Comunicado de imprensa

Brasil: IMLs de todo o país unem esforços no enfrentamento ao desaparecimento de pessoas

Foto Oficial
R. Reginato/CICV

Evento nacional de IMLs propõe fortalecer protocolos de identificação e aprimorar atendimento a familiares de pessoas desaparecidas.

Curitiba (PR) – Quando alguém desaparece, não é só uma pessoa que some: ficam para trás famílias mergulhadas na angústia da espera, enfrentando dias e noites de incerteza, sem respostas, nem despedidas. A busca por um ente querido desaparecido é, ao mesmo tempo, uma luta por memória e dignidade. Para enfrentar essa realidade e fortalecer a atuação pericial, o IV Encontro Nacional de Institutos Médico-legais (ENIMLs) reúne, de 25 a 28 de agosto, profissionais de todo o país durante o InterForensics 2025, em Curitiba, o maior evento de Ciências Forenses da América Latina e um dos maiores do mundo. 

A ideia de reunir representantes de todos os estados surgiu da necessidade de estabelecer mecanismos de coordenação e cooperação institucional entre os órgãos forenses para acelerar os processos de identificação de pessoas desaparecidas. “Uma pessoa falecida não identificada pode ser uma pessoa desaparecida para alguém. Se o IML não faz a gestão adequada desse corpo, a família pode estar procurando o tempo todo e nunca achar, porque essas informações não estão disponíveis facilmente. Então, essa interação entre IMLs e delegacia de desaparecidos, por mais que seja óbvia, não existe tão facilmente”, explica Frederico Mamede, especialista forense da Delegação Regional do CICV para o Brasil e o Cone Sul.

Frederico Mamede

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, em 2024 o número de pessoas desaparecidas no Brasil aumentou 4,9%, com 81.873 casos registrados pelas Polícias Civis. Depois de uma queda nos anos de 2020 e 2021, durante a pandemia de Covid-19, os registros voltaram a crescer e, no ano passado, chegaram ao maior número desde 2018. Em média, foram quatro notificações de desaparecimento por hora feitas à polícia.

Desde sua primeira edição, o encontro vem ampliando seu escopo e aprofundando suas discussões. O que começou como uma iniciativa para promover o diálogo entre os estados evoluiu para um espaço de debates mais técnicos e estruturantes. 

Um dos avanços é a construção, em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), de um guia nacional de identificação humana. A proposta é estimular os IMLs de cada estado, respeitando suas realidades e limitações, a avançarem na padronização dos procedimentos de identificação, favorecendo a troca de informações e a cooperação entre as instituições envolvidas. 

O chefe da Delegação Regional do CICV para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, Nicolas Olivier, destacou a evolução que ocorreu ao longo dos anos na forma como as autoridades brasileiras, especialmente as forenses, têm se apropriado da temática das pessoas desaparecidas. Segundo ele, é visível o avanço no entendimento do papel dessas instituições na prevenção dos desaparecimentos, na resposta aos casos e na atenção aos familiares. 

“Essa evolução vai além da sensibilização. Muitos esforços e ações foram desenvolvidas pelos estados para melhorarem suas gestões sobre pessoas falecidas e coordenação interinstitucional. Isso tem trazido desafios interessantes para o CICV, pois cada vez mais temos sido demandados bilateralmente a colaborar com valorosos projetos e iniciativas para a temática de pessoas desaparecidas em um contexto atual de grandes dificuldades no mundo humanitário”, afirmou.

Nicolas Olivier

Participaram do encontro, a presidente do Conselho dos Dirigentes de Polícia Científica, Andressa Boer Fronza, e o Perito Geral da Polícia Científica do Paraná, Luiz Rodrigo Grochoki, entre outros representantes de instituições do país. “Esse é um espaço de discussão e aprimoramento de todas as nossas áreas relacionadas à medicina legal e no trabalho das nossas polícias científicas. Esse encontro ainda acontece no âmbito do Congresso Interforenses, essa conferência tão importante que visa fortalecer as ciências forenses no nosso país”, afirmou Andressa Fronza. 

O CICV foi homenageado durante o encontro por todo o trabalho e apoio que a organização tem realizado para fortalecer o serviço de medicina legal do país. Para Grochoki, o trabalho da organização tem sido fundamental para a polícia científica. “O CICV contribuiu de forma significativa para (a realização) desse evento que já está no calendário da Polícia Científica do Brasil. Essa homenagem é o símbolo da nossa gratidão”, disse.

Os participantes do IV ENIMLs visitaram o Museu Paranaense de Ciências Forenses, que integra a rota de turismo científico do estado. Fundado em 1910, o museu é reconhecido por suas exposições interativas, que simulam o trabalho dos peritos forenses, pela preservação de documentos e arquivos históricos, além de reunir equipamentos utilizados na elaboração de laudos e materiais coletados ao longo de diversas perícias.

Oficina

Além das discussões técnicas, o encontro deste ano contou com uma oficina dedicada ao acolhimento de familiares de pessoas desaparecidas em momentos específicos da busca. A proposta é sensibilizar os profissionais sobre as necessidades dessas famílias e oferecer orientações para que o atendimento seja feito de forma mais acolhedora e adequada, especialmente nos momentos mais delicados desse processo. 

A iniciativa é coordenada pelo programa de Saúde Mental e Apoio Psicossocial (SMAPS) do CICV, liderado por Renata Reali. Este trabalho surgiu a partir de demandas do Instituto Médico Legal de São Paulo e de estudos realizados com os próprios familiares de pessoas desaparecidas. Pela primeira vez, a oficina será realizada como uma formação de caráter nacional, ampliando seu alcance e fortalecendo a capacidade de acolhimento dos profissionais que atuam diretamente nesses casos.

Reali relata que os familiares de pessoas desaparecidas, ao buscarem respostas em delegacias e IMLs, frequentemente não se sentem acolhidos, o que intensifica sua angústia. "Essa população tem uma necessidade um pouco diferente. Claro que ninguém quer ir ao IML, não é um lugar acolhedor por si só. Muitos familiares vão ao IML sabendo o desfecho final de seu ente querido e, por mais sofrimento que a morte possa causar, eles têm uma resposta definida”, afirma Reali. “A situação do familiar de pessoa desaparecida é diferente. Eles chegam à unidade forense com medo da resposta que poderão receber sobre a sorte e o paradeiro de seu ente querido", explica.

Apesar dos desafios persistentes, como as desigualdades estruturais entre os estados, os organizadores do encontro reconhecem avanços significativos desde a primeira edição. Para Frederico Mamede do CICV, há hoje uma participação mais ativa dos órgãos forenses. “As discrepâncias estruturais são muito grandes, mas hoje temos certeza de que os estados estão muito mais sensibilizados, participativos e proativos”, afirma.

Já Reali destaca o interesse crescente na oficina de acolhimento como um sinal positivo: “Vejo com bons olhos quando alguns estados pedem para o CICV replicar a oficina. Isso mostra que estão abertos a falar sobre o tema e a reconhecer que é algo que pode ser aprimorado, uma vontade de oferecer um serviço melhor”. 

A InterForensics segue até o dia 28 de agosto, reunindo mais de 2 mil profissionais da perícia oficial de natureza criminal, pesquisa científica, setor jurídico e indústria. Ao longo dos quatro dias de evento, os participantes têm acesso a oficinas, minicursos e um amplo espaço para troca de conhecimentos. O primeiro dia foi reservado exclusivamente para minicursos, enquanto os demais contam com conferências temáticas que abordam 17 áreas centrais das Ciências Forenses.

A edição 2025 é realizada no Via Soft Experience e é organizada pela Fundação Justiça pela Ciência, Escola Nacional de Perícias, Academia Brasileira de Ciências Forenses (ABCF) e Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF).