Afeganistão: jogadores de basquete em cadeira de rodas alcançam o sonho impossível

19-05-2014 Reportagem

Os jogadores que formam a seleção nacional de basquete em cadeira de rodas são de diferentes partes do Afeganistão, mas falam com uma voz única quando contam o quanto significa para eles serem embaixadores das pessoas com deficiências no seu primeiro campeonato no exterior.


Ginásio no cento de reabilitação física do CICV em Cabul. A seleção paralímpica afegã de basquete treina para o campeonato na Itália. © CICR / J. Barry
 

De acordo com Alberto Cairo, chefe do programa de reabilitação física do CICV no Afeganistão, o basquete em cadeira de rodas é uma experiência que mudou a vida dos jogadores. “Além da alegria e da diversão de jogar – das quais foram privados durante anos – o esporte lhes deu autoconfiança e autoestima”, explica. “Devemos ter em mente que para uma pessoa com deficiência no Afeganistão, esporte significa basicamente ver outras pessoas jogando, em geral, pela televisão”.

Jogar basquete deu aos jogadores a confiança para assumir novos desafios.

Jogar basquete com regularidade também inspirou alguns jogadores a desenvolverem habilidades adicionais.

“Alguns deles começaram a estudar inglês”, destaca Alberto. “Durante anos, eles foram aconselhados não fazer isso. O esporte fez um milagre e derrubou barreiras”.

“Outros, como Saber, que era analfabeto, aprendeu a ler e a escrever”, continuou Alberto. “Eles solicitaram pequenos empréstimos para começar o seu próprio negócio. Jogar basquete deu aos jogadores a confiança para assumir novos desafios”.

Viajar para a Itália para a primeira partida internacional

Treinador Jess Markt (esquerda) e jogadores discutem estratégias. 

Ginásio no cento de reabilitação física do CICV em Cabul.
Treinador Jess Markt (esquerda) e jogadores discutem estratégias.
© CICV / Jessica Barry

Foram os efeitos combinados da dedicada equipe do CICV, as cadeiras de rodas acessíveis e adaptadas produzidas por Motivation, uma instituição de caridade britânica, e a inspiração de um treinador de basquete profissional que fez desse programa o sucesso que ele é hoje. Os jogadores, que são todos pacientes ou parte da equipe dos centros de reabilitação do CICV, são oriundos de todas as partes do Afeganistão. Eles começaram a jogar juntos em 2010. Um ano depois, formou-se a seleção nacional sob os auspícios do comitê paralímpico afegão e com o apoio do CICV. A seleção disputará o seu primeiro campeonato internacional, na Itália, entre os dias 20 e 30 de maio.

“Quando anunciei o convite para jogar à equipe, eles ficaram muito felizes”, lembra Alberto. “A equipe anfitriã é a Briante84, de Cantù, próximo à Milão, e é campeã da Liga Italiana de 2012-13”.

As pessoas que assistiram ao jogo nos últimos dias de treinamento com o técnico, Jess Markt, podiam sentir a tensão e a empolgação no ar. Para Farhad, Shapoor, Nasrullah e Saber, quatro dos 15 jogadores que irão à Itália, o próximo desafio é melhor do que eles podiam ter imaginado.

 

Farhad Mohammadi (21) de Herat: afligido pela pólio

Quando se tem uma deficiência, é fácil pensar que não se pode fazer nada. (...) Tornar-nos esportistas nos ajudou a ter mais fé em nós mesmos.

Até os sete anos de idade, eu engatinhava. Foi então que um amigo da família me falou do centro de reabilitação física do CICV em Herat e meus pais me levaram até lá. Hoje, depois de anos de tratamento, posso andar.

Farhad Mohammadi de Herat 

Farhad Mohammadi de Herat
© CICV / Jessica Barry

Acho que os esportes fazem bem para a saúde e para a moral de todos. E o basquete passou a ser uma parte importante da minha vida desde que comecei a praticar, há quatro anos. A minha família me incentivou e a minha mãe e o meu irmão estão especialmente orgulhosos do que faço.

Sei que os jogadores italianos são difíceis de derrotar porque já vêm praticando há anos. No entanto, o nosso time tem talento também e queremos mostrar ao mundo que ter uma deficiência não é impedimento para fazer as coisas.

Estou ansioso para jogar contra esses jogadores internacionais e sentar com eles depois para trocar ideias. Depois que voltarmos ao Afeganistão, espero poder ser um exemplo para outras pessoas com deficiência.

Quando se tem uma deficiência, é fácil pensar que não se pode fazer nada. Jogar basquete me mostrou que isso não é verdade. Tornar-nos esportistas nos ajudou a ter mais fé em nós mesmos.
Agora trabalho na fábrica do centro de reabilitação física de Herat e tenho a minha própria renda. Se os centros não existissem, muitas pessoas como eu terminariam simplesmente pedindo esmola nas ruas.

 

Shapoor Sorkhabi (21) de Maimana: tem dificuldades de andar desde pequeno em decorrência de graves queimaduras

Shapoor Sorkhabi de Maimana 

Shapoor Sorkhabi de Maimana
© CICV / Jessica Barry

A minha mãe tentou desestimular o meu amor pelo basquete, dizendo que eu tinha que pôr os estudos em primeiro lugar. Mas persisti e comecei a jogar há quatro anos no centro de reabilitação física de Maimana, onde recebia tratamento.

Participei de um campeonato de basquete em cadeira de rodas no centro aqui em Cabul, em 2012, e fui eleito o jogador da partida. Depois disso, a minha mãe ficou orgulhosa de mim. Também fiquei orgulhoso de mim mesmo.

E o meu triunfo não foi somente no basquete. Depois do campeonato, fiquei em Cabul e fui submetido a algumas cirurgias nas minhas pernas que me deram de volta alguma mobilidade.

É verdade que adoro basquete, mas o que eu amo mesmo é o futebol. Ronaldo é o meu herói. Até usei o “seu” número - o sete - quando joguei pela primeira vez pela seleção nacional de basquete.

Estou empolgado para ir à Itália. Quero me encontrar com outros esportistas e visitar os lugares turísticos. Também gostaria de ir à praia.


Nasrullah Nastratyar (19) de Mazar: afligido pela pólio

Jogo basquete há três anos no centro de reabilitação física do CICV em Mazar. Quando estou jogando, sinto-me como um homem perfeito e jogar em ajuda a superar o sentimento que às vezes de que não sou capaz de fazer qualquer coisa.

Nasrullah Nastratyar de Mazar 

Nasrullah Nastratyar de Mazar
© CICV / Jessica Barry

Quando estou jogando, sinto-me como um homem perfeito e jogar em ajuda a superar o sentimento que às vezes de que não sou capaz de fazer qualquer coisa.

Todas as pessoas onde moro estão me apoiando e acompanharão a seleção enquanto estivermos no exterior. Eles me deram muito incentivo e apoio.

Será a primeira vez que viajo para fora do Afeganistão e tento imaginar como será. Além do basquete, quero conhecer os lugares históricos e conhecer pessoas lindas.

Esta viagem nos mostrará coisas novas, embora eu já esteja feliz com a vida que tenho agora. Sinto-me bem e é a realização de um sonho poder jogar na seleção nacional. A longo prazo, quero terminar os meus estudos e, então, veremos. Por enquanto, estou vivendo um dia depois do outro.

 

Mohammad Saber Sultani (24) de Cabul: perdeu as duas pernas aos três anos em um acidente com uma mina

Treinamos durante três horas todas as manhãs e duas horas de tarde. Jess, o nosso técnico, nos ensina bem. Com certeza nos cansamos, mas vale a pena. O nosso objetivo é ganhar!

Hoje trabalho na fábrica na confecção de pés para próteses. A minha vida é muito melhor agora. Estou aprendendo a ler e a escrever e com a ajuda de Alberto, construí uma casa.

Mohammad Saber Sultani de Cabul 

Mohammad Saber Sultani de Cabul
© CICV / Jessica Barry

Quando eu tinha dois anos, o meu pai morreu, e um ano depois, perdi as pernas. Fui morar com o meu tio e nos mudamos para o Paquistão durante o regime talibã. Voltamos para Cabul anos depois e eu abri uma pequena mercearia. Não dava muito dinheiro, mas podíamos sobreviver. Um amigo meu me comentou sobre o treinamento de basquete no centro de reabilitação física do CICV, aqui em Cabul. Eu estava interessado nos esportes e, então, fui ver. Foi assim que soube do apoio do CICV para as pessoas com deficiência e sobre o treinamento vocacional e os microcréditos. Depois de algum tempo, pedi um empréstimo para o meu comércio, mas não foi muito bem.

Quase todos os funcionários dos centros são ex-pacientes que receberam treinamento profissional como terapeutas ou técnicos. Perguntei a Alberto se havia uma oportunidade de trabalho e fui aceito. Hoje trabalho na fábrica na confecção de pés para próteses. A minha vida é muito melhor agora. Estou aprendendo a ler e a escrever e com a ajuda de Alberto, construí uma casa. Agora concentro todos os meus esforços no basquete.

O importante é ter uma atitude positive e jogar com o coração.

Para mim, quando eu for para a Itália, gostaria de ver a casa do Alberto. Ele me ajudou a construir a minha e gostaria de ver a sua também.
 

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