaleza, por exemplo. Porém a gente percebe, pela pesquisa, que a problemática que acontece aqui não está distante do que acontece nos países estudados. Temos padrões de violência semelhante, com atenuações locais", pontuou a defensora pública, Lara Teles, durante a roda de conversa.
A chefe do escritório do CICV em Fortaleza, Valentina Torricelli, conta que o tema de pessoas deslocadas faz parte do trabalho do CICV na cidade desde o início das atividades no Ceará, no final de 2018. "Começamos a observar as diferentes consequências humanitárias da violência armada na vida das pessoas que moram nas comunidades. Um dos temas centrais tem sido o tema de pessoas deslocadas". Para ela, "é muito importante fazer essa apresentação da pesquisa que já apresenta a vivência de pessoas deslocadas em cidades para poder ter pontos de reflexão sobre as necessidades que as pessoas deslocadas tem em Fortaleza".
Por sua vez, secretária Executiva de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da SPS, Lia Ferreira Gomes, também apontou a importância do estudo: "O que estamos fazendo até o momento não esta sendo tão eficaz e o problema só esta aumentando. Acho importante que a gente aprofunde essa pesquisa no Ceará, buscando encontrar caminhos".
"O padrão da violência que essas pessoas sofrem com o deslocamento em Fortaleza é semelhante ao de outros países. Se o padrão é semelhante, por que não aplicar o mesmo padrão de solução?", propôs a defensora Lara Teles.
Para o pesquisador Italo Lima, o fenômeno atinge pessoas que já estavam em situação de intensa vulnerabilidade social. "Esse relatório é muito pertinente para que possamos enfrentar a estigmação que essas pessoas sofrem, em que são vistas como vítimas mas também como perigosas. É importante reconhecer que essas pessoas vivem uma privação de direitos." O pesquisador considera que é preciso uma resposta prioritária e multilateral. "A missão do CICV em Fortaleza é muito importante para o Estado do Ceará para resgatar a dignidade dessas pessoas", afirmou.
A discussão sobre o tema continua. Uma nova atividade virtual será realizada na primeira quinzena de junho, com um debate sobre a problemática das pessoas deslocadas pela violência no Ceará.
Saiba mais sobre o relatório
Durante a apresentação da pesquisa, Mathilde De Riedmatten contou que as pessoas entrevistadas afirmavam terem perdido suas dignidade e seu lugar no mundo devido ao deslocamento. "Se eles se beneficiaram de uma resposta humanitária, na maioria dos casos, ela se concentrou simplesmente em sua sobrevivência e não em ajudá-los a recuperar o senso de dignidade e autonomia por meio de segurança de renda ou moradia".
Entre as recomendações do relatório, a assessora Global do CICV sobre o tema dos deslocados, destaca quatro:
- As pessoas precisam estar no centro do planejamento e da resposta humanitária. É muito importante não observar as pessoas apenas como grupo, mas também como seres particulares.
- É preciso ajudar as pessoas a preservarem seu senso de dignidade e enfatizar sua capacidade de resiliência. A resposta humanitária deve ir além da simples sobrevivência física, apoiando as pessoas deslocadas a recuperarem sua autonomia, antes que se tornem completamente destituídas e até que possam recuperar o controle de suas vidas.
- É preciso trabalhar em diferentes escalas, compreendendo as necessidades e vulnerabilidades específicas das pessoas deslocadas nas cidades e o impacto que seus deslocamentos tiveram sobre as comunidades. Além disso, entender melhor as experiências diárias de deslocamento das pessoas de acordo com seu gênero, idade, habilidade e origem, e como sua situação muda com o tempo. É preciso um melhor equilibrio entre a resposa generalizada e a resposta dada a cada pessoa.
- É preciso trabalhar em conjunto, desenvolvendo parcerias e fortalecendo a complementaridade. Um resposta adequada não pode ser somente humanitária. A interação efetiva de autoridades nos níveis nacional e municipal, sociedade civil, prestadores de serviços, pessoas afetadas e organizações humanitárias e de desenvolvimento é essencial.