Declaração

Armas explosivas nas cidades: a devastação e o sofrimento dos civis devem acabar

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer, lançam um apelo conjunto

Idlib e Trípoli enfrentam hoje um sofrimento e uma destruição incalculáveis devido aos sucessivos bombardeios e explosões, integrando uma longa lista de cidades em situação semelhante – incluindo, mais recentemente, Mossul, Aleppo, Raqqa, Taiz, Donetsk, Fallujah e Sanaa.

Elas raramente ocupam as manchetes, mas deveriam. A guerra nas cidades não pode ser relegada à última página dos jornais. Cerca de 50 milhões de pessoas sofrem os seus efeitos.

Alarmados com as consequências humanitárias devastadoras da guerra urbana, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e as Nações Unidas lançam um apelo conjunto aos Estados e a todas as partes dos conflitos armados para que evitem o uso de armas explosivas de amplo impacto nas áreas povoadas.

À medida que o mundo se urbaniza, o conflito armado também o faz. Quando cidades são bombardeadas – seja por ataques aéreos, foguetes, artilharia ou artefatos explosivos improvisados –, os civis são os mais afetados. De fato, a grande maioria das vítimas (90%, segundo uma estimativa) são civis. As imagens angustiantes dos centros populacionais no Afeganistão, Iraque, Síria e Ucrânia – para citar alguns – mostram um padrão de graves danos civis impossível de ignorar, embora muitas vezes esquecido.

As partes em conflito devem reconhecer que não podem combater em áreas povoadas da maneira que fariam em campos de batalha abertos. Devem também reconhecer que usar armas explosivas de amplo impacto em cidades e campos de refugiados expõe os civis a um alto risco de danos indiscriminados.

O conflito armado em cidades mata e fere gravemente inúmeros civis, deixando muitos com deficiências e traumas psicológicos por toda a vida. A infraestrutura necessária para o funcionamento dos serviços básicos – água, eletricidade, saneamento, assistência à saúde – é danificada ou destruída. Isto desencadeia um efeito dominó que agrava o sofrimento. Em um dos vários exemplos, no mês passado em Aden, no Iêmen, pelo menos 200 mil pessoas ficaram sem água potável após intensos confrontos.

Quando o serviço de água ou eletricidade é interrompido devido à destruição do sistema de abastecimento, prestar assistência à saúde se torna extremamente difícil ou impossível. De fato, quando cidades são bombardeadas o atendimento médico também é atingido: os profissionais de saúde são mortos ou feridos, as ambulâncias não podem ter acesso aos feridos e os hospitais sofrem danos irreparáveis.

Para aqueles que sobrevivem, a vida se torna insuportável – e eles muitas vezes são obrigados a fugir. No último verão, em apenas dois meses, cerca de 100 mil pessoas foram deslocadas devido aos fortes bombardeios em Trípoli. Os deslocados são particularmente vulneráveis a riscos para a sua saúde e sua vida, sobretudo as mulheres e crianças. No Iraque, 1,5 milhão de deslocados em todo o país não podem voltar para casa. E aqueles que o fazem lutam para reconstruir a vida contra todas as probabilidades; suas casas foram destruídas, as redes de serviços essenciais entraram em colapso e a ameaça dos resíduos explosivos de guerra continua em todas as partes.

A destruição maciça causada pelos conflitos armados nas cidades pode atrasar os índices de desenvolvimento em anos ou mesmo décadas. Por exemplo, após os primeiros quatro anos do conflito armado no Iêmen, os indicadores de desenvolvimento humano caíram para os níveis de 20 anos atrás. É um enorme revés para o alcance de muitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O progresso obtido durante décadas pode ser rapidamente revertido à medida que centros populacionais outrora prósperos e pulsantes se transformam em cidades fantasmas.

Este ano marca o 70º aniversário das Convenções de Genebra de 1949, tratados internacionalmente aceitos que proporcionam o poder protetor do Direito Internacional Humanitário (DIH) quando as suas normas são escrupulosamente respeitadas. O DIH absolutamente proíbe ataques diretos contra civis ou bens civis, ataques indiscriminados ou desproporcionais, armas indiscriminadas e o uso de civis como escudos humanos. Exige que as partes em conflito adotem medidas para minimizar danos civis incidentais. O respeito a essas normais é ainda mais essencial quando o conflito armado é travado em ambientes populacionais, onde os objetivos militares se misturam aos civis e bens civis – e os civis correm grave risco de serem atingidos.

Com a vulnerabilidade inerente aos civis nas áreas povoadas, é imperativo que os Estados reavaliem e adaptem as suas escolhas de armas e táticas para evitar danos civis, preparando, treinando e equipando as suas forças armadas com essa finalidade. Os Estados devem ainda exercer influência sobre os seus parceiros e outras partes apoiadas no conflito para este fim. É também imperativo que a proteção dos civis seja uma estratégia prioritária no planejamento e na condução das operações militares. Algumas medidas estão sendo tomadas nesse sentido, mas é preciso fazer muito mais, e rápido.

É alentador observar que há diversas iniciativas em andamento para fortalecer a proteção dos civis em conflitos armados urbanos. Como primeiro passo, apoiamos os esforços dos Estados na elaboração de uma declaração política, assim como de limitações adequadas, normas comuns e políticas operacionais de acordo com o DIH relativas ao uso de armas explosivas em áreas povoadas.

Instamos os Estados e outras partes interessadas a reforçar a coleta de dados sobre vítimas civis e a estabelecer mecanismos para mitigar e investigar os danos a civis, garantir a prestação de contas e tirar lições para operações futuras.

Incentivamos os Estados a identificar e compartilhar boas práticas para mitigar o risco de danos civis em conflitos armados urbanos, incluindo restrições e limitações sobre o uso de armas explosivas pesadas em áreas povoadas, e nos comprometemos a apoiar esses intercâmbios de boas práticas.

Apelamos a todas as partes dos conflitos armados para que empreguem estratégias e táticas que levem os combates para fora das áreas povoadas, a fim de tentar reduzir os enfrentamentos urbanos por completo, e instamos as partes para que permitam que os civis deixem as áreas sitiadas.

Apelamos aos Estados para que adotem políticas e práticas que melhorem a proteção dos civis quando a guerra for travada em zonas povoadas, incluindo políticas e práticas para evitar o uso de armas explosivas com ampla área de impacto, devido à probabilidade significativa de efeitos indiscriminados. Isto ajudará bastante a mitigar os efeitos da guerra nas cidades e a reduzir o sofrimento.

Mais informações:
Anita Michele Dullard, porta-voz do CICV, Genebra, tel: +41227303028, adullard@icrc.org