Brazil: Protecting schools from attacks in 2022. Photo: Marizilda CRUPPE/CICR

Brasil: é preciso e possível proteger as escolas de ataques

No Dia Internacional para Proteger a Educação de Ataques, o diretor da CIEP Hélio Smidt, Adriano Souza, falou sobre o impacto do programa Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais na escola municipal do Rio de Janeiro.
Artigo 08 setembro 2022 Brazil Brasil

Como o CICV trabalha em prol das escolas

Nas nossas operações ao redor do mundo, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) trabalha para ajudar comunidades escolares e ministérios da educação a lidar com as consequências do conflito e da violência por meio da proteção da educação contra ataques e da promoção de maior segurança no acesso à educação.

Uma dessas iniciativas é o programa Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais (AMS), realizado em parcerias em cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, já beneficiou 534 escolas municipais da cidade que se encontram em áreas afetadas pela violência armada

Escola municipal em Porto Alegre
Escola municipal em Porto Alegre Marizilda CRUPPE/CICV

O AMS é uma metodologia de gestão de riscos adaptada pelo CICV para prevenir, reduzir e mitigar as consequências da violência armada sobre os serviços de educação e saúde. O programa contempla as escolas, crianças, adolescentes, famílias e profissionais de comunidades selecionadas em sete cidades brasileiras: Fortaleza, Vila Velha, Duque de Caxias, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Florianópolis.

O AMS tem tido resultados promissores: uma redução significativa no número de dias em que as escolas ficam fechadas devido à violência armada, e uma melhoria no acesso de crianças e adolescentes à educação. Mais de 39 mil profissionais foram capacitados em AMS e em Comportamentos Mais Seguros, e mais de 800 escolas estão adotando medidas para proteger os profissionais, estudantes e comunidades escolares que lidam com os impactos da violência armada.

No contexto deste Dia Internacional para Proteger a Educação de Ataques, o diretor do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Hélio Smidt, Adriano Souza, fala conosco sobre o impacto que o programa AMS trouxe para sua escola.

Adriano Souza apresenta escola para o CICV
Adriano Souza apresenta escola para o CICV AF Rodrigues/CICV

Você poderia descrever como funciona sua escola e o contexto que ela está inserida (território)?

Nossa escola atende ao primeiro segmento do ensino fundamental, do primeiro ao sexto ano de escolaridade mais a classe especial que atende alunos com deficiência; funciona em turno único, isso significa que as crianças têm sete horas de atendimento para desenvolvermos o trabalho pedagógico, com aulas que abrangem o currículo comum e a parte diversificada dele. Temos, hoje, quatorze turmas regulares do primeiro ao sexto ano e duas classes especiais.

Está localizada no bairro Maré (comumente chamado de Complexo da Maré, pois é formado por 16 diferentes comunidades), mais especificamente na comunidade Parque Rubens Vaz. É uma área conflagrada e muito conhecida de nossa cidade. É um território de dificílimo acesso, onde ocorrem confrontos armados com determinada periodicidade, demandando ações de forças policiais.


Qual a sua experiência pessoal na implementação do AMS e qual é o impacto na sua escola?

Tive a grata oportunidade de participar da implementação do AMS em nossa escola em dois momentos distintos: o primeiro, enquanto estava regente de turma, selecionado pelo gestor - à época, para participar dos encontros a fim de me apropriar do programa, dialogar com os funcionários da unidade escolar sobre o programa e replicar o aprendizado adquirido durante as formações. Em 2018, quando entramos na gestão da escola, participei da elaboração do plano e sua aplicação na escola, este é o segundo momento.

Temos um impacto positivo em nossa escola, pois o programa AMS não proporciona apenas acesso seguro, vai além disso, proporciona também permanência e comportamentos seguros diante uma situação de violência envolvendo armas de fogo.


Você pode explicar como o programa AMS contribui para proporcionar maior acesso à educação?

O AMS nos deu o conhecimento necessário para termos acesso seguro ao nosso local de trabalho, quando o evento violento ocorre antes do horário da entrada dos alunos na escola; também para termos comportamentos e permanência seguros, quando o evento violento ocorre durante o período das aulas. Com isso, não fechamos a unidade escolar por qualquer motivo, sem antes avaliar a real necessidade, como ocorria antes da implantação do programa, onde cada escola tomava uma decisão e tínhamos diversas ações em um mesmo território e, consequentemente, mais dias de escolas fechadas.

Logo, o AMS contribuiu para que houvesse mais dias de aula, e isso é muito importante dentro do contexto do nosso território. Para ilustrar, no ano de 2017, tivemos 17 dias de eventos violentos que nos obrigou a fechar a escola (o programa AMS estava em processo de apropriação); em 2018 tivemos 07 dias de escola fechada, neste período o programa já estava em execução; os dados não mentem.

Outra importante contribuição para o acesso à educação que o AMS nos proporciona, diz respeito a gestão da crise após um evento violento; como funciona o dia seguinte na escola? Não dá para seguirmos o dia seguinte ao episódio de violência normalmente, pois, a maior parte de nós profissionais da educação, entramos e saímos da comunidade, porém, os alunos não (mas, alguns profissionais moram na comunidade). Então, o acolhimento dos alunos e dos profissionais é um importante fator para a permanência na escola. No dia seguinte a um evento violento, nosso plano prevê o adiamento da entrada e a antecipação da saída assim, criamos espaços de diálogos entre a direção e os profissionais que atuam na escola com o intuito de ouvi-los, sabermos suas percepções sobre o evento ocorrido, pensarmos estratégias de acolhimento em sala de aula para os alunos durante o dia seguinte, criando, também espaços para que eles expressem seus sentimentos e suas percepções sobre o evento enfrentado.

Essa estratégia é de suma importância, porquanto eles se sentem valorizados, queridos e cuidados, e isso faz com que permaneçam na escola.

Os professores e crianças da sua escola conhecem o AMS?

Toda a comunidade escolar conhece o programa, porém, o aprofundamento no plano de ação do AMS é diferente para cada extrato dessa comunidade. Responsáveis e alunos sabem que temos um protocolo de segurança, mas não têm poder de decisão sobre abertura ou fechamento da unidade, por exemplo, pois essa ação é tomada pela direção da escola, em que está previsto no plano essa ação para a direção da unidade escolar. Os professores e funcionários têm um aprofundamento maior, pois cada um tem uma função, que vai desde manter os contatos atualizados até a decisão de fechar, que seria o caso mais extremo.


Toda criança e adolescente merece ter acesso a educação de qualidade, mas isso se torna impossível quando as escolas viram alvos explícitos durante conflitos armados ou quando estão perto demais dos campos de batalha. A violência próxima ou direcionada às escolas afeta crianças, adolescentes, professores, a equipe administrativa e a infraestrutura. Com frequência, essa violência ignora descaradamente o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, que estabelecem proteção específica para crianças e adolescentes e para sua educação.

Os fechamentos escolares e a carência de professores em escolas localizadas em áreas assoladas pela violência são exemplos das consequências diretas da violência sobre a educação. No longo prazo, essas consequências podem levar ao aumento da evasão escolar, à diminuição do rendimento escolar, ao descompasso entre idade e ano escolar, à insegurança alimentar e a dificuldades posteriores de inserção no mercado de trabalho devido à falta de qualificação e preparação, o que traz impactos negativos para o desenvolvimento e a segurança da sociedade.

Além disso, quando escolas são fechadas devido a situações de conflito, crianças e adolescentes ficam expostos a riscos à sua proteção e a estratégias negativas de superação, como o casamento infantil, o trabalho infantil e o aliciamento de crianças e adolescentes, podendo levar a uma associação mais estreita com grupos armados.

Principais objetivos do programa Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais (AMS)

  • Proteger vidas, promover ambientes seguros e fortalecer a resiliência dos profissionais.

  • Desenvolver, junto às autoridades parceiras, estratégias para uma gestão de riscos eficiente e efetiva.

  • Promover, diante da violência armada, mudanças no conhecimento, no comportamento e na postura de profissionais e gestores.

  • Melhorar a eficiência geral dos serviços e otimizar o uso de recursos humanos e financeirosProtect lives, promote safe environments and strengthen the resilience of professionals.

 

Leia mais sobre o AMS:

Acesso Mais Seguro no Brasil é exemplo de boas práticas no Fórum Urbano Mundial

Acesso Mais Seguro Para Serviços Públicos Essenciais - Relatório

Keeping schools safe from the battlefield: Why global legal and policy efforts to deter the military use of schools matter

ICRC report on IHL and the challenges of contemporary armed conflicts

IHL in action: Iraq, Peshmerga Forces' First Code of Conduct

Transforming Education Summit - good practice collection: Safer Access Programme