Cada peça importa na busca e lembrança das pessoas desaparecidas
Por Simone Casabianca-Aeschlimann, Chefe da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.
Nesta pandemia, temos sentido na pele que é difícil viver sem poder encontrar uma pessoa que amamos.
Mas como seria viver sem saber o que aconteceu e onde ela está?
Essa é, infelizmente, a realidade de quem enfrenta o desaparecimento de um ente querido.
Embora não existam cifras exatas de pessoas desaparecidas no mundo, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) estima que os casos ultrapassam centenas de milhares. No Brasil, o Anuário de Segurança Pública reporta uma média de mais de 80 mil registros de casos por ano.
Para além dos números, em cada caso, há uma família, resta uma lembrança, uma cadeira vazia, um quarto à espera de sua volta. Em comum para todas elas, a incerteza de não saber o que aconteceu.
Além da ausência deixada por quem desaparece, surge a dúvida, aberta e prolongada, que aprisiona seus os familiares entre a angústia e a expectativa. Para a maioria, um luto que não se pode fazer, ante à esperança do reencontro e à dedicação diária a buscas (muitas vezes arriscadas ou traumáticas). Essa experiência afeta quase todas as áreas das suas vidas: saúde física e mental, capacidade de trabalho, recursos financeiros, o acesso aos direitos e a documentação, a convivência familiar e comunitária. Surgem, para os familiares, necessidades específicas e graves, que precisam ser respondidas por serviços multidisciplinares e associados às investigações sobre o desaparecimento.
Frequentemente, o sofrimento causado pelo desaparecimento não é compreendido pelas pessoas ao redor e os familiares se sentem isolados e enfraquecidos. Contudo, sua capacidade de seguir adiante parece inesgotável e eles se mantêm firmes no propósito de continuar suas buscas.
Mesmo sem poder sair de casa, Dona Rosa, de 65 anos, aprendeu a usar aplicativos de celular para se comunicar com outros familiares de pessoas desaparecidas e postar fotos de sua filha, a quem procura há mais de 25 anos. Ela nunca deixou de buscá-la e encontrou apoio na convivência com outras mães que também buscam por seus filhos.
Temos acompanhado grupos de familiares que, como Dona Rosa, seguem ativos durante a pandemia, aprendendo novas habilidades e comunicando-se entre si.
Compartilhar sentimentos com quem passa pela mesma dor e trocar experiências faz com que os familiares sintam que não estão só. O apoio mútuo os ajuda a seguir adiante - como ocorre com o maratonista que recebe companhia durante parte da longa corrida. Por isso, facilitar o encontro entre familiares de pessoas desaparecidas é uma ação muito valiosa e potente. Expressar solidariedade, por pequenos gestos de empatia, também.
O desaparecimento de pessoas no Brasil e no mundo é uma realidade de muitas peças e elas ainda estão mais espalhadas do que seria desejável.
Há muitas circunstâncias geradoras, como as várias formas de violência, de conflitos armados, de catástrofes, entre outras. Os perfis das vítimas são diferentes e elas estão dispersas. Há muitas as autoridades com papel relevante a cumprir, e há também várias pontes a construir entre elas e entre elas e a sociedade civil.
Cada uma destas peças importa e o quanto mais puderem estar próximas, maiores as chances de localizar quem desapareceu e apoiar seus os familiares.
Neste dia 30 de agosto, o CICV apoia a comemoração em todo o mundo das pessoas desaparecidas e de seus familiares, recordando as autoridades e a sociedade de seu papel em relação com a busca das pessoas desaparecidas e o acompanhamento as suas famílias para que tenham uma resposta a suas múltiplas necessidades e ao seu direito a saber.