Brasil: ações para promover a proteção jurídica das pessoas desaparecidas, das pessoas falecidas e de seus familiares

Brasil: ações para promover a proteção jurídica das pessoas desaparecidas, das pessoas falecidas e de seus familiares

O segundo Encontro sobre Aspectos Jurídicos do Desaparecimento de Pessoas, promovido pelo CICV em Brasília, contou com a participação de representantes do governo federal e de instituições estaduais e nacionais do sistema de justiça brasileiro.
Comunicado de imprensa 23 outubro 2023 Brasil

O desaparecimento de pessoas impacta milhares de famílias, gera impactos que se prolongam por décadas e está ligado a diversos fatores. Responder a esta problemática passa por reconhecer que se trata de um fenômeno complexo e exige a participação de muitos atores do Estado e da sociedade civil.

Entre os aspectos fundamentais que devem ser tratados na busca e implementação de respostas por parte dos organismos competentes está a necessidade de conceder uma proteção legal específica para as pessoas desaparecidas, para as pessoas falecidas e para seus familiares. Isso traz consigo um debate sobre o estatuto jurídico das pessoas desaparecidas, sobre a identificação de pessoas falecidas, sobre os aspectos processuais correspondentes, além do atendimento feito pelas instituições do Sistema de Justiça aos familiares das pessoas desaparecidas e falecida.

"Há uma questão fundamental que precisa de ser abordada, que é o reconhecimento do status jurídico das pessoas desaparecidas. É esse reconhecimento que permite proteger os direitos específicos das pessoas desaparecidas e dos seus familiares, consolidando a proteção", afirmou o chefe de operações da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para a Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, Daniel Muñoz-Rojas.

Chefe de Operações da Delegação Regional do CICV juntamente com o representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública na cerimônia de abertura.

Outro aspecto jurídico essencial para a resposta ao desaparecimento corresponde às medidas que garantem a identificação das pessoas falecidas, à custódia dos restos mortais e à correta gestão de toda a informação relevante. "Uma pessoa falecida não identificada ou com paradeiro não conhecido por seus familiares pode ser ou se tornar uma pessoa desaparecida para seus familiares", destacou a coordenadora adjunta de Proteção da Delegação Regional do CICV, Larissa Leite.

Papel central

A legislação e as regulamentações administrativas têm um papel central para garantir que estes procedimentos sejam realizados de maneira regular e padronizada em todo o país, permitindo a prevenção e a solução de casos de desaparecimento.

Todos estes aspectos foram tratados no 2º Encontro sobre Aspectos Jurídicos do Desaparecimento de Pessoas, organizado pelo CICV com a presença de representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional do Ministério Público e outras autoridades do Sistema de Justiça, entre promotores, procuradores e defensores públicos do Distrito Federal e dos estados do Ceará, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo.

Durante a abertura, a Secretária Nacional da Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Isadora Brandão, fez referência à Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e destacou o esforço que está sendo feito para sua estruturação. "Sabemos dos inúmeros desafios para consolidar uma política eficiente. Isso diz respeito não apenas à busca e localização de pessoas desaparecidas, mas também ao acolhimento adequado às famílias e às medidas de reparação quando há responsabilidade do estado envolvida. Portanto, é uma política necessariamente transversal e intersetorial que envolve diversos atores institucionais. Daí a importância de estarmos aqui", disse.

Isadora Brandão, fez referência ao trabalho realizado pelo seu Ministério para a elaboração da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas.

Mapeamento

O coordenador-geral de Prevenção à Violência e à Criminalidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Leandro Arbogast da Cunha, também salientou as medidas que estão sendo tomadas no âmbito do governo federal, mencionando que um mapeamento nacional de fluxos e iniciativas nacionais está sendo preparado.
"Queremos entender o que ocorre em cada unidade da federação, identificar seus nós administrativos e os atores que precisam participar obrigatoriamente dessa política para que seja eficaz", disse. "Não é apenas uma questão de eficiência, mas também de encontrar maneiras de fornecer respostas aos familiares das pessoas desaparecidas. Tudo isso que estamos discutindo é crucial para o desenvolvimento desta iniciativa", complementou.

Leandro Arbogast mencionou que um mapeamento nacional de fluxos e iniciativas nacionais está sendo preparado pelo MJSP.

O espaço de diálogo técnico do encontro e o enfoque humanitário proposto pelo CICV permitiram continuar o debate, iniciado em 2022, sobre como melhorar as respostas às necessidades jurídicas das famílias das pessoas desaparecidas no Brasil e ampliar a proteção legal às pessoas desaparecidas e às suas famílias no período entre o desaparecimento e o reconhecimento judicial da ausência ou da morte presumida.

"Um encontro como esse é essencial para a troca de experiências regionais e o aperfeiçoamento dos conceitos técnicos, especialmente em tema tão presente, pungente, mas em desenvolvimento jurídico no país", destacou Eliana Faleiros Vendramini, Promotora de Justiça de São Paulo que participou dos encontros de 2022 e 2023.


Eliana Vendramini, durante o momento de apresentação dos participantes do encontro. 

As experiências e reflexões compartilhadas no 2º encontro serviram de insumos para a identificação de prioridades e para a definição de ações conjuntas, a serem realizadas pelos participantes.

"Houve um aprofundamento de questões e melhorias na perspectiva do problema com relação aos vácuos normativos, mapeamento de fluxos e atendimento das famílias. Os contatos feitos entre participantes, que integram instituições diferentes, será essencial para a superação das dificuldades, tanto no atendimento das pessoas envolvidas no fenômeno do desaparecimento, quanto na própria construção da política", complementou a Juíza de Direito Raquel Santos Pereira Chrispino, do Rio de Janeiro.

Desde 2016, com o início das atividades para responder ao desaparecimento de pessoas no contexto da violência no Brasil, o CICV realizou uma série de estudos e atividades com autoridades e pessoas afetadas pelo desaparecimento. Entre eles, duas avaliações das necessidades dos familiares de pessoas desaparecidas e estudos técnicos para entender a compatibilidade da legislação brasileira com as normas de Direito Internacional sobre a matéria e, consequentemente, o grau de proteção concedido pela legislação atual às necessidades das pessoas desaparecidas e seus familiares.

"Com base na nossa experiência ao redor do mundo, e após consultas com especialistas de diferentes países, nossa equipe de juristas desenvolveu uma Lei Modelo sobre desaparecimento de pessoas, sistematizando as práticas adotadas por diferentes Estados como prevenção e resposta ao desaparecimento. Com base nisso, oferecemos aos Estados nossa expertise técnica e abordagem humanitária", explicou a assessora jurídica da Delegação Regional do CICV, Marisa Viegas.

Para o CICV, um marco normativo forte, que reflita as principais diretrizes de direito internacional sobre pessoas desaparecidas, e um sistema de justiça que aplique institutos adequados são essenciais para uma resposta efetiva ao desaparecimento de pessoas.

Sobre o CICV

No Brasil, o CICV contribui para ampliar a compreensão e dar visibilidade às consequências do desaparecimento de pessoas. A instituição faz recomendações e realiza capacitações para as autoridades que atuam na implementação da política de busca de pessoas desaparecidas e atenção integral às necessidades específicas de familiares. A equipe do CICV participa de comitês e grupos de trabalho, e presta assessoria técnica para auxiliar no aperfeiçoamento legislativo e dos processos de busca de pessoas desaparecidas, na gestão digna de restos mortais e na implementação de serviços de referência aos familiares de pessoas desaparecidas que sejam capazes de dar o enfoque adequado às suas necessidades.

Sobre desaparecimento de pessoas no Brasil

Todos os dias milhares de brasileiros enfrentam a dor de não saber o paradeiro de seu ente querido. Em 2022, 74.061 pessoas foram registradas como desaparecidas, uma média de 203 pessoas por dia. Por outro lado, 39.957 foram localizadas, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
A violência armada é uma das circunstâncias do contexto de desaparecimento no país.

Além da incerteza prolongada pela falta de notícias, o desaparecimento impõe aos familiares de pessoas desaparecidas outras consequências graves, que geram necessidades específicas de saúde física e mental, relacionadas à sua segurança e também a problemas jurídicos e econômicos.