Tribunal Penal Internacional

23-04-2004 Ficha técnica

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, as Nações Unidas cogitaram várias vezes a idéia de estabelecer um tribunal penal internacional permanente. Em 1993 e 1994 instituíram dois tribunais especiais para punir as graves violações do direito internacional humanitário ocorridas na ex- Iugoslávia e em Ruanda, respectivamente. Em 1994 iniciou uma série de negociações para estabelecer um tribunal penal internacional permanente que tivesse competência sobre os crimes mais graves para a comunidade internacional, independente do lugar em que foram cometidos.

Essas negociações culminaram com a aprovação, em julho de 1998, em Roma, do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) , o que demonstra a decisão da comunidade internacional de cuidar para que os autores desses graves crimes não fiquem sem castigo. O Estatuto entrou em vigor após a ratificação de 60 Estados.  

     

  Crimes de competência do Tribunal  

     

  •   Crimes de guerra  

     

De acordo com o artigo 8º do Estatuto, o TPI tem competência a respeito dos crimes de guerra , que inclui a maior parte das violações graves do direito internacional humanitário mencionadas nas Convenções de Genebra e em seus Protocolos Adicionais de 1977, cometidas tanto em conflitos armados internacionais como não internacionais.

No Estatuto foram definidas várias infrações como crimes de guerra, a exemplo:

  • dos a tos de agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, esterilização à força ou qualquer outra forma de violência sexual;

  • da utilização de crianças com menos de 15 anos para participar ativamente nas hostilidades.

No Estatuto não se mencionam explicitamente algumas violações graves do direito internacional humanitário, tais como a demora injustificável na repatriação de prisioneiro de guerra e os ataques indiscriminados contra a população civil ou seus bens, que estão definidas como infrações graves às Convenções de Genebra de 1949 ou ao seu Protocolo Adicional I de 1977.

Poucas disposições referem-se a armas cujo uso está proibido em virtude de tratados vigentes e, a esse respeito, nada está previsto para os conflitos armados não internacionais.

  •   Genocídio  

     

O TPI tem competência para julgar o crime de genocídio , nos termos do artigo 6º do Estatuto, que reitera o disposto na Convenção de 1948 para a Prevenção e a Repressão do Crime do Genocídio.

Este crime é definido no Estatuto qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial   ou religioso, enquanto tal:

  • Homicídio de membros do grupo;

  • Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;

  • Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;

  • Imposição de medidas destinadas a i mpedir nascimentos no seio do grupo;

  • Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

  •   Crimes contra a humanidade  

O TPI também pode exercer sua competência sobre os crimes contra a humanidade . De acordo com o artigo 7º do Estatuto, esses crimes compreendem qualquer dos seguintes atos, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

  • Homicídio;

  • Extermínio;

  • Escravidão;

  • Deportação ou transferência forçada de uma população;

  • Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;

  • Tortura;

  • Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;

  • Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;

  • Desaparecimento forçado de pessoas;

  • Crime de apartheid;  

  • Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

  •   Agressão  

Como foi indicado no parágrafo 2º do artigo 5º do Estatuto, o TPI poderá exercer sua competência sobre o crime de agressão quando for aprovada disposição que defina esse crime e enuncie as condições para o exercício dessa competência.

  Quando poderá o TPI exercer sua competência?  

     

Quando um Estado passa a ser Parte no Estatuto, ele aceita a competência do TPI sobre os crimes mencionados acima. De conformidade com o artigo 25 do Estatuto, o Tribunal exercerá sua competência sobre indivíduos, e não sobre Estados.

O TPI pode exercer sua competência por provocação do Procurador ou de um Estado Parte, desde que um dos seguintes Estados esteja obrigado pelo Estatuto:

  • O Estado em cujo território tenha tido lugar a conduta em causa, ou, se o crime tiver sido cometido a bordo de um navio ou de uma aeronave, o Estado de matrícula do navio ou aeronave;

  • Estado de que seja nacional a pessoa a quem é imputado um crime.

Um Estado que não seja Parte no Estatuto pode fazer uma declaração aceitando a competência do Tribunal.

Conforme o sistema de segurança coletiva descrito no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança pode submeter casos ao Procurador com propósito de iníc io de inquérito; igualmente pode solicitar que não se inicie ou não prossiga inquérito ou procedimento penal durante um período renovável de doze meses.

O artigo 124 do Estatuto de Roma limita a possibilidade de exercício da competência do TPI sobre os crimes de guerra. De acordo com essa disposição, um Estado pode declarar que, durante um período de sete anos, não aceitará a competência do Tribunal para os crimes de guerra presumivelmente cometidos por seus nacionais o em seu território.

  Os sistemas nacionais de repressão e o TPI  

De acordo com as Convenções de Genebra de 1949 e o Protocolo Adicional I de 1977, os Estados devem submeter perante os tribunais internos os acusados de terem cometido crimes de guerra ou extraditá-los para serem julgados em outro país. Nada no Estatuto exime os Estados de suas obrigações em razão de instrumentos ou normas consuetudinárias de direito internacional humanitário.

Segundo o princípio da complementaridade, a jurisdição do TPI deve ser exercida somente quando um Estado não possa realmente ou não deseje julgar os supostos criminosos de guerra que estejam sob sua jurisdição. Para serem beneficiados com esse princípio, entretanto, os Estados necessitam de uma legislação adequada que lhes permitam julgar esses criminosos.

Além disso, os Estados partes em tratados de direito internacional humanitário devem promulgar normas de implementação destes, a fim de dar eficácia às obrigações assumidas ao ratificar tais instrumentos.

  Do que se necessita para assegurar a eficácia do TPI?  

  • Os Estados deveriam ratificar o Estatuto do TPI o quanto antes, já que a ratificação universal é essencial para que o Tribunal possa exercer sua competência eficazmente e sempre que necessário;

  • Os Estados deveriam abster-se de lançar mão da cláusula de exceção (artigo 124 do Estatuto);

  • Os Estados deveriam examinar a fundo sua legislação nacional para certificar-se que poderão se beneficiar do princípio da complementaridade, sobre o qual está fundado o TPI, e julgar os indivíduos por infrações de competência do Tribunal de acordo com seus próprios sistemas legais;

  • Os Estados deveriam colaborar entre si e com o TPI no que toca aos julgamentos dos crimes de competência do Tribunal. Com esse fim, terão que promulgar leis adequadas ou modificar suas legislações, possibilitando, inclusive, a entrega de pessoas acusadas por tais crimes.

  Rumo a um sistema integral de repressão  

Os tribunais nacionais seguirão desempenhando um papel importante e primordial no julgamento dos supostos crimes de guerra. Ademais, o estabelecimento do TPI não obsta de modo algum o trabalho empreendido pelos tribunais especiais já mencionados (para ex- Iugoslávia e Ruanda), que foram instituídos para reprimir crimes relacionados com situações específicas (o primeiro, para os crimes cometidos na ex- Iugoslávia a partir de 1991 e, o segundo, para os cometidos em Ruanda ou por cidadãos ruandeses em países vizinhos em 1994).

O estabelecimento do Tribunal Penal Internacional é um novo passo rumo à repressão efetiva de pessoas responsáveis pelos crimes mais graves do mundo. Insta-se aos Estados a ratificarem o Estatuto do Tribunal para que elas deixem de gozar a impunidade .



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