Paulo Negreiros/CICV

América Latina: Avanços em normas comuns regionais de gestão e infraestrutura penitenciária

Representantes de dez países estiveram em Brasília nesta semana para trocar experiências; na visão dos participantes, o intercâmbio pode trazer denominadores comuns
Comunicado de imprensa 28 abril 2022 Brasil Chile Costa Rica

Brasília (CICV) – Buscando apoiar autoridades penitenciárias latino-americanas na produção de um manual com critérios e padrões técnicos para a desenho de estabelecimentos prisionais adaptado para a região, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) reuniu entre os dias 26 e 28 de abril representantes dos sistemas prisionais de dez países. A iniciativa faz parte do projeto Critérios de Padrões Técnicos de Infraestruturas Penitenciárias (CETIP, na sigla em espanhol).

A meta é ter um documento com sugestões para que possam definir padrões de infraestrutura carcerária na região adequados aos princípios fundamentais das Regras de Mandela – normas universalmente reconhecidas para orientar os países no tratamento das pessoas privadas de liberdade.

"Sempre respeitando os princípios fundamentais das Regras de Mandela, buscamos desenvolver critérios de projeto e construção penitenciária baseados na dignidade das pessoas, tanto de pessoas privadas de liberdade quanto dos funcionários penitenciários e visitantes, e na humanização das futuras prisões", afirmou o chefe da Delegação do CICV para Brasil e países do Cone Sul, Alexandre Formisano. "Como sempre dissemos, o CICV não incentiva a construção de novos centros penitenciários nem quer se consolidar como um ator com capacidade para apoiar essa tarefa. No entanto, acreditamos que podemos ajudar a consolidar essas ideias de humanização da privação de liberdade apoiando este projeto coletivo desenvolvido pelos países da região e para os países da região."

Na avaliação do diretor nacional da Gendarmaria do Chile (órgão responsável pelo sistema penitenciário no país), Christian Alveal, por muitas décadas os espaços de detenção foram vistos como verdadeiros "depósitos humanos" em muitos países e que "isso tem de mudar". "A pessoa privada de liberdade não está privada de dignidade. Temos de avançar para essa maior humanização e dignificação do sistema penitenciário", defende. "Neste sentido, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha entrega luzes, um caminho, uma visão, que é algo muito importante", afirma.

Christian Alveal, diretor nacional da Gendarmaria do Chile. Foto: Paulo Negreiros

 

Uma vantagem de normas definidas em conjunto pelos países latino-americanos, segundo a chefe de infraestrutura do Ministério de Justiça e Paz da Costa Rica, Marlen Chinchilla, é que o documento é pensado para ir além de orientações gerais, mas trazendo indicações técnicas concretas. Ela avalia também que um consenso entre países com similaridades, como os da América Latina, e produzido por profissionais técnicos deverá responder às necessidades específicas da população privada de liberdade na região.

"É um produto feito por especialistas, porque realmente todos os que estamos aqui somos os que no dia a dia lutamos com as necessidades e com a realidade dos nossos países nos centros penitenciários. Então (o documento a ser finalizado a partir do CETIP) é uma norma feita pelo que estão nos centros, que desenhamos, os que construímos e os que conhecemos a realidade de cada espaço de detenção", explica.

O CETIP conta, atualmente, com o compromisso direto de 10 países da América Latina, desenvolvendo seu conteúdo de forma ativa. Nas reuniões deste ano, os participantes discutiram temas como alojamento para grupos de atenção especial, alojamento temporário por segurança, ferramenta de cálculo de superfície de celas, necessidades especiais de mulheres que impactam a infraestrutura penitenciária, dentre outros.

 

Participantes do encontro do CETIP em Brasília.
Foto: Paulo Negreiros

 

Entenda Melhor as Regras Nelson Mandela
Adotadas inicialmente em 1955, no Primeiro Congresso sobre Prevenção ao Crime e Tratamento de Infratores, realizado em Genebra, as Regras de Mandela reúnem 122 recomendações que adotam um paradigma de encarceramento com foco na justiça e na necessidade de garantir a dignidade das pessoas privadas de liberdade.

Os países signatários do documento são encorajados a promover condições humanitárias de encarceramento e a valorizar o trabalho dos profissionais do sistema prisional como um serviço social. No entanto, a própria ONU reconhece que nem todas as práticas podem ser aplicadas uniformemente, devido à diversidade das realidades jurídicas, sociais e econômicas dos países.

As Regras de Mandela foram revisadas em 22 de maio de 2015, e entendem que a privação da liberdade, por si só, já é uma penalidade, e que as pessoas não devem ser submetidas a condições extras de sofrimento, nem perder sua dignidade durante o cumprimento da pena.

A primeira regra do documento considera que nenhuma pessoa privada de liberdade deve ser submetida a tortura, tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Ela também prevê que a segurança das pessoas presas, do pessoal do sistema prisional, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada.

As Regras de Mandela devem ser aplicadas com imparcialidade e não deve haver discriminação em razão de condição social, cor, sexo, gênero, língua, religião, opinião política ou outra condição. Está prevista, ainda, a necessidade de haver um cuidado diferenciado com pessoas em especial situação de vulnerabilidade no encarceramento (menores, idosos, mulheres, pessoas com diversas funcionalidades, população LGBTIQA+, entre outros).

 

 

Mais informações
Diogo Alcântara, CICV Brasília, (61) 98248-7600, dalcantara@icrc.org