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Azerbaijão: impedindo que a tuberculose se torne uma sentença de morte para os criminosos

No Azerbaijão, uma sentença de prisão por um pequeno crime pode se transformar em pena de morte se um detento contrair tuberculose. Anna Nelson, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), e Zalmai, renomado fotógrafo suíço-afegão, foram até os presídios de Baku para descobrir o que está sendo feito para ajudar os detentos infectados com tuberculose.

Nos arredores de Baku, capital do Azerbaijão, não muito longe dos ricos campos de petróleo da cidade, as autoridades estão correndo contra o tempo para deter um silencioso assassino.

Nos últimos 15 anos, os funcionários de presídio nacional têm trabalhado para conter a propagação da tuberculose (TB) - uma doença mortal que infecta aproximadamente 9,5 milhões de pessoas no mundo a cada ano. Cerca de 4,5 mil pessoas morrem por dia no mundo – o que significa uma pessoa a cada 20 segundos.

" Um homem pode matar outro com as mãos... mas pode matar centenas de pessoas com a tuberculose " , diz o médico-chefe do Instituto Especial de Tratamento de Baku (IET), Nahmat Rahmanov, que abriga cerca de mil detentos infectados de todos os agrupamentos penais do Azerbaijão.

Rahmanov não está exagerando. Formas resistentes aos medicamentos da doença estão se espalhando pelo ar de maneira alarmante em todo o mundo. Para contrair qualquer forma da doença – resistente a medicamentos ou não – basta respirar na presença de alguém que esteja infectado. Ao contrário do que muita gente pensa, as vacinas da infância não protegem os adultos contra a tuberculose.

Doença furiosa

À primeira vista, o IET se parece muito com qualquer outro presídio – muros altos cobertos de arame farpado, guardas armados em torres de vigilância e pesados portões de ferro que separam os ladrões, vigaristas, traficantes, assassinos e outros tipos de criminosos do mundo exterior. Mas uma vez lá dentro, o prédio parece mais um hospital do que um presídio.

Nos anos seguin tes à dissolução da União Soviética, houve um grande aumento na propagação de doenças infecciosas. Quando o CICV começou a visitar os presídios do Azerbaijão, em 1995, os delegados descobriram que a tuberculose era a principal causa de morte entre os detentos.

Desde então, as autoridades e o CICV, de maneira gradual, mas constante, estão reduzindo drasticamente o número de casos de tuberculose nos centros de detenção, melhorando a triagem, a prevenção, o tratamento e o acompanhamento.

" Em 1999, 285 presos morreram de tuberculose. Em 2009, conseguimos reduzir esse número para 20 " , diz o diretor da IET, Nizami Guliyev, muito orgulhoso do progresso no presídio que dirige.

Ele mostra o elaborado sistema de ventilação que foi instalado para garantir o máximo de ar fresco nas celas e nas áreas comuns para dormir – que, em geral, são um terreno fértil para a tuberculose. Cartazes nas paredes explicam através de desenhos que a doença se desenvolve no escuro e em espaços confinados. Em uma nova ala, serão instalados modernos equipamentos cirúrgicos. O presídio conta com um espaço para diagnósticos laboratoriais e farmácia.

Dignidade humana

Conversando com os detentos – desde aqueles que cometeram pequenos crimes até os que cumprem penas perpétuas – uma coisa está clara: além dos comprimidos, raios-X e jalecos brancos, o que realmente faz a diferença para se recuperarem é o fato de serem tratados com dignidade e consideração.

Ao longo dos anos, os guardas aprenderam que um ambiente saudável pode ter um grande impacto sobre a adesão do paciente ao tratamento e seu resultado.

" O objetivo principal do Ministério da Justiça é curar esses pacientes e fazemos todo o possível para lhes proporcionar tratamento e boas condições de vida para que possam voltar saudáveis à sociedade e não infectar outras pessoas. Queremos que eles se tornem cidadãos que possam contribuir para a sociedade " , explica um agente penitenciário.

No IET, as celas e salas comuns são limpas e impecáveis, os familiares têm autorização para levar comida para seus familiares e há uma pequena biblioteca, onde os livros são meticulosamente divididos em seções para leitores com maior ou menos potencial de contágio. Cabines de telefone identificadas com " positivo " e " negativo " indicam quais telefones estão ou não infectados para que os detidos possam utilizar para ligar para suas casas.

A vida no interior do presídio gira em torno da tuberculose e de detentos adaptados à situação, como Salman e Ilham. Os dois compartilham um quarto na ala extremamente contagiosa, que é emparedada com outras seções do prédio.

" Eu me sinto muito melhor. Aqui, temos tudo que precisamos. Há alimentos, aquecimento e banheiro decente. Posso tomar um banho sempre que eu quiser. É confortável e tranquilo " , diz Salman.

Eles passam o dia jogando gamão, cuidando de uma pequena e florescida coleção de clorófitos, assistindo a TV, lavando suas roupas e aguardando em fila para tomar o medicamento sob o olhar atento de um médico do presídio.

Salman sofre de tuberculose há mais de seis anos. Ele já fez o tratamento duas vezes para sensibilidade de tuberculose e agora está em tratamento para o tipo multirresistente a medicamentos (MDR-TB).

O medicamento pode ter graves efeitos colaterais, incluindo insuficiência hepática e náusea extrema. Os pacientes precisam manter o tratamento por cerca de dois anos e pode levar mais de dois meses para encontrar a combinação certa de remédio para cada indivíduo.

" Cada um de nós sabe o que o outro está passando, o que ajuda muito. Nós nos apoiamos um nos outros " , afirma Salman sobre seu companheiro de quarto.

Casa em ruínas

Não muito longe do bem equipado hospital do presídio, perto do mar Cáspio, está a antiga casa de campo de verão dos irmãos Nobel, que enriqueceram com o petróleo do país na década de 70.

Hoje, é o lar de um grande número de diferentes " irmãos " – Iramal e Ilgar, que se conheceram como detentos do centro de tratamento de tuberculose e, assim como Salman e Ilham, têm uma grande ligação. Foram transferidos para o dispensário em ruínas depois de serem liberados, em 2009. É a única instalação de tratamento do país que está disposta a receber ex-detentos.

" Asseguramos que eles recebam três refeições por dia e o controle regular dos médicos. A equipe médica garante que eles não abandonem o tratamento " , diz o diretor da unidade, Ismayilov Habil.

" No mês passado, três pacientes morreram. Eles não tinham família, então usei meu próprio dinheiro para enterrá-los em um cemitério próximo. Minha filosofia é que todo mundo merece ser tratado com compaixão, então faço o que posso. "

O CICV fornece alimentos e artigos de higiene para os ex-detentos e recolhe amostras de sangue e de escarro para análise regular. A organização também oferece um incentivo financeiro modesto para os enfermeiros, que são responsáveis pelo acompanhamento direto do tratamento dos pacientes.

Sem dúvida, os irmãos Nobel mal reconheceriam seu país de origem se estivessem vivos hoje. Cinco ou seis pacientes dormem profundamente em um quarto e não há muito para fazer senão cochilar em uma cama de metal e assistir a um fluxo interminável de imagens granuladas sobre a pequena TV preto e branco. Ilgar e Iramal podem não estar mais atrás das grades, mas de muitas maneir as, ainda estão presos a sua doença.

Ilgar, um reincidente narcótico, suspeita que contraiu tuberculose durante sua primeira passagem na prisão em 2001. Recentemente, cumpriu a pena de 18 meses de prisão por uso de drogas e agora não tem para onde ir.

" Estou sozinho neste mundo e sem-teto " , diz sussurrando. " Não sei o que faria se esse lugar não existisse. Ninguém nunca veio me ver, mas felizmente tenho Iramal. Juntos, vivemos dias muito difíceis na prisão. Nunca nos esqueceremos desses dias e continuaremos amigos para o resto de nossas vidas. "

Futuro incerto

Infelizmente para Iramal, o futuro continua muito incerto. Aos 28 anos, ele está tomando medicamento para o tipo MDR-TB por mais de dois anos e meio. Tentou uma série de tratamentos e ainda há uma chance de que não complete 30 anos.

Foi colocado atrás das grades por vandalismo e agora está lutando contra uma possível sentença de morte por causa da tuberculose.

" Parei de beber e usar drogas e comecei a rezar " , diz Iramal, cujos marcantes olhos verde-azulados combinam com a pintura descascada das paredes. " Não vejo minha família desde que saí da prisão, porque não quero correr o risco de infectá-los. Tudo o que quero é melhorar e transformar minha vida. "

Ele e Ilgar colocam suas luvas e saem para respirar um pouco de ar. Os dois "irmãos" se protegem do amargo e salgado vento com os braços sobre o peito e as cabeças baixas.

Ninguém pode prever como terminarão seus dias ou se viverão o suficiente para ver a amizade durar. Por enquanto, estão vivendo e esses são lembretes poderosos da importância de se impedir a TB de destruir mais vida, tanto dentro como fora dos presídios.