Testemunhamos um custo humano devastador e sem sentido com a guerra indiscriminada e as violações do Direito Internacional Humanitário (DIH) nos conflitos do Oriente Médio. Mesma história, diferentes atores.
As minhas visitas recentes à região confirmaram os níveis profundos de sofrimento causados pelos ataques desproporcionados e direcionados contra a população civil e os serviços civis como ambulâncias, estações de tratamento de água e mercados. Batalhas de represália foram travadas sem importar o impacto nos civis. E as sementes da radicalização e da vingança são plantadas para o futuro.
A guerra urbana é uma tendência inegável. Os nossos dados mostram que, em quatro províncias do Iraque e da Síria, as ofensivas urbanas causaram, no ano passado, oito vezes mais mortes civis relacionadas ao conflito do que em outras áreas.
Estamos vendo uma politização do espaço humanitário que ameaça a ação humanitária neutra, imparcial e independente. As dinâmicas políticas parecem levar cada vez menos a soluções políticas, incluindo na Síria, nos fazendo temer pela estabilidade da região. Onde há passos encorajadores em direção à estabilidade, começamos a ver a complexidade dos problemas subjacentes que deverão ser superados.
Quando perguntamos às pessoas nas zonas de conflito para que definam os seus principais desafios, a segurança econômica foi colocada consistentemente entre as maiores preocupações, junto com as tensões comunitárias, violência sexual e deslocamento. Construir resiliência através dos meios de subsistência será um fator preponderante para a recuperação.
À medida que o conflito da Síria se transforma em uma situação prolongada, com menos linhas de frente, ou menos visíveis, esperamos que algumas pessoas terão a chance de começar a reconstruir as suas vidas. A nossa ação humanitária será apoiá-los, em ambos os lados das linhas de frente atuais ou anteriores. Será buscado um impacto humanitário sustentável, baseando-se no engenho das pessoas e fortalecendo a sua capacidade de superar as adversidades.
Enquanto a comunidade internacional terá de responder difíceis perguntas sobre a reconstrução a longo prazo da Síria e as condições políticas, os profissionais humanitários deverão responder às necessidades das populações e à vontade delas de viver com dignidade. Eles não podem esperar por um consenso político. Trabalharemos para apoiar as pessoas a reconstruírem as suas casas e infraestrutura básica; a encontrar trabalho e oportunidades econômicas; a buscar familiares desaparecidos e a lembrar as autoridades das suas obrigações com os seus cidadãos.
Em particular, teremos de lidar com as consequências humanitárias de alguns dos impactos devastadores da guerra urbana na Síria – assim como em Mossul, em Saada ou em Gaza. A nossa ação não será motivada por considerações políticas, mas baseada em uma avaliação independente e imparcial das necessidades humanitárias dos indivíduos e comunidades.
Deve-se destacar que a ação humanitária para as pessoas na Síria não deve ficar refém das controvérsias sobre o regresso. A situação legal é clara: as pessoas que foram obrigadas a se deslocar têm o direito de retornar com segurança e dignidade. Elas também têm o direito de não voltarem às situações em que os seus direitos estão em risco. A ação humanitária pode contribuir para ajudar os deslocados internos e refugiados a recuperarem as suas vidas, assim como busca apoiar as pessoas que ficaram – sem, contudo, ser usada como um falso estímulo para as pessoas retornarem.
Não podemos esquecer que as condições para os deslocados e os refugiados retornarem não depende somente do conserto de redes de abastecimento de água, mas também de segurança e respeito pelos seus direitos. Proteger as pessoas quando elas voltarem é um desafio chave para o futuro. Garantir o espaço para a ação humanitária que focaliza na possibilidade de os civis superarem a interrupção das suas vidas também poderia ser uma base mínima de acordo entre os estados.
Prezados colegas, enquanto se fala de reabilitação, não podemos ignorar as necessidades "invisíveis" das pessoas. Elas são tão imensas e urgentes como as cicatrizes visíveis. A humanidade não é medida pelas toneladas de artigos de ajuda enviados e distribuídos, mas pela recuperação das pessoas necessitadas. As famílias que sofrem com os parentes desaparecidos, os que ficaram detidos, as crianças que nunca conheceram uma vida sem guerra.
As equipes do CICV relatam o impacto perturbador da guerra nas crianças da Síria: muitas experimentaram trauma psicológico, violência e crueldade, outras têm ferimentos ou passaram por amputações. Elas necessitarão de um cuidado contínuo para recuperar a sua saúde física e mental.
Os filhos e famílias dos combatentes estrangeiros, recentemente visitados pelas nossas equipes, tampouco podem ser esquecidos e merecem a nossa humanidade. As crianças precisam ter acesso à educação e apoio psicológico. Elas precisam ter um futuro. Continuaremos buscando acessar todos os detidos e estamos nos organizando para ajudar as autoridades a lidar com a quantidade enorme de casos de desaparecidos, que ainda continuará assombrando a região durante décadas.
Isso está no cerne do mandato que a comunidade internacional nos outorgou. Continuaremos interagindo com todas as partes em conflito para tentar estabelecer um diálogo construtivo sobre o respeito pelo DIH e a proteção da população civil.