Comunicado de imprensa

Brasil: 50 futuros jornalistas completam curso para cobertura de conflitos armados e crises humanitárias

Foto oficial

Após cinco sábados dedicados ao estudo da cobertura internacional humanitária, 50 estudantes de Jornalismo de 143 universidades de 26 estados brasileiros e do Distrito Federal concluíram o 24º Curso de Jornalismo em Guerra e Violência Armada, uma parceria de 24 anos entre o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e a OBORÉ Projetos Especiais. Essa iniciativa faz parte do Projeto Repórter do Futuro e tem apoio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão de Políticas Públicas (IPFD).

O curso gratuito e online recebeu 470 inscrições para 50 vagas. Realizado entre agosto e setembro, o processo seletivo atraiu estudantes de jornalismo interessados em seis encontros com profissionais da imprensa, do Direito e representantes do CICV. As aulas abordaram temas como Direito Internacional Humanitário, uso da força policial, desinformação, discurso de ódio, coberturas internacionais e as principais atividades do Comitê no Brasil e no mundo. Com carga de 20 horas válidas como complementação universitária, o curso foi coordenado pelo jornalista Aldo Quiroga, editor-chefe do jornal da TV Cultura.

Na última sessão, sábado (18/10), os alunos puderam fazer avaliação do curso e tirar dúvidas sobre a atuação jornalística em áreas de conflito. Além das quatro aulas regulares, os alunos participaram de uma Aula Magna com Philippe Frison, então chefe de Operações da Delegação Regional para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, sediada em Brasília (DF), onde puderam conhecer sobre os principais conflitos onde o CICV atua e os principais conceitos relativos às Convenções de Genebra, entre outros tópicos. 

A aula inaugural abordou o Direito Internacional Humanitário (DIH), conduzida pelo jurista e consultor do Senado Federal Tarcisio Dal Maso. Ele apresentou os marcos históricos do DIH, os desafios trazidos pela Inteligência Artificial e o contexto dos principais conflitos armados atuais. Dal Maso destacou que as Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais estabelecem normas destinadas a limitar os impactos da guerra. “Eles protegem pessoas que não participam das hostilidades (civis, médicos, trabalhadores humanitários) e aquelas que já não participam (combatentes feridos ou doentes, náufragos, prisioneiros de guerra)”, destacou.

A segunda aula teve como palestrante o assessor do Programa com Forças Policiais e de Segurança da Delegação Regional do CICV, Edmar Martins. Ele explicou que o papel da instituição, como organismo internacional neutro, imparcial e independente, com mais de 163 anos de atuação, é apresentar boas práticas e sensibilizar para que tanto as autoridades e os atores envolvidos em situações de violência (armada ou não) possam proteger pessoas e preservar a humanidade. 

A assessora de Comunicação do CICV, Fabíola Góis, abordou o tema da informação prejudicial e explicou como a circulação de notícias falsas, sejam elas intencionais ou não, podem alimentar atos de violência, especialmente contra grupos vulneráveis, minorias sociais e étnicas, além de organizações humanitárias e de saúde.

Desafios da cobertura 

A terceira aula contou com a porta-voz do CICV para Israel e Territórios Ocupados Sarah Davies, a jornalista Mayara Paixão e o fotojornalista Lalo de Almeida, os dois últimos vencedores do 6° Prêmio CICV de Cobertura Internacional Humanitária, em 2024. Sara Davies contou como é exercer a função em áreas de conflitos, falou sobre o impacto das redes sociais na disseminação de informações, os riscos associados à informações prejudiciais e o uso da Inteligência Artificial nestas narrativas. 

Davies, que atua no CICV desde a escalada do conflito entre Israel e Hamas, enfatizou a necessidade do trabalho jornalístico ter como ponto de partida um olhar humanizado frente aos conflitos armados, mantendo como foco central a preservação da dignidade das pessoas. "Quando os conflitos começam, é fácil para o mundo ver essas pessoas sem rostos, sem nomes, mas não é o que eles são. (Para jornalistas) é importante vê-los como as pessoas que eles realmente são, eles têm esperança, têm sonhos. Embaixo dos escombros, sempre aparece um porta-retratos, uma meia, uma peça de roupa. Tinha uma história ali”, disse a porta-voz.

A jornalista Mayara Paixão e o fotojornalista Lalo de Almeida, da Folha de S.Paulo, relataram o processo de produção da série de reportagens “Darién, a Selva da Morte”, vencedora do Prêmio CICV, e os desafios enfrentados na cobertura de crises humanitárias. A jornalista apresentou recomendações práticas para a cobertura de migração na América Latina, como monitorar estatísticas de deslocamentos, tornar os dados visuais na reportagem e acompanhar de perto as políticas públicas destinadas à gestão migratória. 

Com 15 anos de cobertura sobre a Amazônia, Lalo de Almeida compartilhou acertos e erros de sua carreira. Relembrou diversos riscos que já enfrentou em diferentes projetos de cobertura na floresta, e a partir dessas experiências, o fotojornalista destacou a importância dos protocolos de segurança para preservar a vida e bem-estar dos profissionais. “Essa cobertura amazônica é desafiadora em muitos sentidos. Ela não é uma violência como se você estivesse em uma zona de guerra, mas é uma violência silenciosa. ‘A coisa’ está sempre ali te esperando. Essa é uma sensação muito presente”, contou o fotojornalista.

Na sessão final, os estudantes avaliaram positivamente o curso. A estudante Débora Van Pütten, da Universidade de São Paulo, afirmou que uma das grandes vantagens do curso é simular a vida real de um jornalista, em que terão de fazer perguntas às fontes durante as coletivas e escrever um texto após cada encontro. “É um exercício muito interessante, e é feito num ambiente em que a gente se sente muito confortável de tentar. Me senti segura”, disse a estudante. 

Para o coordenador do curso, o jornalista Aldo Quiroga, a formação em cobertura de conflitos armados oferece uma visão crítica da cobertura humanitária e fortalece a preparação dos estudantes para a vida profissional. “Isso certamente vai influenciar a sua escrita, a sua forma de olhar para o problema e reportá-lo”, concluiu.

Confira como foram os encontros no site da Oboré:

Aula Magna com Philippe Frison

Aula 01 com Tarciso Dal Maso

Aula 02 com Edmar Martins e Fabíola Góis

Aula 03 com Sarah Davies, Mayara Paixão e Lalo de Almeida

Sobre o curso

O curso, de realização anual, faz parte do Projeto Repórter do Futuro, modelo de curso de “complementação universitária” concebido pela Oboré em 1994 com o objetivo de oferecer alternativas de autodesenvolvimento e incentivo às carreiras dos futuros repórteres. Ao todo, 470 estudantes se inscreveram para esta edição.

Entre os objetivos do curso, a promoção do Direito Internacional Humanitário (DIH) e as atividades do CICV, divulgar as consequências humanitárias dos conflitos armados e da violência armada; fornecer um quadro geral, conceitos e elementos-chave para a cobertura jornalística dos conflitos armados e violência; e debater o papel do jornalista em uma situação de conflito armado ou violência armada, principalmente no que se refere às consequências humanitárias e às pessoas afetadas.