África: como reduzir impacto da contaminação por armas
19-07-2010 Entrevista
Igor Ramazzotti trabalha como conselheiro de contaminação por armas na delegação regional em Nairobi, Quênia. Seu trabalho multifacetado abrange várias regiões do continente africano e tem com o objetivo geral aliviar o sofrimento de todas as pessoas afetadas pelas guerras mesmo depois que as hostilidades ativas tenham cessado, como explica.
O que significa "contaminação por armas"?
Mesmo depois do término de um conflito, as minas e os resíduos explosivos de guerra como bombas, granadas e sub-bombas cluster não detonadas continuam matando e mutilando. É isso que significa contaminação por armas: pode incluir contaminação por granadas e projéteis não detonados, diferentes tipos de minas e pequenas armas e munições deixadas para trás depois de uma batalha.
Quais são as consequências para a população que mora nas áreas afetadas?
Inúmeras pessoas poderiam morrer ou se ferir em incidentes envolvendo resíduos explosivos de guerra e minas. A contaminação por armas também pode privar popul ações inteiras de água, lenha, terras para agricultura, assistência médica e educação. Pode impedir as ações de socorro, privando as pessoas do socorro humanitário e agravando problemas humanitários. E também pode causar o deslocamento de populações inteiras.
Quais são os países na África mais afetados e por quê?
Sobretudo os países que vivenciaram vários anos de guerra sofrem esse problema, como o Sudão, Chade, Angola ou a região de Casamaça no Senegal, por exemplo. No entanto, é muito difícil medir o grau de contaminação por armas. Pode-se medir a contaminação através do número de artefatos por metro quadrado, por exemplo, mas isso não serve de referência para o impacto da contaminação sobre a população local. O CICV considera o problema do ponto de vista humanitário: qual é o nível de gravidade do impacto da contaminação sobre as vidas das pessoas que moram na área afetada e o que pode ser feito com relação a isso.
Por exemplo, em alguns países africanos há grandes campos de minas terrestres situados em áreas onde ninguém vive ou vai, ou que estão claramente demarcados – portanto, o impacto humanitário é relativamente baixo. Por outro lado, se uma pequena área próxima a uma aldeia estiver contaminada, isso pode impossibilitar os moradores de trabalhar em seus campos ou de ter acesso a fontes de água. Nesse caso, o impacto humanitário é muito maior.
Como conselheiro sobre contaminação de armas para o CICV em Nairobi, qual é exatamente sua função?
Minha função é apoiar as delegações do CICV que estão baseadas em países africanos onde a contaminação por armas é um problema sério. Visito esses países e, primeiro, analiso a extensão da contaminação e o impacto humanitário sobre a população local. Por exemplo, algumas das perguntas que tenho qu e responder são: que percentual de pessoas perdeu membros em decorrência da explosão de minas; se os agricultores ainda têm acesso a seus campos e se as crianças correm o risco de encontrar artefatos não detonados perto de suas escolas.
O segundo passo é avaliar se e como as organizações ativas no terreno respondem aos problemas humanitários. Isso me ajuda a identificar possíveis necessidades não cobertas pelos atores presentes no país.
Também tento ter uma boa noção dos perigos e riscos que a equipe do CICV e dos parceiros da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho encontram, por exemplo, quando prestam assistência humanitária ou durante a construção de poços e fontes de água.
Dependendo das minhas conclusões em uma região específica, posso propor um programa do CICV para minimizar o impacto da contaminação por armas e ajudá-los a se recuperar. Isso pode variar de sessões educativas quanto ao risco das minas a programas ortopédicos. Além disso, organizo um curso de conscientização sobre os riscos das minas terrestres duas vezes por ano entre os funcionários do CICV, em cooperação com a Escola de Apoio à Paz Humanitária em Nairobi.
Como o CICV pode intervir para melhorar a situação?
O CICV está ativo no âmbito da ação contra as minas há muito tempo. Historicamente, em vários países africanos, a organização se concentrava na assistência direta às vítimas, como atividades cirúrgicas e ortopédicas e programas educativos sobre o risco das minas.
Ao longo dos anos, o CICV desenvolveu a capacidade de implementar um programa de ação contra as minas muito mais abrangente – do levantamento de informações sobre incidentes à limpeza de áreas contaminadas ou destruição de estoques, que de certa maneira é uma mudança na tradição de organização. Hoje o CICV lida diretamente com armas quando julga neces sário, enquanto antes concentrava suas ações em persuadir os governos pertinentes quanto a sua obrigação de intervir.
Por exemplo, podemos participar de atividades de Eliminação de Material Bélico Explosivo (EMBE), que consiste em neutralizar e destruir material bélico não detonado. Hoje, o Comitê tem suas próprias equipes de EMBE, formada por equipes de pelo menos três membros: dois especialistas de limpeza e um médico. Para um posicionamento rápido em situações de emergência, a organização pode posicionar equipes de limpeza em qualquer lugar no mundo em 72 horas.
No geral, não só as pessoas feridas precisam de assistência, mas a longo prazo também aquelas que perderam acesso a suas colheitas ou outra atividade de geração de renda localizada na área contaminada. O CICV pode decidir começar iniciativas microeconômicas ou prestar assistência direta em forma de alimentos, água ou utensílios domésticos às pessoas afetadas que não podem se manter por conta própria devido à contaminação por armas.
Outro aspecto das atividades de nossa unidade é levar apoio aos países que enfrentam dificuldades em cumprir com suas obrigações internacionais.
O que o Direito Internacional Humanitário fala sobre as minas, as munições cluster e os resíduos explosivos de guerra?
Juntos, o Direito Internacional Consuetudinário, o Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra de 1949, a Convenção de Proibição de Minas Antipessoal, a Emenda ao Protocolo II e ao Protocolo V da Convenção sobre Certas Armas Convencionais e a Convenção sobre Munições Cluster agora constituem uma estrutura legal internacional abrangente para evitar o sofrimento humano causado pelas minas, munições cluster e todas as outras munições explosivas usadas pelas forças armadas e grupos armados não estatais e como lidar com isso.
Os Estados signatários desses instrumentos estão proibidos de usar minas terrestres e munições cluster e têm obrigações que variam da limpeza de campos contaminados e destruição de estoques à assistência abrangente às vítimas.