Comunicado de imprensa

RD Congo: civis de Ituri estão encurralados em um ciclo de violência mortal

Une équipe CICR à Djugu, en Ituri, RD Congo
Benita Atosha / CICV

Kinshasa (CICV) – O conflito e a violência armada na província de Ituri, no nordeste da República Democrática do Congo (RDC), têm deixado a população civil em maio a um ciclo de violência mortal, no qual milhares de pessoas sofrem em silêncio. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) distribuiu alimentos para quase doze mil pessoas que retornaram às suas casas após deixarem tudo para trás, ao fugirem de ataques armados.

Todas as famílias da chefatura de Mambisa, território de Djugu, receberam itens essenciais como utensílios de cozinha, sabão e cobertores, além de comida suficiente para um mês. Ao retornarem, depois de fugir de uma série de ataques armados e incidentes violentos em agosto, a maioria encontrou suas casas queimadas e teve seus pertences saqueados. O CICV está ajudando as pessoas que fogem da violência e tentam voltar para casa. O objetivo é atender suas necessidades imediatas, mas a principal preocupação delas é a segurança.

Um dos filhos de Thérèse* foi morto e outros ficaram gravemente feridos. Sua casa foi incendiada durante o ataque à sua vila. “Antes da guerra, vivia aqui com meus nove filhos e meus netos”, explica. “Nossa casa não era muito grande, mas era suficiente para nós. Nunca imaginei que veria o sangue de meus filhos ser derramado em minha casa ou que, de repente, a guerra tiraria ela de mim.

Por muitos anos, Ituri tem enfrentado ciclos de violência – operações militares, confrontos entre grupos armados e um número crescente de incursões, ataques e outras formas de violência, que atingem diretamente à população civil. Isso ocorre apesar de o Direito Internacional Humanitário (DIH) proibir ataques contra civis ou propriedades civis.

As consequências são graves – mortes, ferimentos, deslocamentos em massa, violência sexual, maus-tratos, recrutamento de crianças e a perda de lares e meios de subsistência. O maior custo recai sobre a população civil, que tem arcado com o peso da violência e as consequências das violações do DIH e dos princípios humanitários.

Necessidades aumentam, mas o alcance da ajuda humanitária é limitado

Os conflitos e a violência constante têm minado a resiliência das comunidades e impedido seu acesso a bens e serviços essenciais.

A maioria das pessoas teme ser morta ao retornar às suas lavouras em áreas onde há grupos armados. A maior parte da população é de agricultores, e a impossibilidade de cultivar alimentos tem agravado a escassez. Segundo a ONU, cerca de 1,5 milhão de pessoas em Ituri sofrem de insegurança alimentar. De acordo com a Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar, a situação corresponde à Fase 3 ou pior, sendo a Fase 3 definida como “crise”.

Joséphine tem recebido assistência do CICV. “Desde 2017, tive que me mudar várias vezes, e morei em quatro lugares diferentes. Eu venho de Fataki, no território de Djugu, onde minha família tinha campos e propriedades. Não posso voltar, porque a situação lá ainda é instável, e não sobrou nada.”

As pessoas encontram maior dificuldade para obter assistência médica, justamente quando o número de vítimas com ferimentos por armas cresce devido à escalada da violência. As unidades de saúde em áreas afetadas por ataques e violência lutam para operar normalmente, mas não conseguem fornecer assistência adequada aos doentes e feridos. Instalações foram atacadas e saqueadas, e alguns profissionais qualificados acabaram fugindo. A maioria das unidades enfrenta escassez de suprimentos médicos e falta de equipamentos. As vítimas têm que percorrer longas distâncias para obter tratamento adequado.

As instalações de saúde que ainda funcionam têm lidado com um número crescente de pacientes feridos por armas, especialmente entre julho e agosto, quando ocorreu um grande número de ataques. A organização Médicos Sem Fronteiras, que tem apoiado a Clínica Salama, na capital provincial de Bunia, relata ter recebido mais de 350 pacientes com ferimentos por armas desde o início do ano – mais de 200 dos quais chegaram entre os meses de julho e outubro.

Alfred Wadie é o vice-chefe da subdelegação do CICV em Bunia. “O CICV está apoiando várias unidades de saúde nos territórios de Djugu e Irumu”, explica. “Nossas equipes têm observado uma queda no número de mulheres e crianças que frequentam essas instalações, principalmente porque a falta de segurança está dificultando o deslocamento das pessoas.”

Ao mesmo tempo, a chegada em massa de pessoas deslocadas internamente aumenta a pressão sobre a infraestrutura hídrica, e a escassez de recursos tem gerado tensões na comunidade. A água é escassa em áreas afetadas pelo deslocamento, em zonas urbanas, em famílias de acolhimento e nos lugares onde as pessoas deslocadas estão vivendo. Isso tem forçado algumas famílias a usar fontes hídricas não tratadas, que trazem o risco de doenças transmitidas pela água.

Vulnerabilidade mental e psicossocial grave

Além de perder familiares e bens, as pessoas que buscam refúgio enfrentam um sofrimento psicológico severo, especialmente relacionado à separação familiar ou às consequências da violência sexual, entre outras formas de violência. A maioria das pessoas submetidas à violência recorrente sofre de trauma psicológico como resultado de suas perdas e da dor.

A violência em muitos locais de Ituri – que cada vez mais inclui áreas antes consideradas lugares de deslocamento e refúgio – tem forçado as pessoas a se deslocarem repetidamente, tornando-as ainda mais vulneráveis. As equipes do CICV que apoiam unidades de saúde mental e apoio psicossocial atendem centenas de pessoas com problemas como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. Esta situação tem afetado a estabilidade de toda a comunidade.

François Moreillon lidera a delegação do CICV na República Democrática do Congo. “Apelamos a todas as partes em conflito e a todos os envolvidos na violência armada em Ituri que tenham consciência do impacto dramático sobre a população civil”, diz. “Eles devem tomar absolutamente todas as medidas necessárias para proteger os civis e seus bens contra todas as formas de ataque e contra as consequências de seus combates, em consonância com o DIH e os princípios humanitários.”



*Todos os nomes foram alterados.
 

Ações do CICC em Ituri entre janeiro e setembro de 2025

Segurança econômica

  • 6.804 pessoas deslocadas que haviam retornado recentemente às suas casas no eixo Ngongo-Nyangaray, no território de Djugu, receberam itens domésticos essenciais.
  • 510 vítimas de conflitos ou violência receberam subsídios em dinheiro para cobrir suas necessidades imediatas e/ou possibilitar que realizassem projetos produtivos (individualmente ou como parte de uma associação) ou recebessem formação profissional.
  • 21.030 pessoas que retornaram às suas casas ao longo dos eixos Walu-Bayana e Ngongo-Nyangaray, no território de Djugu, receberam ferramentas agrícolas e sementes para a produção de alimentos.
  • 14.226 pessoas que retornaram às suas casas no eixo Bayana–Walu, território de Djugu, receberam 59.275 metros lineares de estacas de mandioca saudáveis para retomar a produção agrícola.
  • 12.500 metros lineares de plantas matrizes de mandioca foram fornecidos a uma associação agrícola em Songolo, território de Irumu, para multiplicação e distribuição às comunidades no próximo ano.

Acesso à água 

  • 6.817 pessoas em Busiyo e Malaya, território de Irumu, agora têm acesso a seis pontos de água, após o trabalho realizado em fontes hídricas.
  • 16.683 pessoas, das quais 6.673 foram deslocadas de Nizi, no território de Djugu, agora têm melhor acesso à água potável graças à instalação de pontos de água, realizada em conjunto com a Sociedade da Cruz Vermelha da República Democrática do Congo.
  • Insumos para tratamento de água (cloro, cal e sulfato de alumínio) foram doados à concessionária de água REGIDESO para dar continuidade ao fornecimento de água potável na cidade de Bunia.

Assistência à saúde

  • 40.410 consultas para tratamento ocorreram em centros de saúde e hospitais apoiados pelo CICV.
  • 664 pessoas – incluindo feridos por arma de fogo, vítimas de violência sexual e usuários de serviços de reabilitação física – tiveram acesso a consultas individuais de saúde mental e apoio psicossocial.
  • 14 pessoas que sofreram ferimentos por armas (de fogo ou brancas) receberam tratamento no hospital de referência de Boga.
  • 181 pessoas tiveram acesso a serviços de reabilitação física e/ou receberam itens de auxílio à mobilidade (incluindo cadeiras de rodas) no centro de reabilitação física de Rwankole, em Bunia, apoiado pelo CICV.

Proteção de vínculos familiares

  • 27 reunificações familiares foram realizadas, envolvendo crianças separadas de suas famílias pelo conflito ou outras formas de violência.
  • 24 pedidos de busca foram abertos e 27 crianças foram registradas – incluindo crianças desacompanhadas e crianças que deixaram grupos armados – com o objetivo de procurar suas famílias.

Diálogo com portadores de armas 

  • 193 membros das Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) e de grupos armados participaram de apresentações sobre DIH, princípios humanitários, proteção de civis, combate à violência sexual e proteção de profissionais e unidades de saúde.
  • O CICV mantém um diálogo contínuo, bilateral e confidencial com as autoridades e os portadores de armas estatais e não estatais sobre suas responsabilidades perante as comunidades e o cumprimento do DIH e dos princípios humanitários nos territórios de Irumu e Djugu..  
     

Mais informações:

Francine Kongolo, CICV Kinshasa, +243 (0) 81 992 23 28, fkongolo@icrc.org

Benita Atosha, CICV Bunia, +243 (0) 81 473 57 87, batosha@icrc.org 

Eléonore Asomani, CICV Dakar, +221 78 186 46 87, easomani@icrc.org