Sudão do Sul: O telefonema que reconectou 2,5 mil pessoas separadas pela guerra

16 fevereiro 2018
Sudão do Sul: O telefonema que reconectou 2,5 mil pessoas separadas pela guerra
Cinco anos atrás, o conflito na fronteira do Sudão e do Sudão do Sul dividiu uma comunidade em dois. Com um telefonema, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) conseguiu unir centenas de famílias que haviam fugido da violência e perderam contato entre si. CC BY-NC-ND / CICV / Matthieu Desselas

Cinco anos atrás, o conflito na fronteira do Sudão e do Sudão do Sul dividiu uma comunidade em dois. Centenas de famílias foram separadas quando fugiam da violência e perderam completamente o contato entre si. Depois de um boca a boca, o CICV conseguiu reconectá-las e, com uma ligação, conseguiu compartilhar notícias com 2,5 mil pessoas sobre os seus entes queridos.

Em um mundo onde os telefones celulares e as redes sociais mantêm as pessoas constantemente conectadas no mundo todo, pode ser difícil entender como parentes próximos separados por um conflito não podem se encontrar durante anos, em alguns casos, décadas. No entanto, para uma comunidade rural atravessada pela fronteira entre o Sudão e o Sudão do Sul, é exatamente isso que aconteceu.

O clã Werni – uma parte da tribo Nuba – morou no Cordofão do Sul, extremo sul do Sudão, durante gerações. Vivia em povoados chefiados por dois xeiques que eram cunhados, Bashir Anil e Gibril Nadir. Mas em 2013, houve um intenso enfrentamento perto dos vilarejos deles e toda a comunidade Werni teve de fugir.

Um grupo de cerca de 500 pessoas se encontrava encurralado pelo fogo cruzado e foi obrigado a fugir para o sul com Bashir Anil. As pessoas atravessaram a fronteira para o país vizinho, Sudão do Sul, e viajaram durante semanas até se instalar na cidade de Kodok, no estado de Upper Nile.

Kodok foi um refúgio onde reconstruíram as suas vidas, mas perderam completamente o contato com o resto da comunidade - mais de 2 mil pessoas. Elas não tinham o número do telefone dos seus familiares e, mesmo que o tivessem, não havia rede de telefonia em Kodok. Sem forma de contatá-los, a comunidade sofria sem saber o paradeiro dos seus entes queridos.

Quatro anos depois, em abril de 2017, a guerra civil do Sudão do Sul chegou a Kodok. De repente, a cidade estava na linha de frente do combate entre as forças do governo e da oposição. As famílias fugiram com o resto da população em direção ao norte, para Aburoc, um pequeno campo de deslocados. Ao mesmo tempo, o escritório do CICV em Kodok também teve de ser evacuado e um novo foi montado em Aburoc. Foi então que Céline, membro da equipe do CICV, encontrou as famílias Nuba e se reuniram com o xeique Bashir Anil. Eles contaram a Céline a sua história e disseram que tinham ouvido falar que o resto da comunidade havia fugido para outro campo de deslocados no Sudão do Sul chamado Yida.

Este campo estava distante de Aburoc, portanto o CICV enviou outro membro da sua equipe instalado na região, Nassim, para buscar essa comunidade. Nassim buscou com afinco, mas rapidamente ficou claro que nenhuma das pessoas estava no campo de Yida. Porém, enquanto buscava, Nassim ouviu falar que havia uma comunidade Nuba a mais ou menos 12 quilômetros de um lugar chamado Ajuong Thok.

Nassim viajou durante algumas horas por estradas empoeiradas e encontrou as famílias. Foi apresentado ao xeique Gibril Nadir, cunhado do xeique Bashir Anil. O xeique ficou muito contente de receber notícias da outra metade da comunidade e disse "Não sabíamos onde estavam desde que nos separados no Sudão!"

Com essa boa notícia, Nassim e outro funcionário do CICV organizaram uma sessão para fazer uma ligação via satélite entre as duas comunidades. Havia tantas famílias pedindo notícias dos seus parentes que eles não podia falar por telefone. Então, as duas metades de comunidade nomearam líderes que seriam porta-vozes de diversos lares.

Quando a sessão começou, os líderes duvidavam um pouco que o CICV tivesse realmente encontrado a outra metade da sua comunidade e que as pessoas fossem realmente os seus familiares. Ainda assim, depois de algumas perguntas, eles estavam completamente convencidos de que as suas famílias estavam do outro lado da linha e a expressão nos seus rostos mudou de surpresa para alegria.

A ligação durou quase duas horas, já que as famílias ansiavam por notícias atrasadas das famílias. Desde então, o CICV organiza sessões mensais durante as quais todos os momentos de comunidade Nuba podem se comunicar com os seus entes queridos.

"A situação de segurança é boa agora", afirmou o xeique Bashir Anil em Aburoc. "Estamos dispostos a voltar para as Montanhas de Nuba. Chegou o momento."

Agora que estão reconectados, o xeique Bashir Anil pode coordenar a mudança com a outra metade da sua comunidade, de modo a não perderem contato e se reencontrarem quando voltarem para casa.