Comunicado de imprensa

Brasil: CICV apoia redes de proteção para garantir o direito à vida a quem está sob ameaça

III Encontro de Programas de Proteção Provisória - CICV
C. Alves/SJDH

Para quem vive sob ameaça de morte, cada momento e cada decisão podem ser determinantes para a sobrevivência. É com esse sentimento que milhares de pessoas afetadas pela violência procuram os programas de proteção em busca de apoio. “Cada minuto pode ser decisivo”, explica Leonardo Rezende, coordenador técnico do Programa de Proteção Provisória do Ceará (PPPRO/CE).

Acostumado a agir com urgência diante dos casos que chegam de diferentes municípios do estado, Rezende sabe que cada decisão é determinante quando se trata de segurança. No Brasil, ao menos 28,5 milhões de pessoas vivem em áreas sob influência do crime organizado, segundo pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira (16), encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Com o propósito de fortalecer as redes de proteção – e salvar vidas - representantes de Programas de Proteção Provisória se reúnem, pela terceira vez, nos dias 23 e 24 de outubro, em Salvador (BA).

A iniciativa, co-organizada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em parceria com o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) e com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia (SJDH/BA).

O encontro reúne profissionais de diferentes estados e municípios, incluindo tomadores de decisão e integrantes das equipes técnicas dos programas de proteção, membros de organizações da sociedade civil, representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, além de secretarias estaduais e municipais às quais os programas estão vinculados.

O ponto central do evento é estimular a troca de experiências entre os Programas de Proteção Provisória, apresentar iniciativas que já funcionam em alguns estados e discutir caminhos para consolidar essas ações pelo país, incluindo a construção de um marco regulatório que garanta sua institucionalização.

A programação também incluiu discussões sobre a construção de um sistema que integre os diversos programas já existentes e identifique as lacunas que precisam ser preenchidas para proteger a população em risco.

A secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Élida Lauris, afirmou que o Brasil começou a instituir políticas apenas na metade de sua experiência democrática. “Tentamos resolver um problema que é de difícil solução no Brasil, e a atuação do CICV é muita bem-vinda. Nos ajuda a pensar como estamos lidando com os nossos jovens programas e como temos dado conta das questões emergenciais na área de segurança pública”, pontuou.

O CICV entende que esse encontro pode contribuir para o aprimoramento da proteção no Brasil, com ênfase na proteção provisória ou emergencial. Para o chefe da Delegação Regional do CICV para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, Nicolas Olivier, os Programas de Proteção Provisória, que tem sido criados em alguns estados e cidades, especialmente da região Nordeste, são iniciativas que merecem atenção e reflexão. “A cooperação entre governos estaduais e federal, sociedade civil e as próprias comunidades é essencial para criar respostas eficazes às necessidades das pessoas afetadas pela violência armada”, afirmou Olivier na abertura do encontro.

A seu ver, os Programas de Proteção são uma resposta importante, mas “é preciso aperfeiçoá-los constantemente”. Na sua avaliação, “as políticas de proteção devem ser adaptáveis e flexíveis às mudanças nas dinâmicas da violência armada e suas consequências sobre a população”.

O Ceará é reconhecido como o estado que abriga um dos mais avançados programas de proteção. “A violência está em nossa porta. Não podemos fechar os olhos e deixar de ser ativos”, afirmou a secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Ceará (SEDIH/CE), Socorro França, em referência ao programa criado em 2019. “Vale a pena fortalecer os programas de proteção”, acrescentou. De acordo com a secretária, em Fortaleza, de 2021 a 2025, foram acolhidas 1.053 pessoas, com um total de 4.852 atendimentos.

O secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia (SJDH/BA), Felipe Freitas, defendeu o reforço dos programas de proteção e o compromisso dos governos com essa política. “Proteger pessoas é um gesto político, proteger quem está ameaçado é sempre um gesto de subversão. Desprogramar finais trágicos é aquilo que nos move e mobiliza”, ressaltou.

No primeiro dia do evento, os participantes acompanharam os debates sobre “Realidade e desafios para a proteção de pessoas no contexto brasileiro” e “Experiência de proteção provisória na região Nordeste” e “Marcos normativos e sistemas de proteção a pessoas afetadas pela violência armada – passos necessários”.

No segundo dia, o encontro foi direcionado para profissionais e gestores dos programas de proteção e teve início com a mesa redonda “Programas de proteção provisória – troca de experiência e desafios estratégicos. Em seguida, participaram da mesa “Contexto da Proteção no estado da Bahia” e do grupo de trabalho “Recomendações técnicas para um sistema de proteção de pessoas”.

Mais proteção

Com o tempo, as instituições entenderam a necessidade de adotar medidas mais ágeis. Isso porque os programas federais exigem tempo para avaliar cada caso e decidir sobre a inclusão, ou não, da pessoa em risco. Nesse intervalo, muitas vidas ficam vulneráveis.

A diretora do GAJOP, Deila Martins, organização pioneira nessa área e que executa o Programa de Proteção Provisória do Ceará, já se deparou com casos que mostram que esse tipo de violência pode afetar, inclusive, crianças. “Uma vez recebemos uma criança de 8 anos ameaçada pelo tráfico de drogas local, que participava ativamente desse contexto, em uma situação de trabalho infantil dentro do tráfico. Foi a pessoa mais jovem que atendi nessa condição tão grande de vulnerabilidade”, conta.

Para atender casos como esse de maneira emergencial e preencher as lacunas existentes, surgiram os Programas de Proteção Provisória ou imediata. A iniciativa garante segurança temporária enquanto os casos passam por avaliação e abrangem pessoas que não são incluídas nos programas de proteção federal.

O Oficial de Proteção do CICV, Cláudio Silva, reforça o caráter vital dessas iniciativas: “Os programas precisam estar integrados às redes de serviços públicos para que além do atendimento emergencial, as famílias afetadas pela violência armada possam reconstruir suas vidas com dignidade, de forma sustentável em local seguro”, afirma Silva.

Avanços e desafios

Desde a primeira edição do evento, em 2023, em Recife (PE), houve evolução na construção metodológica e conceitual dos programas provisórios. No entanto, não existem normas nacionais específicas ou protocolos unificados para orientar o funcionamento dessas equipes e sua integração com outros serviços, como saúde e assistência social.

Cláudio Silva afirma que esses programas “são mecanismos essenciais para preservar vidas” em um contexto marcado pela violência armada no Brasil. 

Ao reunir autoridades, profissionais e organizações da sociedade civil, a iniciativa busca consolidar práticas, criar fluxos de cooperação e ampliar a proteção de pessoas em risco. 

Como destacou Cláudio Silva, “é importante desde já reconhecer que esses programas são mecanismos muito importantes e que salvam vidas. Precisamos entender esses programas não de forma isolada, mas articulados entre si e com outros serviços que também atendem pessoas afetadas pela violência”.

Também participaram do encontro  diretora de Promoção de Direitos da Secretaria de Acesso à Justiça (SAJU) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Maria Clara Almeida;  a secretária de Justiça Direitos Humanos e Prevenção da Violência do Estado de Pernambuco (SJDH/PE) (on line), Joana Figueirêdo; a coordenadora do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (GAPA/BA), Gladys Almeida; a promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia Márcia Teixeira; o defensor Público da Defensoria Pública do Estado da Bahia Alex Raposo; e representantes técnicos de seis estados do Nordeste (Bahia, Maranhão, Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Ceará) e São Paulo.

O que são os programas de proteção?

No Brasil, existem políticas públicas criadas para garantir a proteção de pessoas que correm risco de morte em razão de sua atuação ou condição de vulnerabilidade. Entre elas, estão:

Provita – Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas;

PPCAAM – Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte;

PPDDH – Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas.

Programas de Proteção Provisória – Iniciativas de proteção emergencial existentes em alguns estados e municípios, especialmente da região Nordeste, mas que ainda não possuem diretrizes gerais instituídas a nível federal. 

O papel do CICV

O CICV acompanha de perto esse processo porque vê nos programas provisórios uma resposta humanitária concreta ao problema da violência armada no Brasil.

Além da assistência humanitária em casos emblemáticos, o CICV atua em nível técnico e sistêmico, oferecendo recomendações e promovendo diálogo com autoridades para aprimorar políticas públicas.

Mais informações:

Fabíola Góis, assessora de Comunicação do CICV em Brasília 
(61) 98248 7600, fgois@icrc.org