Comunicado de imprensa

Brasil: familiares de pessoas desaparecidas cobram ação global por visibilidade e justiça

IV Conferência Internacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas
R. Canato/CICV

De 11 a 13 de novembro, a 4ª Conferência Internacional, promovida pelo CICV, reuniu familiares de pessoas desaparecidas de mais de 40 países.

São Paulo (SP) - Em diferentes partes do mundo, milhares de famílias vivem a mesma espera: a de obter respostas sobre o desaparecimento de seus entes queridos. São mães, filhos, irmãos, companheiros e tantos outros que enfrentam, diariamente, a incerteza sobre o paradeiro de quem amam. Foi para amplificar a voz dessas histórias e fortalecer o apoio entre elas que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) promoveu de 11 a 13 de novembro, a 4ª Conferência Internacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas, em formato híbrido, a partir de Genebra.

O evento, que reuniu cerca de 900 pessoas de mais de 40 países é o único fórum global dedicado exclusivamente a famílias que buscam seus entes queridos. A Conferência, realizada a cada dois anos, busca promover a troca de experiências, ampliar a solidariedade entre os participantes e impulsionar respostas mais eficazes ao desaparecimento de pessoas em contextos de conflito armado, outras situações de violência, migração e desastres naturais.

“São histórias de profundo sofrimento, familiares vivendo sem saber onde estão os seus entes queridos por anos e, às vezes, décadas. Vocês encontram, muitas vezes, negligência e a negação sobre o que está acontecendo de fato. Saibam que podem contar com o CICV”, afirmou na abertura do encontro, o diretor-geral do CICV, Pierre Krähenbühl, transmitido on-line de Genebra para milhares de pessoas que assistiram à transmissão da abertura do evento, 

Segundo a organização, o número crescente de pessoas registradas como desaparecidas pelo Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, aumentou em 70% nos últimos cinco anos. “Esse aumento foi acentuado pelo crescente número de conflitos, pela migração por rotas cada vez mais perigosas e um respeito cada vez menor pelas regras de guerra. É um triste lembrete do fracasso coletivo em proteger as pessoas em guerra e em outras situações em que as pessoas desaparecem”, pontuou Krähenbühl.

Representando os familiares de pessoas desaparecidas, Camila Gadelha resumiu a dor de quem sente a ausência. “Nós temos o direito a uma resposta e compartilhamos os mesmos sentimentos – o amor que resiste ao tempo e a coragem de seguir buscando, afirmou Gadelha. “No ano passado, criamos um Movimento Nacional, mas ainda enfrentamos dificuldades para manter e promover essas associações, para dar maior visibilidade ao tema e participar de elaboração de políticas públicas”, acrescentou.

Segundo o oficial de Proteção de Vínculos Familiares do CICV para a Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, Diego Portela, o trabalho com famílias de pessoas desaparecidas é uma das prioridades nos mais de 90 países onde a organização atua. “A conferência tem essa potência de criar espaços de troca entre famílias do mundo todo. O que está funcionando em um país pode inspirar outros, e isso tem impactado diretamente o Brasil. As famílias percebem que não estão sozinhas e se sentem mais fortes para reivindicar seus direitos”, afirma Portela.

De acordo com a Rede de Restabelecimento de Laços Familiares (Family Links Network), mais de 284 mil pessoas estão atualmente registradas como desaparecidas em todo o mundo. No Brasil, os números também chamam a atenção: segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública , o país registrou 81.873 pessoas desaparecidas em 2024, um aumento de 4,9% em relação ao ano anterior. Em média, quatro pessoas desaparecem por hora no país, sendo as regiões Nordeste e Norte as que apresentaram maior crescimento nos registros.

Desde 2013, o CICV atua no Brasil com grupos de familiares de pessoas desaparecidas em diferentes contextos: do regime militar a situações contemporâneas de violência e migração. A organização apoia coletivos como o Movimento Nacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas, formado em 2024, e realiza iniciativas de memória como o livro de receitas Sabor da Saudade, apresentado durante a conferência deste ano, inclusive com versão em inglês.

O que mais marca é a resiliência das famílias. Trabalhamos com familiares há 12 anos e eles se mantêm fortes, firmes e comprometidos. É algo que passa por gerações, dos pais aos filhos e aos netos, e mostra como a esperança, a determinação e o direito de saber se mantêm presentes”, destacou a coordenadora de Proteção de Vínculos Familiares da Delegação Regional do CICV, Patricia Badke.

O desaparecimento de uma pessoa é uma ferida aberta que afeta toda a comunidade. Os familiares de várias partes do mundo compartilharam as mesmas dores e incertezas. O chefe da Agência Central de Buscas (CTA) do CICV, Cristian Rivier, afirmou que as famílias têm o direito de saber o que aconteceu com seus entes queridos. “Atender às suas necessidades de longo prazo, sejam elas jurídicas, administrativas, econômicas ou psicossociais, é um imperativo humanitário, e essencial para a paz e a reconciliação”, destacou.

Início

A primeira edição da Conferência foi realizada em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, em 2019, em resposta a um pedido das próprias famílias por um espaço regular de intercâmbio global. E desde então, o evento passou a ocorrer a cada dois anos. “Sabemos que cada história aqui traz consigo uma dor imensa, mas também uma força impressionante, a força de continuar buscando pelo seu ente querido, de transformar o sofrimento em ação, e de apoiar outras famílias que vivem a mesma realidade”, afirmou o chefe da Delegação Regional do CICV para a Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, Nicolas Olivier. “Essa força é, para nós, no Comitê Internacional da Cruz Vermelha, uma inspiração diária”, acrescentou.  

Durante os três dias de evento, familiares participaram de sessões sobre visibilidade, incidência política, apoio psicossocial e memória coletiva. O encerramento incluiu a leitura de uma declaração conjunta das famílias, com um apelo por ações concretas dos governos e da sociedade para enfrentar o desaparecimento de pessoas no mundo.

Embora a Conferência seja um espaço confidencial dedicado às famílias, pela primeira vez as cerimônias de abertura e encerramento foram transmitidas ao vivo e abertas ao público.

Espera

Uma versão reduzida da exposição Espera está disponível na 4ª Conferência Internacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas, tanto no hub em São Paulo quanto na sede de Genebra. As imagens retratam como as famílias convivem com a dor e a ausência de seus entes queridos. A exposição foi fruto de uma articulação entre o CICV e a Rede Cuca da Prefeitura Municipal de Fortaleza, que envolveu um curso de fotografia documental e cinco encontros formativos sobre temas humanitários com oito jovens fotógrafos da Rede Cuca (uma política pública de proteção social e oportunidades para jovens, executada pela Prefeitura). 

Espera tem 30 fotos e teve sua pré-estreia no Museu da Imagem e do Som, em novembro de 2024, e o lançamento no Cuca Jangurussu em 11 de abril de 2025, ambos em Fortaleza.  Uma das jovens fotógrafas está presente na conferência e irá participar de uma sessão cujo tópico é juventude.

Mais informações

Fabíola Góis, assessora de Comunicação do CICV em Brasília

(61) 98248 7600, fgois@icrc.org.