Declaração

Regras Mínimas Padrão para o Tratamento de Prisioneiros – processo de revisão

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) participará como observador, na qualidade de especialista, da Quarta Reunião do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (Regras Mínimas), que será realizada na Cidade do Cabo, África do Sul, de 2 a 5 de março de 2015. O documento abaixo expõe as razões para a participação do CICV e ressalta os pontos sobre os quais a organização tem especial interesse.

Informações gerais

O CICV é conhecido pela realização de visitas a pessoas detidas em conexão com conflitos armados internacionais e não internacionais, para o qual tem o mandato especial de monitorar o respeito pelo Direito Internacional Humanitário (DIH). O CICV também toma medidas em favor de pessoas privadas de liberdade em outros contextos caracterizados por violência, tensão social e distúrbios.
Em 2014, a organização realizou atividades relacionadas com a detenção em mais de 90 contextos operacionais. Essas atividades incluíram o monitoramento da situação de pessoas detidas sob a jurisdição de cortes e tribunais internacionais. No mesmo ano, delegados do CICV realizaram mais de 4,5 mil visitas a cerca de 1,6 mil centros de detenção, o que permitiu que tivessem contato com mais de 800 mil pessoas privadas de liberdade.

A prioridade do CICV é garantir que os detidos sejam tratados com humanidade e respeito pela sua dignidade, independentemente do motivo da sua detenção.

Com mais de 11 milhões de pessoas vivendo encarceradas atualmente e indícios preocupantes de que a situação nos presídios tem piorado no mundo todo, o CICV está mais comprometido do que nunca a ajudar a melhorar o respeito pela vida e pela dignidade das pessoas privadas de liberdade. A organização continuará trabalhando com as autoridades detentoras, incentivando-as a tomar as medidas necessárias para assegurar a humanidade do tratamento e das condições de detenção. Além do seu diálogo bilateral e confidencial com as autoridades envolvidas, o CICV realiza ações relativas a indivíduos detidos, estruturas, instituições e marcos regulatórios, assim como intervenções materiais ou técnicas para ajudar a atender as necessidades humanitárias.

O CICV acolhe todos os esforços para assegurar que o direito internacional e os padrões reconhecidos internacionalmente em matéria de proteção a prisioneiros continuem fornecendo orientações atualizadas sobre o respeito à dignidade inerente aos prisioneiros e ao seu valor como seres humanos.

No momento em que este documento é redigido, dois esforços importantes, embora distintos, estão em andamento.

  • Uma iniciativa, liderada pela Comissão das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Justiça Criminal, busca revisar as Regras Mínimas Padrão para o Tratamento de Prisioneiros (link em inglês), aprovadas em 1957. Esse texto procura estabelecer os bons princípios e práticas para o tratamento de prisioneiros 'criminais, civis, não julgados ou condenados', incluindo 'pessoas detidas ou presas sem acusação'.
  • Outra iniciativa, liderada pelo CICV, concentra-se exclusivamente na detenção em conexão com conflitos armados não internacionais, na qual a autoridade detentora pode ser um Estado ou um ator não estatal.

Nos casos em que lidam com a proteção básica para as pessoas privadas de liberdade, as normas do DIH e de direitos humanos são bastante semelhantes, embora com nuances de escopo e foco. O CICV espera, portanto, que esses dois processos levem a soluções semelhantes em uma série de questões.

O CICV e a revisão específica das Regras Mínimas

O processo liderado pela ONU responde à resolução A/RES/65/230 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de dezembro de 2010, e à resolução E/RES/2012/13 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, de julho de 2012. Elas convidam um grupo intergovernamental de peritos a considerar, entre outros aspectos, as regras mínimas existentes para o tratamento de prisioneiros a fim de que reflitam as melhores práticas e os recentes avanços na ciência correcional, bem como a fazer recomendações.

O CICV tem acompanhado a revisão das Regras Mínimas e continuará participando desse processo, já que elas são um parâmetro essencial para avaliar em que medida os Estados alcançaram padrões mínimos de proteção à vida e à dignidade das pessoas privadas de liberdade. Essas regras são uma importante fonte de inspiração e orientação sobre os tipos de soluções que devem ser aplicadas em centros de detenção, e os tipos de disposições necessárias que devem ser incorporadas às leis, regulações e práticas nacionais a fim de guiar as administrações penitenciárias e outros órgãos estatais responsáveis pela gestão dos centros de detenção.

Portanto, é de extrema importância que as Regras Mínimas Padrão reflitam os avanços feitos desde 1957 através de tratados específicos e padrões mínimos não convencionais relacionados à detenção e que reflitam o progresso da ciência correcional e as melhores práticas. O CICV espera que o processo de atualização de determinados aspectos das Regras Mínimas prossiga com os exames e as revisões das normas existentes tendo esses objetivos em mente. Nesse sentido, a organização apoia plenamente os princípios que devem nortear o processo contínuo de revisão. Qualquer mudança nas regras não deve diminuir quaisquer padrões em vigor, e sim melhorá-los, de modo a promover a segurança e o tratamento humano dos prisioneiros.

A fim de garantir a proteção do prisioneiro, é de fato necessário oferecer orientações operacionais práticas e atualizadas para assegurar:

  • o tratamento justo e humano dos prisioneiros, a sua segurança e a sua proteção contra tortura, outras formas de maus-tratos, tratamento arbitrário ou outras formas abusivas de punição e outros abusos de poder;
  • condições de detenção humanas e dignas, incluindo alojamento, espaço, acesso a ar livre, água, alimentos, higiene e outros bens essenciais em qualidade e quantidade suficientes, assim como a possibilidade de que os prisioneiros participem de várias atividades significativas;
  • acesso adequado à assistência médica e serviços de saúde;
  • que os prisioneiros possam permanecer em contato com o mundo exterior, sobretudo com as suas famílias;
  • que os prisioneiros sejam corretamente informados sobre os seus direitos, incluindo o acesso à representação e assessoria jurídica;
  • que as necessidades especiais de grupos vulneráveis sejam levadas em consideração.

De particular interesse para o CICV nas atuais discussões são temas como: prevenção de maus-tratos; ética médica, incluindo a relação médico-paciente; procedimentos disciplinares; confinamento em solitária; buscas; uso de constrangimentos; investigação de mortes sob custódia; gestão de arquivos de prisioneiros; acesso à informação para prisioneiros e famílias; acesso à assistência jurídica; denúncias; e inspeções independentes.

A falta de uma plena compreensão sobre os temas supracitados e de soluções adequadas para eles está por trás da maioria dos problemas humanitários encontrados hoje em centros de detenção no mundo inteiro. Essa falha provoca grave sofrimento aos prisioneiros, às suas famílias e aos funcionários dos centros de detenção, além de criar problemas para a comunidade em geral.

Mais informações sobre o processo de revisão das Regras Mínimas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime:

Regras Mínimas Padrão para o Tratamento de Prisioneiros (em inglês)

Duas publicações do CICV:

Fortalecer a proteção jurídica das pessoas detidas em conexão com conflitos armados não internacionais

Os problemas humanitários observados na detenção de pessoas relacionadas com um conflito armado não internacional, assim como a relativa escassez de normas vinculantes do DIH nesse campo, levaram o CICV a iniciar um processo que busca estudar maneiras de reforçar a proteção jurídica das pessoas detidas em conexão com conflitos armados não internacionais.

A Resolução 1ª, adotada na 31ª Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho em dezembro de 2011, convida o CICV a, entre outras coisas, realizar mais pesquisas, consultas e discussões, em cooperação com os Estados, e propor uma série de opções e recomendações sobre como a legislação pode ser reforçada com respeito à detenção de pessoas relacionadas com um conflito armado não internacional.

O CICV identificou quatro áreas fundamentais nas quais as leis que regem a detenção em conflitos armados não internacionais devem ser reforçadas:

  • Existe a necessidade de fortalecer as normas sobre condições materiais de detenção, a fim de garantir que as autoridades detentoras, tanto estatais como não estatais, tratem as pessoas em seu poder com humanidade.
  • São necessárias disposições adicionais para atender às necessidades específicas de certas categorias de detidos, como mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência.
  • A proteção jurídica dos detidos de segurança contra a detenção arbitrária é insuficiente.
  • As normas que regem a transferência dos detidos de uma autoridade para outra precisam ser fortalecidas, a fim de garantir que os detidos sejam protegidos contra perseguição, tortura, desaparecimento forçado ou mesmo assassinato nas mãos da autoridade receptora.

Para facilitar o necessário diálogo entre os Estados, o CICV realizou uma série de consultas com especialistas governamentais. Ao todo, o CICV consultou mais de 90 Estados em quatro encontros regionais, realizados em 2012 e 2013, e em dois encontros temáticos organizados em 2014. O CICV também está consultando diversas organizações internacionais e órgãos da sociedade civil. Para mais informações sobre o processo, incluindo dados sobre a iniciativa, relatórios sobre as consultas e informações sobre os próximos encontros de Estados, visite a seção "Detention Track" do nosso website (em inglês).