Protegendo os serviços de assistência à saúde: os acadêmicos assumirão o desafio?
A Universidade de Palacký, na República Tcheca, está dando um excelente exemplo de como os acadêmicos podem trabalhar a questão da violência contra os profissionais e os estabelecimentos de assistência à saúde. Em maio de 2017, a universidade organizou uma conferência para discutir a questão a partir da perspectiva de países do centro e leste da Europa. Co-organizada com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e a Cruz Vermelha Tcheca, a conferência reuniu representantes de governos, militares, setor de assistência à saúde, organizações não governamentais, outras Sociedades Nacionais e acadêmicos. Agora, a universidade está incorporando as principais mensagens da iniciativa Assistência à Saúde em Perigo no seu programa. Conversamos com Ivana Oborna, vice-reitora de Relações Internacionais, para saber um pouco mais sobre o assunto.
Como a senhora tomou conhecimento da iniciativa Assistência à Saúde em Perigo?
Conheci o projeto Assistência à Saúde em Perigo alguns anos atrás, quando participei de um encontro sobre conflitos armados contemporâneos na sede do CICV, em Genebra. Desconhecia a questão da violência contra os profissionais e os estabelecimentos de saúde antes disso. O que mais me chocou foi a escala do problema e o sofrimento causado. Também ficou claro para mim o importante que era tomar medidas para preparar e prevenir a violência, de modo a gestioná-la melhor no caso de acontecer e quando acontecer; e como a conscientização era fundamental para esses esforços. Como acadêmica, imediatamente pensei que poderíamos representar um papel importante na difusão dessa iniciativa.
Que papel as universidades podem representar na proteção dos serviços de assistência à saúde?
São necessárias discussões abertas sobre as diferentes facetas da violência contra os profissionais e estabelecimentos de saúde - as causas, vítimas, perpetradores e impacto - para identificar e elaborar mecanismos de prevenção e resposta. As universidades podem oferecer um lugar seguro para a discussão de temas delicados como esses, mesmo se, finalmente, as decisões forem tomadas em outro lugar. Incorporar mensagens da iniciativa Assistência à Saúde em Perigo no programa da universidade e usar as amplas redes acadêmicas para conscientizar e compartilhar conhecimento também são passos na direção correta.
Também ficou claro para mim o importante que era tomar medidas para preparar e prevenir a violência, de modo a gestioná-la melhor no caso de acontecer e quando acontecer; e como a conscientização era fundamental para esses esforços.
Quando a senhora decidiu organizar uma conferência sobre essa questão?
Quando voltei de Genebra, após a reunião, compartilhei as minhas ideias iniciais com os meus colegas sobre como conscientizar sobre a questão da violência contra os profissionais e estabelecimentos de saúde. Mas havia um outro aspecto que eu não considerei. Quando começamos a discutir a questão da República Checa, descobrimos que a falta de conscientização era apenas uma parte do problema: outro desafio importante era a falta de coordenação entre os diferentes serviços de saúde nos níveis nacional e internacional (incluindo serviços civis/militares, pré-hospitalares/hospitalares e públicos/particulares).
Tivemos a ideia de organizar uma conferência na Universidade de Palacký para reunir todas essas pessoas. Pensamos que essa conferência ofereceria uma plataforma para compartilhar experiências e discutir possíveis soluções entre as pessoas que normalmente não se encontram. Quando vimos que seria relevante para outros países de região, decidimos abri-la para incluir participantes de outros países do centro e leste europeus.
Foi difícil reunir convencer as pessoas dessa ideia?
Realmente, difere de uma pessoa para outra. Por exemplo, levou mais tempo para os representantes do governo e os militares para confirmarem presença porque dependiam da aprovação dos seus superiores. É importante considerar um tempo extra para essas pessoas. Com as universidades, no entanto, é completamente diferente: elas estavam abertas para explorar novas áreas e parcerias, e os acadêmicos responderam rápido à ideia.
Quais são os próximos passos para discutir a violência contra os profissionais e estabelecimentos de saúde?
Primeiro, precisamos manter as pessoas engajadas na questão. Dar-lhes a oportunidade de compartilhar o seu conhecimento e experiência, como fizemos na nossa conferência, é uma parte importante. Definitivamente, seria válido replicar o que fizemos em outras redes acadêmicas; espero que outras universidades assumam o desafio.
Parece que iniciativas que relacionam esferas civis e militares com os serviços de saúde civis e militares interessam não somente a todos os participantes, mas também às autoridades. Esta é uma outra maneira das universidades ajudarem a abordar a questão da violência contra os profissionais de saúde.
Também precisamos encontrar formas de promover as iniciativas ou eventos realizados em outros países, já que muitas vezes passam desapercebidos. A iniciativa Assistência à Saúde em Perigo lançou uma Comunidade de Interesse, que inclui uma plataforma on-line para compartilhar informações, a qual tampouco é amplamente conhecida. A excelente iniciativa CitizenAID no Reino Unido poderia servir de modelo para envolver mais o público. É importante refletirmos sobre as experiências de outros e fortalecer as lições aprendidas.
Os enfoques para abordar a violência contra os profissionais e os estabelecimentos de saúde devem ser incorporados no programa acadêmico de Medicina, Direito, Jornalismo, etc. Já começamos a fazer isso na Universidade de Palacký: as principais mensagens da iniciativa Assistência à Saúde em Perigo foram incorporadas ao programa básico do curso de Medicina Geral que começou no outono de 2017. Outro bom exemplo é o Campo PEIRA, uma simulação da vida real de um refugiado em um conflito armado não internacional, organizada pela nossa faculdade de Direito em outubro de 2017. Essa simulação reuniu alunos de diferentes faculdades (Direito, Medicina, etc.) da nossa universidade e de outras no país, além de representantes do Exército tcheco, da Cruz Vermelha Tcheca, da Agência das Nações Unidas para Refugiados e CICV. Foi muito bem recebida. Parece que iniciativas que relacionam esferas civis e militares com os serviços de saúde civis e militares interessam não somente a todos os participantes, mas também às autoridades. Esta é uma outra maneira das universidades ajudarem a abordar a questão da violência contra os profissionais de saúde.