
Sahel: crise alimentar intensificada por conflitos vai piorar em período de escassez

Pelo menos 2 milhões de pessoas foram deslocadas nesses quatro países devido a conflitos armados; 70% estão em Burkina Fasso, onde a insegurança obrigou quase 10% da população – 1,8 milhão de pessoas – a abandonar a própria casa[1].
Quando são forçadas a se deslocar, populações que já viviam uma situação frágil se tornam extremamente vulneráveis. Ao perder o acesso a suas terras para cultivar ou pastorear, comunidades inteiras passam a depender de ajuda para sobreviver, especialmente para obter alimentos e água.
A situação é particularmente preocupante para milhões de pessoas da região que continuam em áreas inacessíveis para as organizações de ajuda devido à insegurança. Algumas populações, em especial nas cidades de Pama, Mansila, Kelbo, Madjoari e Djibo, em Burkina Fasso, enfrentam situações dramáticas. Confinadas em espaços cada vez mais lotados e impossibilitadas de fugir, essas pessoas já enfrentam uma grave crise alimentar.
"A violência no Sahel não apenas intensifica a crise alimentar; em muitos lugares, ela provoca a crise. A situação é de suma importância, e o período de escassez pode ser catastrófico se não for feito um esforço conjunto para ajudar os milhões de pessoas afetadas", disse o diretor regional do CICV para a África, Patrick Youssef.
A região, que enfrenta os efeitos negativos da mudança do clima, também é assolada pela seca mais severa em décadas. A escassez recorde de chuva – comparável ao período seco de 2011 que levou a milhares de mortes – provocou uma queda acentuada na produção agrícola.
O Níger e a Mauritânia produziram 40% menos alimentos do que a média de cinco anos; no Mali, a queda foi de 15%; em Burkina Fasso, de 10%[2].
A produção de biomassa da Mauritânia chegou a cair 80% nas áreas afetadas por incêndios florestais e pela seca.
Conflito é uma das principais causas da insegurança alimentar
Mais de 80% da população do Sahel depende da agricultura para sobreviver[3]. Quando a violência acomete uma região, muitas vezes as pessoas precisam fugir, o que significa que safras deixam de ser plantadas, cuidadas ou colhidas, e comunidades inteiras correm o risco de enfrentar penúria alimentar ou fome.
No Mali, na região da tríplice fronteira de Liptako-Gourma, 80% das terras cultiváveis foram perdidas em mais de 100 povoados, porque os cultivos foram destruídos e as pessoas foram obrigadas a fugir. Nosso monitoramento pós-colheita nas províncias de Yatenga e Loroum, em Burkina Fasso, mostrou perdas de até 90% da safra[4].
Nas regiões setentrionais de Burkina Faso, entre 30% e 50% das terras cultivadas foram perdidas devido à insegurança; no Níger, nas regiões de Tilaberi e Tahoua, centenas de milhares de pessoas perderam seu meio de subsistência quando a ameaça de violência impossibilitou o acesso às terras cultiváveis e povoados inteiros tiveram que se deslocar para outros lugares do país.
Falta de acesso à água agrava situação
Em Burkina Faso, a crise hídrica é nacional. Em certas regiões afetadas por conflitos, pontos de captação de água estão sendo destruídos, enquanto a deterioração da infraestrutura hídrica em outros lugares provoca um forte impacto na vida cotidiana das pessoas.
"Em alguns lugares de Burkina Fasso, as pessoas passam 72 horas numa fila para ter acesso aos pontos de captação de água. A vida delas gira completamente em torno de obter água. Caso a situação piore ainda mais, há uma possibilidade real de que pessoas e animais morram de sede", disse Youssef.
A violência e o conflito também perturbaram as rotas tradicionais de transumância – uma forma de pastoreio ou nomadismo que acompanha o deslocamento dos rebanhos. Pastores mauritanos costumavam migrar para o Mali em busca de pastagens e água. A violência torna estas rotas tradicionais inacessíveis e coloca em risco os rebanhos e os meios de subsistência.
Soluções inovadoras
Centenas de milhares de pessoas estão presas em áreas do Sahel que são inacessíveis para o CICV e para outras organizações de ajuda devido à insegurança, e o destino delas é particularmente preocupante. "A resposta deve chegar a quem precisa e ser entregue de forma a reduzir, em vez de exacerbar, as tensões. A organização humanitária deve poder operar livremente e com segurança nesses ambientes", disse Youssef.
Com o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, o CICV está ampliando sua resposta em toda a região para ajudar os mais vulneráveis. A organização também busca soluções de longo prazo que ajudem as populações a se adaptarem e se tornarem mais resistentes aos choques climáticos e às consequências de conflitos prolongados.
O CICV organizará com o Banco Africano de Desenvolvimento um evento paralelo à 15.ª sessão da Conferência das Partes (COP15), da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, no dia 12 de maio de 2022, em Abidjan, sobre como romper o ciclo da insegurança alimentar na África.
"Embora seja imperativo responder a esta crise, pensar simplesmente em termos de emergência mantém as pessoas dependentes da assistência, e o ciclo de sofrimento se repetirá", disse Youssef.
"Agentes de desenvolvimento, governos e organizações humanitárias devem unir forças para apresentar soluções novas e inovadoras que fortaleçam os sistemas existentes e forneçam ferramentas para que as pessoas deixem de depender da ajuda."
Mais informações:
Halimatou Amadou, CICV Dakar, tel: +221 78 186 46 87
Tarek Wheibi, CICV Niamei, tel: +227 828 112 71
[2] Rede de Prevenção de Crise Alimentar (RPCA), em inglês