O que o Direito diz sobre as responsabilidades da potência ocupante no território palestino ocupado?
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As inúmeras normas do DIH que procuram proteger os civis, com maior destaque na Quarta Convenção de Genebra de 1949 (CG IV), expressão a importância fundamental do respeito pela pessoa humana e pelo caráter inviolável dos direitos básicos do indivíduo. O DIH contém normas desenvolvidas especificamente para aplicação em território ocupado. Um dos principais objetivos destas normas é atender as vulnerabilidades únicas dos civis nos territórios ocupados.
Para efeitos do DIH, a ocupação é um tipo de conflito armado internacional. As leis de ocupação estão contidas principalmente nos Regulamentos da Haia de 1907, na Quarta Convenção de Genebra de 1949 e no seu Protocolo Adicional I e também no DIH Consuetudinário.
A existência de uma ocupação é determinada unicamente com base nos fatos prevalecentes. O termo “ocupação” não tem qualquer conotação política e deriva exclusivamente do artigo 42 dos Regulamentos da Haia de 1907. Nos termos do DIH, três condições devem ser satisfeitas para determinar a existência de uma ocupação: a presença não autorizada de forças estrangeiras; a capacidade das forças estrangeiras de exercerem autoridade sobre o território em questão em vez do soberano local; e a incapacidade conexa deste último de exercer a sua autoridade sobre o território.
No seu conjunto, estes elementos constituem o “teste de controle eficaz” para determinar se uma situação se qualifica como uma ocupação para efeitos do DIH. A noção de controle efetivo de território estrangeiro está no cerne da noção de ocupação: é o controle efetivo que permite que as tropas estrangeiras cumpram os deveres que lhes são impostos pelo direito da ocupação.
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A posição de longa data do CICV é que, desde 1967, Israel ocupa a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e Gaza, que constituem o território palestino ocupado. No período posterior ao conflito armado internacional de 1967 entre Israel e os seus Estados vizinhos, as forças armadas israelenses começaram a exercer a sua autoridade sobre o referido território.*
O estatuto contestado de um território não impede a aplicabilidade do direito da ocupação. Se o território em questão está sob o controle de um soberano na véspera do início de uma ocupação é irrelevante e a controvérsia a respeito da condição de Estado da Palestina não tem qualquer influência nesta determinação legal. A ocupação existe no momento em que um território está sob o controle efetivo de um Estado que não é o soberano reconhecido do território. A disputa entre os beligerantes pela soberania sobre o território em questão não pode fazer com que seja negada à população ocupada a proteção que lhe é conferida pelo direito da ocupação. Assim, como Potência Ocupante, Israel está sujeito ao direito da ocupação beligerante.
*O nome oficial da Delegação é "Delegação do CICV em Israel e nos territórios ocupados". Os “territórios ocupados” compreendem a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, a Faixa de Gaza, as Colinas de Golã e as Fazendas de Shebaa. O CICV às vezes usa o termo “território palestino ocupado” para se referir à Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental e/ou Gaza especificamente. Este uso se baseia na padronização do termo, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) após o reconhecimento do direito à autodeterminação do povo palestino.
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Embora vários instrumentos e fontes do DIH contenham leis referentes à ocupação, as normas do direito da ocupação, em geral, compartilham a mesma lógica, que se fundamenta em quatro princípios gerais básicos:
Primeiro: a Potência Ocupante não adquire direitos soberanos sobre o território ocupado. Portanto, não pode provocar alterações no estatuto e nas características intrínsecas do território ocupado.
Segundo: a ocupação é uma situação temporária. A este respeito, a Potência Ocupante deve manter o status quo ante e não deve adotar políticas ou medidas que introduzam ou resultem em mudanças permanentes, em particular na esfera social, econômica e demográfica. Como resultado, os direitos e os deveres estabelecidos no direito da ocupação da Potência Ocupante também são temporários e estão limitados à duração da ocupação. Estas normas exigem essencialmente que a Potência Ocupante, durante o período temporário da ocupação, mantenha a vida tão normal quanto possível no território ocupado e administre o território em benefício da população local, levando em consideração as suas próprias necessidades de segurança.
Terceiro: as normas do direito da ocupação que regem o exercício dos poderes por parte da Potência Ocupante exigem sempre que esta tenha em conta e equilibre dois interesses: as suas próprias necessidades militares e, simultaneamente, as necessidades da população local. Este equilíbrio deve ser refletido pela Potência Ocupante na forma como administra um território ocupado e, mais genericamente, em todas as ações que toma e nas políticas que implementa nesse território. É importante ressaltar que, embora este equilíbrio possa às vezes se inclinar em favor das necessidades de segurança da Potência Ocupante, as normas do direito da ocupação nunca permitem que a Potência Ocupante desconsidere por completo as necessidades da população local nas ações que toma.
Quarto: em geral, as normas do direito da ocupação não permitem que a Potência Ocupante exerça a sua autoridade para promover os seus próprios interesses (além dos seus interesses militares) ou com vistas a utilizar os habitantes, os recursos ou outros bens do território que ocupa em benefício do seu próprio território ou população.
Estes quatro princípios gerais devem ser considerados em relação a todas as questões referentes ao direito da ocupação e respaldam as principais disposições desse conjunto de leis.
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Não. O direito da ocupação se baseia na natureza temporária e provisória da ocupação. A aquisição forçada de território implica o exercício da soberania sobre o território ocupado, modificando assim o status quo ante – o que é inconsistente com o direito da ocupação. Além disso, o território anexado fica sujeito à legislação do Estado que anexa, contrariando o âmbito limitado das competências legislativas da Potência Ocupante segundo a CG IV.
As anexações unilaterais contradizem a letra e o espírito do direito da ocupação, assim como os seus princípios subjacentes. A anexação não tem efeito sobre o estatuto jurídico dos territórios ocupados segundo o Direito Internacional, nem tem qualquer influência sobre a aplicabilidade do direito da ocupação beligerante. O DIH é claro: as pessoas protegidas continuam gozando de proteção independentemente de qualquer anexação.
As anexações formais unilaterais – como a anexação de Jerusalém Oriental – ou a anexação de fato de partes da Cisjordânia tiveram e continuarão tendo um sério impacto humanitário sobre as pessoas protegidas pelo DIH.
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A posição oficial do CICV é que a Cisjordânia está ocupada por Israel desde 1967. Por conseguinte, o CICV afirmou em diversas oportunidades que a política de assentamentos de Israel vai contra as principais disposições do DIH, especificamente o direito da ocupação, contrariando a sua letra e o seu espírito. A CG IV proíbe uma Potência Ocupante de transferir a sua própria população para os territórios sob a sua ocupação (ver artigo 49(6)). Portanto, a política de assentamentos de Israel na Cisjordânia contradiz a CG IV. A expansão dos assentamentos – seja através da expansão formal dos assentamentos existentes ou através da disseminação largamente descontrolada de postos avançados não autorizados – é a principal fonte de preocupações jurídicas e humanitárias na Cisjordânia. Estando presente há décadas no território palestino ocupado, o CICV é testemunha do impacto dos assentamentos.
O plano de assentamentos* resultou em violações adicionais do DIH e em consequências humanitárias para a população ocupada, incluindo expropriação, danos e destruição de propriedade privada, uso indevido de propriedade pública e deslocamento de palestinos. Os assentamentos restringem a liberdade de circulação dos palestinos e afetam o tecido social e econômico das comunidades. Limitam o acesso dos palestinos às suas terras agrícolas, recursos naturais e serviços médicos. Contribuem também para a violência entre os assentamentos israelenses e as comunidades palestinas. De acordo com a sua obrigação de restaurar e manter a ordem pública e a vida civil nos territórios ocupados, Israel tem a obrigação de proteger a população civil palestina contra a violência dos colonos e de punir os crimes cometidos contra os palestinos. Além disso, o CICV afirmou em diversas oportunidades que os ataques deliberados contra civis israelenses constituem uma clara violação do DIH. Reconhece o direito de Israel de tomar medidas para garantir a segurança da sua população. No entanto, estas medidas devem respeitar as normas pertinentes do DIH e do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH).
*O plano de assentamentos abrange todas as políticas, medidas, iniciativas e ações tomadas por Israel que resultaram ou contribuíram para o estabelecimento e expansão de assentamentos, incluindo postos avançados e infraestruturas de apoio, e que de alguma forma facilitaram expressa ou implicitamente ou de outra forma resultaram na transferência de cidadãos israelenses para território ocupado.
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Em geral, a destruição de propriedade privada por uma Potência Ocupante é proibida, exceto em determinadas circunstâncias. Isto inclui quando é absolutamente necessário para operações militares ou quando ditado por políticas de planejamento que devem beneficiar a população ocupada.
O CICV discute os casos de destruição de propriedade de maneira individual e confidencial. O DIH exige que uma Potência Ocupante administre o território ocupado de uma forma que permita o crescimento natural das suas comunidades. Os palestinos deveriam ser autorizados a construir nas suas próprias terras. O CICV também faz o possível para ajudar a população ocupada quando necessário.
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O uso da força em território ocupado deve ser avaliado, cada vez, de maneira individual.
Como Potência Ocupante, Israel deve garantir a ordem e a segurança públicas e pode tomar determinadas medidas para manter “o governo ordenado” no território ocupado. Quando se recorre ao uso da força como parte de operações de aplicação da lei, este é regido principalmente pelo DIDH, que se aplica em todos os momentos (tanto em tempos de paz como durante conflitos armados). Tais normas de aplicação da lei implicam uma gradação do uso da força e limitam o uso de armas de fogo e outras armas aos princípios de legalidade, necessidade, proporcionalidade, precaução e responsabilidade nas circunstâncias mais excepcionais, para evitar perdas de vidas humanas e prevenir uma nova escalada de violência. Como tal, a força letal só pode ser usada como último recurso e apenas quando houver uma ameaça iminente à vida.
Nos territórios ocupados, as forças armadas ou de segurança estão envolvidas não só em operações de aplicação da lei, mas também em hostilidades. Ambas as situações podem acontecer de forma simultânea. Como tal e, paralelamente à aplicação do DIDH, determinadas operações podem ser regidas pelas normas do DIH referentes à condução de hostilidades apenas nos casos em que o uso da força estiver dirigido contra alvos legais em um contexto de hostilidades armadas. Ao passo que qualquer uso da força contra pessoas protegidas contra ataques diretos continuaria sendo regido pelas normas mais restritivas referentes ao uso da força em operações de aplicação da lei. Em caso de dúvida, deve-se adotar o enfoque de aplicação da lei, uma vez que continua sendo o paradigma do uso da força que se aplica por norma no território ocupado.
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O CICV considera que Gaza continua sendo um território ocupado com base no fato de Israel ainda exercer um controle efetivo sobre a Faixa, em particular através de elementos-chaves de autoridade sobre esta, incluindo as suas fronteiras (espaço aéreo, marítimo e terrestre – com exceção da fronteira com o Egito).
A este respeito, o DIH exige – no mínimo – que Israel garanta, da forma mais completa possível, que as necessidades básicas da população de Gaza sejam satisfeitas. Em particular, deve garantir que Gaza seja abastecida com alimentos, medicamentos e outros artigos básicos necessários para permitir que a população viva em condições materiais adequadas (artigo 55 da CG IV).
Como Potência Ocupante, Israel tem o direito de tomar medidas de controle e segurança (artigo 27 da CG IV) em relação às pessoas protegidas. A este respeito, embora Israel tenha o direito de impor restrições ao fluxo de determinadas mercadorias para Gaza por razões legítimas de segurança, a sua obrigação incondicional de tratamento humano para com a população de Gaza exige que se respeite o princípio da proporcionalidade em todas as circunstâncias. A natureza e a extensão das restrições devem ser justificáveis com base em considerações de segurança e as consequências para a população devem ser proporcionais ao objetivo legítimo de garantir a segurança de Israel.
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O CICV está presente em Israel e nos territórios ocupados (incluindo Golã, Cisjordânia e Faixa de Gaza e nas Fazendas de Shebaa) desde 1967. Como organização humanitária neutra, imparcial e independente, promovemos o cumprimento do DIH e trabalhamos para mitigar o impacto dos conflitos armados, de outros tipos de violência e da ocupação sobre os civis através das nossas atividades de proteção e programas de assistência.
Mais de 10 meses após o início das hostilidades renovadas entre Israel e o Hamas, em 7 de outubro, a violência – sem precedentes em escala e natureza – continua causando um imenso custo humano em Israel e no território palestino ocupado.
Com base no seu forte mandato e presença de longa data e, em um princípio, aproveitando a sua capacidade inata para emergências, o CICV rapidamente ajustou e intensificou a sua resposta para atender às novas necessidades em Israel e Gaza. Também intensificou a sua resposta na Cisjordânia para enfrentar às consequências humanitárias de um aumento acentuado da violência, intensificando ainda mais a capacidade das pessoas para lidar com o impacto das políticas e práticas de ocupação duradouras.
O CICV trabalha em estreita coordenação com os seus parceiros do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, em particular a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino e Magen David Adom de Israel. Trabalha também em estreita colaboração com prestadores de serviços locais, comunidades e outros parceiros no terreno.
O CICV se empenha para prevenir, mitigar e abordar as consequências humanitárias do conflito armado em curso através dos seus diferentes serviços. Entre 7 de outubro de 2023 e 30 de junho de 2024, o CICV:
- Facilitou a liberação, a transferência e o regresso de 109 pessoas tidas como reféns de Gaza às suas famílias.
- Facilitou a liberação, a transferência e o regresso de 154 pessoas detidas da Palestina de lugares de detenção israelenses às suas famílias.
- Monitorou o respeito pelo DIH em Israel e nos territórios ocupados, levantando preocupações junto às partes em conflito e fazendo recomendações concretas para prevenir violações do DIH e minimizar o sofrimento humano, como parte do nosso diálogo bilateral e confidencial contínuo.
- Ajudou cinco mil pessoas em Hebron a terem acesso a sistemas melhorados de águas residuais e drenagem, dando apoio técnico e material ao município de Hebron, na Cisjordânia.
- Apoiou a Autoridade Palestina para a Água na Cisjordânia para permitir que seis mil pessoas no vilarejo de Qariout e 13 mil pessoas no vilarejo de Burin tivessem melhor acesso à água.