Juntos contra a violência sexual e de gênero

Discurso proferido pelo presidente do CICV. Manifestação conjunta sobre violência sexual e de gênero com Antônio Guterres, secretário-geral da ONU, e Julienne Lusenge, ativista congolesa pelos direitos das mulheres.

25 fevereiro 2019

O mundo enfrenta uma grave falha em termos de proteção: a incapacidade de trabalhar o enorme dano causado pela violência sexual e de gênero.

O Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e a Organização das Nações Unidas (ONU), embora trabalhem lado a lado em muitos lugares, raramente se manifestam em uníssono. No entanto, como você ouviu hoje, o Secretário-Geral e eu nos sentimos na obrigação, junto com Julienne Lusenge, de nos manifestar publicamente contra a violência sexual e de gênero e fazer um apelo urgente para a ação.

Hoje prometemos fazer o melhor para os sobreviventes de violência sexual e de gênero.

Exigimos o fim das atrocidades sexuais usadas como táticas de guerra.

Exigimos uma mudança nas atitudes que culpam os sobreviventes e não os perpetradores.

Exigimos uma maior proteção para as comunidades que estão em risco.

Sobre tudo, exigimos que os sobreviventes sejam ouvidos, levados a sério e que as suas necessidades sejam colocadas em primeiro lugar.

Este ano, no 70º aniversário das Convenções de Genebra, pedimos aos Estamos que reafirmem o seu compromisso com o Direito Internacional Humanitário (DIH).

A norma é clara: o estupro e outras formas de violência sexual são uma violação do DIH. As Convenções de Genebra tornaram essa proibição clara e universal e, ainda assim, 70 anos mais tarde, continuamos enfrentando a falta de respeito a esse comportamento e de responsabilização.

Os funcionários e voluntários do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho no mundo todo conhecem de perto o impacto devastador da violência sexual e de gênero contra mulheres, homens, meninas e meninos.

Trabalhamos com os sobreviventes desses atos hediondos, que incluem:

Mulheres e meninas entregues como gratificação de guerra;

Pais cujos filhos foram sequestrados e estuprados;

Jovens que fogem de desastres e conflitos e terminam sendo usadas como escravas sexuais;

E detidos que sofrem atrocidades sexuais empregadas como formas de tortura.

Vemos o dano enorme e duradouro que a violência sexual e de gênero causa: tanto física como psicologicamente. Com frequência, é cometida com a intenção de desumanizar e desonrar.

Também sabemos que existem violações que não vemos ou sobre as quais não ouvimos: a violência sexual é um crime ofuscado pelo tabu. Devido à culpabilização da vítima e o estigma contra ela, muitas vivem com esse constrangimento secreto. Sem denúncia, ele é encoberto e muitas vezes os perpetradores continuam livres.

Essas violações são atrozes. Deveríamos nos chocar - em vez de nos afastar horrorizados e incômodos - e deveríamos agir.

Os sobreviventes, as comunidades em risco e os defensores nos dizem que é preciso fazer muito mais. Nas comunidades afetadas pela violência, as jovens relatam que o maior medo delas é a violência sexual. E nos pedem para intensificar a ajuda.

Ouvimos os pedidos e devemos responder com toda urgência. As comunidades pedem segurança e proteção, acesso aos serviços de saúde e que os sobreviventes sejam tratados com respeito e dignidade. Hoje prometemos fazer mais.

Interagiremos com as comunidades com mais vigor e nos orientaremos pelas necessidades e desejos dos sobreviventes. Com muita frequência existe uma falta de investimento nos direitos, resiliência e capacidades dos sobreviventes.

Continuaremos apoiando tanto os sobreviventes como as suas organizações locais. Reconheço que os valentes funcionários da Cruz Vermelha, do Crescente Vermelho e da ONU, ONGs e defensores locais, como Julienne, que continua ajudando os seus irmãos e irmãs apesar das ameaças que recebe por realizar um trabalho que desafia o desequilíbrio de poder e as práticas sociais nocivas. Afirmo: o trabalho de vocês é valorizado, é crucial; continuem se empenhando para fazer a diferença. Continuarem apoiando vocês.

Em resposta às necessidades da comunidade, aumentamos os serviços de saúde mental e apoio psicossocial, assim como o apoio econômico. Trabalhamos com os sobreviventes que buscaram a nossa ajuda e chegaremos às comunidades para encontrar aqueles que sofrem em silêncio. Por meio dos princípios humanitários da neutralidade e da imparcialidade, trabalharemos com crianças e adultos, sem importar o gênero, qualquer que seja a sua definição.

Hoje o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) lança uma pelo de fundos para arrecadar 27 milhões de francos suíços para nos ajudar a responder melhor os casos de violência sexual em 14 países, incluindo a ampliação dos nossos serviços na Colômbia, melhorando as nossas respostas na Síria e oferecendo novos serviços na República Centro-Africana. Pela primeira vez, disponibilizaremos especialistas dedicados em seis países este ano para aumentar a coordenação da nossa resposta no terreno.

Estamos preocupados tanto com a prevenção como com a resposta. A violência sexual não é uma parte inevitável da guerra - e nem todos os atores armados estupram. Isso significa que as violações ao DIH podem ser prevenidas. Interagimos com os portadores de armas e as autoridades para entender essas práticas de abstenção, ter uma maior influência e prevenir as violações antes de que venham a acontecer.

Trabalhamos para proteger as comunidades no caminho que estão em perigo: o risco de abusos é mais alto após os desastres, para os migrantes vulneráveis e para as pessoas que vivem na pobreza. A Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV) aumentará o seu apoio às Sociedades Nacionais para fortalecer os serviços locais enfocados nos sobreviventes, incluindo assistência à saúde e a construção de moradia.

Como um conjunto, temos a responsabilidade de fazer melhor: os esforços atuais claramente não são suficientes. O CICV junto com o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e a ONU prometem hoje fazer mais para os sobreviventes e as comunidades em risco. A violência sexual e de gênero simplesmente é inaceitável: não podemos desapontar quem mais precisa de nós.