Artigo

A população no Iraque não pode ser abandonada à própria sorte

Preparem-se. Este conflito não terminará tão cedo. - Por Dominik Stillhart, diretor de Operações do CICV, publicado em The Independent em 22 de fevereiro de 2015.

Em um mundo ocupado e complexo, inevitavelmente tentamos simplificar as coisas. Simplesmente não temos tempo para fazer diferente. Portanto, observamos, escutamos, condensamos e, então, consumimos. As nuances são descartadas; os detalhes, deixados de lado. Ficamos com uma versão resumida da verdade. Insatisfatória, mas, pelo menos, digerível.

... E para começar a resolver os problemas, devemos primeiro nos preocupar com as pessoas. Com todas as pessoas.

Consideremos o caso do Iraque. Acabo de retornar de uma visita de cinco dias. Para muitas pessoas, o conflito é muito simples: uma luta unidimensional entre o grupo Estado Islâmico e as forças da coalizão que se opõem a este. Mas vasculhe a superfície e existe uma miríade de questões e sofrimento em jogo.

Visitei um campo de deslocados internos na fronteira entre Bagdá e a província de Anbar. As pessoas não têm nada mais do que as roupas do corpo. Vivem em tendas. Não têm banheiros, estabelecimentos de saúde e praticamente nada de água. Certamente, não existem escolas para os seus filhos. E vivem sob um sol escaldante.

Dominik Stillhart visita um campo para pessoas deslocadas nos arredores de Bagdá.

Em uma dessas tendas, conheci uma família com um bebê recém-nascido. O bebê estava deitado no chão, chorando, pedido a sua mãe. Em uma tenda extremamente quente, o total desespero e o desalento da família eram quase avassaladores. E eles eram apenas uma das milhares de famílias que vivem em campos improvisados parecidos em ambos os lados da fronteira que divide Bagdá e a província de Anbar. Ninguém sabe ao certo quantas famílias estão ali.

Muitas das que vivem no lugar,foram deslocadas pela segunda ou terceira vez. Não podem voltar a Ramadi devido ao conflito em curso nessa cidade. Fugiram de Bagdá, onde haviam se instalado em primeiro lugar depois das ameaças de morte. Uma mulher me contou que o seu marido e dois filhos foram mortos na capital iraquiana. Não podiam se mudar para outro lugar porque poderiam ser atacados. Atacados por diferentes pessoas, por diferentes motivos e em diferentes momentos. Eles estão em uma terra de ninguém – em todos os sentidos.

No norte do país, próximo a Kirkuk e a poucos quilômetros dos confrontos, visitei três aldeias em uma região rica em petróleo e agricultura. Cada um dos edifícios em todas as três aldeias, salvo as mesquitas, foram aniquilados. Os aldeãos aos poucos retornavam, mas viviam em tendas próximas às suas casas destruídas, lentamente reconstruindo as suas vidas e os seus lares, tijolo por tijolo.

O objetivo de mencionar essas cenas do Iraque de hoje em dia é que estamos diante de uma colcha de retalhos de conflito e sofrimento. Lugares diferentes, motivos diferentes. O país sofreu décadas de guerra, intervenção estrangeira, confrontos internos e conflitos entre sunitas, xiitas e curdos. Camada sobre camada de insegurança e violência. Centenas de milhares de pessoas, de tantos conflitos, ainda estão desaparecidas.

Não haverá uma resolução rápida para esta situação. O fluxo e o refluxo do conflito no país continuam inabaláveis. Durante os últimos meses, houve uma drástica deterioração na situação humana no Iraque devido à intensificação dos confrontos. No início de 2014, havia 300 mil deslocados internos no país. Esse número hoje é de 2,7 milhões. Atualmente, a situação é cada vez pior. Preparem-se. Este conflito não terminará tão cedo.

Dada à situação, nós, o CICV, aumentamos o nosso apelo de fundos para lidar com essa situação que se degenera dramaticamente. O trabalho que os nossos colegas estão fazendo no terreno é simplesmente incrível. Somos uma das poucas organizações que puderam ter acesso a algumas das áreas mais difíceis. Sempre somos vistos como imparciais, neutros e independentes.

Desde o início de 2015, o CICV forneceu cestas alimentares e outros artigos essenciais para mais de meio milhão de pessoas no Iraque. Também se distribuiu material médico vital para 45 estabelecimentos de saúde em todo o país. Mais de 400 mil pessoas foram beneficiadas com os esforços do CICV para melhorar o fornecimento de água. Continuamos visitando os detidos. Os fundos extras, se arrecadados, permitirão que levemos ajuda a quase 900 mil pessoas.

Mas por que o Iraque é importante? Como a Síria – e agora também o Iêmen –, o Iraque é uma peça fundamental em uma confrontação maior entre potência regionais e globais que cada vez engolfa todo o Oriente Médio. Os atores locais tentam tirar vantagem da situação segundo os seus próprios interesses. Uma vez mais, é a população civil que paga o preço mais alto.

O Iraque não é, portanto, um conflito independente que pode ser deixado para que se cozinhe em fogo brando por anos e anos (embora, de muitas maneiras, é exatamente isso o que aconteceu). O que acontece no Iraque tem implicações locais, regionais e globais. A dor e o sofrimento da população desse país reverberam em toda a região e além. E isso importa a todos nós.

O Iraque pode ser o centro do problema. Mas, ao mesmo tempo, pode ser o centro da solução. Se as questões do Iraque puderem ser resolvidas ou, pelo menos, que se possa dar o pontapé inicial, aí estaremos no caminho certo.

E para começar a resolver os problemas, devemos primeiro nos preocupar com as pessoas. Com todas as pessoas.