Presidente, Excelências, Senhoras e Senhores,
As violações atuais, antes consideradas aberrantes, tornaram-se preocupantemente normais em conflitos em todo o mundo.
Estou aqui para lembrar uma verdade inegável:
cada paciente que morre por um ataque num leito hospitalar,
cada família sepultada sob os escombros da sua casa,
cada refém arrancado de seus entes queridos,
cada prisioneiro torturado e privado de dignidade básica,
cada cidade arrasada e cada aldeia destruída –
essas não são uma lamentável realidade da guerra; são uma traição.
Não devemos nos tornar insensíveis a esse respeito, ou corremos o risco de avançar inadvertidamente para um mundo em que as barreiras que antes restringiam a brutalidade na guerra já não existam.
A escala do sofrimento que testemunhamos não é inevitável. É o resultado direto de interpretações permissivas do Direito Internacional Humanitário.
Mudar o rumo é possível, mas isso exigirá coragem e liderança para superar as divisões do passado e renovar o compromisso com a crença fundamental de que a vida humana deve transcender as divisões políticas — tanto em tempos de paz como de guerra.
Excelências,
O Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos compartilham um objetivo comum: proteger a vida, a saúde e a dignidade humanas, sem importar em que país a pessoa tenha nascido ou de que lado da linha de frente ela viva.
Ambos ramos do direito se reforçam mutuamente. Precisam um do outro. A erosão do respeito por um deles contribui para o desgaste do outro.
Na guerra, como fazer para cumprir o direito à saúde se os hospitais são bombardeados? Como fazer para que o direito à alimentação evite a fome se as colheitas são destruídas? Como fazer com que as crianças vejam seu direito à educação se tornar realidade se as escolas são atacadas?
Não existe direito à vida quando a população civil e a infraestrutura da qual dependem são atacadas de modo sistemático. O Direito Internacional Humanitário existe para protegê-las em tempos de guerra.
A forma como as guerras são travadas na atualidade determinará a maneira como serão conduzidas amanhã. Quando as normas humanitárias básicas são violadas, os custos de reconstrução aumentam e novas ameaças à segurança surgem.
Podemos escolher um caminho diferente, um caminho que promova a vida, a estabilidade e a prosperidade. Isso começa reafirmando o compromisso com o Direito Internacional Humanitário e tornando-o uma prioridade política.
Em setembro de 2024, o CICV, juntamente com África do Sul, Brasil, Cazaquistão, China, França e Jordânia, lançou uma iniciativa global para impulsionar o compromisso político com o Direito Internacional Humanitário. Mais Estados aderiram desde então, e esperamos que outros também o façam.
Senhor Presidente,
Nesta época de mudanças políticas tectônicas, a pressão para que as organizações humanitárias escolham um lado está sendo enorme. Nós, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, não nos curvaremos perante isso. Se o fizéssemos, perderíamos nossa capacidade de ajudar as pessoas de todos os lados nos conflitos armados mais complexos do mundo.
Os Estados não precisam ser neutros, mas necessitam que o CICV o seja.
Uma organização humanitária neutra é uma característica vital da arquitetura internacional para a paz, sem a qual todo o sistema se debilita.
Preservar nossa estrita imparcialidade e confidencialidade nos permite seguir ao lado da humanidade.
Muito obrigada.