Resiliência e Capacidade de Resposta Rápida Garantem Retomada do Trabalho Operacional com Migrantes

Resiliência e Capacidade de Resposta Rápida Garantem Retomada do Trabalho Operacional com Migrantes

Relatório 24 março 2022
Balanço Humanitário 2021

A reabertura da fronteira entre Brasil e Venezuela, em junho de 2021, após 15 meses de bloqueio como medida de prevenção à pandemia, representou um novo momento de adaptação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para a continuidade das atividades desenvolvidas no lado brasileiro da fronteira, localizado em Roraima

Em 2021, a organização aumentou seu alcance para garantir as operações, as respostas às necessidades e a proteção das populações afetadas e colaboradores. A resiliência e capacidade de resposta do escritório aberto no estado trouxeram resultados expressivos no apoio a migrantes, nas buscas e contatos com familiares, bem como na transmissão de documentos. Garantir o acesso à água potável e a estruturas de saneamento dignas foram outros grandes focos de trabalho.

"A população migrante está em situação de alta vulnerabilidade. Por isso, tivemos que adaptar nossa forma de trabalho para proteger funcionários e população atendida, mantendo nossa operacionalidade na região. Não paramos de trabalhar durante a pandemia", conta o chefe de Operações da Delegação Regional do CICV para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai do CICV, Laurent Reza Wildhaber.

Nos municípios de Boa Vista e Pacaraima, o CICV fez adequações às atividades com protocolos específicos que buscassem manter a proteção das pessoas diante da continuidade da pandemia. Com isso, foi possível, garantir não apenas o funcionamento, mas também a ampliação da Proteção de Vínculos Familiares — serviço prestado em vários países pelo Comitê para contribuir com a manutenção dos vínculos familiares e evitar desaparecimentos, permitindo que pessoas em situação de vulnerabilidade informem às suas famílias sobre seu paradeiro e mantenham contato com os entes queridos por meio de serviços de conectividade, como chamadas telefônicas, acesso à internet e recargas de bateria, e de buscas familiares.



Atendimento do Serviço Restabelecimento de Laços Familiares é adaptado para funcionar durante a Pandemia. Foto: Benjamin Mast/CICV

"O cuidado com o migrante é importante em toda a região e vai continuar sendo nos próximos anos. Queremos realmente que os vínculos entre famílias sejam mantidos como uma unidade que tem de ser protegida. A capacidade das pessoas de estar com sua família, de se comunicar com seus familiares, de permanecer em contato apesar da migração, apesar da violência armada, é algo importante para sua resiliência e capacidade de enfrentar as adversidades", destaca Alexandre Formisano, chefe da Delegação regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.

A maior parte das pessoas atendidas pelo CICV, no norte do Brasil, vem da Venezuela, e, por essa razão, a maioria das ligações e contatos são feitos para este país. Em segundo lugar, aparecem chamadas feitas para dentro do território brasileiro, uma vez que muitos familiares de migrantes já seguiram para outras regiões do Brasil. O papel do CICV torna-se ainda mais relevante diante do fato de que 80% dos usuários dos serviços ofertados não possuem telefone e, dos que possuem, apenas 30% possuem acesso à internet no aparelho. Além disso, quase metade dos usuários dos serviços (48%) tem o RLF como único meio de comunicação com seus familiares.

"Os serviços de restabelecimento de laços familiares são essenciais para as pessoas migrantes, e precisam ser adequados a cada realidade. No caso de migrantes indígenas vivendo em abrigos, por exemplo, é muito importante termos regularidade nos dias em que oferecemos nosso atendimento. Muitas de suas famílias vêm de áreas bastante remotas na Venezuela, com sinal de celular instável, e compartilham aparelhos celulares entre as pessoas da comunidade. Assim, os familiares já ficam a postos nos dias em que disponibilizamos os serviços de telecomunicações, esperando o contato de um ente querido no Brasil", explica Viani González, chefe do escritório do CICV em Roraima. Ela acrescenta que, durante 2021, a equipe ofereceu atendimento diário ou semanal, para proteção dos vínculos entre famílias em mais de 25 espaços entre Boa Vista, Pacaraima e Manaus.

O restabelecimento de contatos entre familiares também aconteceu a partir da resolução de casos de busca de familiares desaparecidos. Em 2021, o CICV apoiou ajudou mais 33 familiares migrantes a saber o paradeiro de seus entes queridos.

Em Manaus (AM), onde o RLF também é ofertado a migrantes em postos de conectividade, o CICV apoiou, ao longo do ano, a transferência do serviço para a Cruz Vermelha Brasileira (CVB). O chefe do escritório do CICV em Roraima, Michael Pfister, explica: "em outros países, em geral, esse serviço é oferecido pela Cruz Vermelha nacional", comenta. Em 2022, a expectativa é que CICV e CVB aumentem ainda mais seu trabalho conjunto no norte do país, de modo que a CVB também passe a gerir ao menos parte dos serviços ofertados em Roraima.

 

Ação Integrada com a Cruz Vermelha para a População Migrantes na Região

Além do trabalho no norte do Brasil, o CICV reforçou o atendimento às necessidades das famílias separadas, sobretudo das populações migrantes vivendo na Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai, em um trabalho direto com as Sociedades Nacionais, de acordo com suas capacidades e com as respostas humanitárias necessárias.


"2021 foi um ano para consolidar todo o nosso trabalho e refletir como fazer melhor, de uma forma mais inclusiva, mais focada nas necessidades específicas das pessoas que servimos e até mais estratégica para responder con eficácia e rapidez", avalia Rita Palombo, coordenadora de Proteção da Delegação para a Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai do CICV.

A crise migratória na região pede por uma resposta humanitária integrada e efetiva. A Cruz Vermelha do Chile, terceiro país que mais recebe migrantes venezuelanos, contou com um apoio operacional e fortalecimento das capacidades da Sociedade Nacional à distância. "A crise migratória tem tido um impacto muito grande no Chile e não existe um mecanismo de acolhimento e apoio na fronteira, sendo a mais afetada aquela com Bolívia em Colchane. Isso representa um grande ponto de atenção para nós", pontua a coordenadora de Proteção. Ela também destaca que as manifestações violentas e situações de xenofobia são outros temas de preocupação.

Em 2022, vamos intensificar nosso trabalho com um acompanhamento local durante alguns meses. Temos a expectativa de reforçar capacidades na área da Proteção de Vínculos Familiares e de resposta às necessidades de proteção, levando a cabo avaliações de necessidades e respostas de acordo com as necessidades identificadas

Na Argentina, a Sociedade Nacional construiu uma resposta sólida na área da Proteção de Vínculos Familiares, incluindo aspectos de proteção, gênero e inclusão nas suas ações... "A Cruz Vermelha Argentina trabalha muito com atemática LGBTIQIA+. Nossos colegas elaboraram formulários inclusivos que permitem levar em conta o processo de transição da pessoa que é beneficiária dos serviços de Proteção de Vínculos Familiares. Isso foi feito envolvendo as pessoas concernidas e construindo serviços adequados a suas necessidades. Trata-se de um trabalho inovador que serve de inspiração na região, conta a coordenadora de Proteção. Com o intuito de apoiar este trabalho e reforçar sua importância, ao longo de 2021, o CICV realizou sessões com a Cruz Vermelha Argentina e com a Federação sobre a temática de proteção, gênero e inclusão.

A Cruz Vermelha Uruguaia também recebeu forte apoio na construção de capacidades, sobretudo na perspectiva do fortalecimento do trabalho focado na proteção dos vínculos entre famílias.

Proteção e Acolhimento das Pessoas em Situação de Vulnerabilidade

A reabertura das fronteiras entre Brasil e Venezuela, em junho de 2021, e o aumento da entrada oficial de migrantes no norte brasileiro intensificou a necessidade de atenção à proteção das pessoas vivendo em situação de vulnerabilidade e o seu acolhimento.

De acordo com Pfister, houve um aumento de migrantes vivendo nas ruas de Pacaraima e Boa Vista (RR), gerando novos desafios para a resposta às necessidades dessas pessoas. As pessoas migrantes, que já estão em uma situação de vulnerabilidade, também foram confrontadas com um aumento da criminalidade, o que os expõe a maiores riscos. Para ajudá-los, o CICV aumentou a interlocução com outras instituições, como a polícia, e acompanhou casos de migrantes vítimas de violência armada, prestando-lhes assistência.

Em 2021, o CICV encerrou o trabalho, iniciado em 2019, de resposta às necessidades das populações migrantes afetadas pela violência armada ao longo da rota migratória no norte do Brasil, assim como no seu acolhimento em Roraima. Após dois anos de resposta constante e de diálogo com as autoridades para lembrar sua obrigação de proteger e assistir a população afetada pela violência e migração, o CICV resolveu focar sua ação na área da Proteção de Vínculos Familiares, considerando a existência de outros atores humanitários envolvidos nesta temática.

Além disso, pensando em cuidar do bem-estar de quem está na linha de frente do acolhimento, especialmente de quem acolhe crianças e adolescentes, o CICV fez uma avaliação de suas necessidades em saúde mental e organizou pela primeira vez no estado de Roraima uma oficina voltada a esses profissionais .
"É essencial que esses profissionais possam receber preparação e apoio adequados para se sentirem bem emocionalmente, além de poder oferecer um cuidado de qualidade às crianças e adolescentes", explica a responsável pelo programa Saúde Mental e Apoio Psicossocial do CICV para Brasil e países do Cone Sul, Renata Reali. "As pessoas que atuam na linha de frente de serviços de acolhimento de crianças e adolescentes podem vivenciar situações de dificuldades, estresse e angústias, devido à natureza de seus trabalhos."

O CICV continuou seu trabalho com o apoio de outros atores e das autoridades na proteção de menores desacompanhados ou separados. Fornecendo serviços de Proteção de Vínculos Familiares de RLF individualizados e contribuindo para a salvaguarda de seus direitos, em 2021, o CICV registrou e acompanhou 40 menores desacompanhados.

Documentação e Gestão de Restos Mortais

A garantia de documentação adequada para migrantes é mais um desafio com o qual o CICV lida na fronteira. A falta de documentação pode dificultar, por exemplo, o efetivo acesso a direitos e a participação em processos que buscam apoiar a integração local da pessoa migrante, como a interiorização. Em outra instância, no caso do falecimento de uma pessoa migrante, a falta de documentação pode dificultar a correta identificação da pessoa falecida, o apoio à sua família e a gestão de seus restos mortais. Em Roraima, este trabalho faz parte do Programa de Proteção de Vínculos Familiares), uma área de trabalho multidisciplinar que abrange os serviços de conectividade e busca ativa de familiares separados, de transmissão de documentos de migrantes, as gestões forenses, entre outros, e preocupa-se em evitar o desaparecimento de pessoas em rotas migratórias. Em 2021, o CICV colaborou em 56 respostas à demanda de transmissão de documentos – maior número registrado até hoje desde o início do trabalho do CICV na fronteira. A "ação forense humanitária", por sua vez, tem como objetivo assegurar a gestão adequada e digna das pessoas falecidas e prevenir desaparecimentos. É voltada a dar respostas à dor dos familiares, contribuindo para seu direito de conhecer o paradeiro de seus entes queridos.
Para o CICV, quando as pessoas morrem durante uma situação de conflito armado, violência, desastre ou migração, os seus corpos devem ser tratados com respeito e dignidade. Os restos mortais devem ser encontrados, recuperados e identificados. A ação humanitária inclui essas tarefas e a ciência forense oferece as ferramentas e as competências necessárias para realizá-las. No mundo inteiro, o CICV oferece assessoria às autoridades locais e aos profissionais de ciências forenses para que busquem e identifiquem pessoas falecidas utilizando desde a análise de impressões digitais à arcada dentária do desaparecido. "Como o trabalho do CICV é reconhecido em todo o mundo, podemos construir essas pontes entre as autoridades para que elas possam dialogar entre si e compartilhar informações de uma determinada pessoa, levando à correta identificação dela", conta Frederico Mamede, assessor forense da Delegação para a Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai do CICV. Outra importante contribuição à área forense em 2021 foi a doação de mais de 2 mil sacos mortuários, luvas de procedimento e cirúrgicas para o Instituto Médico Legal em Roraima e o Instituto de Identificação, além de insumos específicos para o Laboratório de Genética. A dificuldade de acesso à Roraima faz com que faltem materiais essenciais para a correta gestão de corpos. "Receber essas doações é muito importante, e essa foi expressiva. Nunca havíamos recebido tantos materiais de uma vez", agradeceu a diretora do IML em Roraima, Marcela Campelo. "O CICV nos ajuda tanto com materiais quanto entrando em contato com as famílias dos migrantes", concluiu.

Água Potável



Em Pacaraima (RR), o CICV trabalha para facilitar o  acesso à água potável e ao saneamento, problema comum enfrentado tanto pela população acolhedora como por pessoas migrantes. Foto: Benjamin Mast/CICV

Outro destaque na região fronteiriça no norte do Brasil é o trabalho de assistência desenvolvido pelo CICV, com foco no acesso à água potável e a estruturas de saneamento dignas. As ações se concentram sobretudo em Pacaraima, município que faz fronteira com a Venezuela, onde a questão de abastecimento tem sido um problema enfrentado tanto pela população acolhedora como por pessoas migrantes que chegam ao município diariamente.

Para garantir que a população acesse ambientes saudáveis e seguros, promovendo saúde ambiental e qualidade de vida, a organização tem atuado junto com parceiros na melhoria da infraestrutura de locais que oferecem acolhimentos e serviços a migrantes e à população acolhedora, tais como, escolas públicas, creches, centros de saúde, igrejas, espaços comunitários, abrigos, comunidades indígenas e uma penitenciária agrícola.

Em 2021, essa atuação contemplou atividades como construção de cozinhas, banheiros e lavanderias, doações de materiais para a melhoria de sistemas elétricos e iluminação, perfuração de poços artesianos e instalação de sistemas de bombeamento solar, construção de reservatórios de água e sistemas de tratamento de esgoto e capacitação da população para o correto manejo das estruturas. Somente neste ano, quase 7000 pessoas se beneficiaram diretamente dessas ações.

95.144 chamadas telefônicas
28.181 acessos à internet
32.259 recargas de bateria
58 solicitações de buscas por familiares abertas
Destas, 33 foram fechadas com sucesso.
136 pedidos de transmissão de documentos abertos
Destas solicitações, 56 já foram atendidas.