Profissional de Saúde durante a Pandemia - Daniel Marenco/CICV

Brasil: Violência impacta saúde mental de profissionais de serviços essenciais

Webinar reuniu gestores e especialistas com troca de experiências; município de Fortaleza apresentou pesquisa inédita sobre impacto da violência sobre esses trabalhadores
Artigo 08 outubro 2021 Brasil

Brasília (CICV) – A violência armada no Brasil não deu trégua nem mesmo em um ano marcado pela pandemia de Covid-19, como foi em 2020. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registradas 50.033 mortes violentas intencionais no país, um aumento de 4% em relação ao ano anterior. Preocupado com o impacto que a violência e a pandemia impõem sobre a saúde mental de quem trabalha em serviços essenciais, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) reuniu nesta quinta-feira (7) especialistas e gestores em saúde para debater experiências de construção e implementação de respostas a esse fenômeno.

"A troca de experiências entre diversos gestores de serviços essenciais e especialistas da área de saúde mental é fundamental, porque assim é possível aprender novas estratégias, assim como atentar às novas experiências positivas e negativas de cada ação e estratégia. Por meio dessas trocas também é possível pensar em ações concretas para criar ou fortalecer as respostas às necessidades da saúde mental dos profissionais de serviços essenciais que sofrem impactos da violência armada e da pandemia", explica a coordenadora do programa Saúde Mental de Apoio Psicossocial da Delegação do CICV para o Brasil e países do Cone Sul.

O webinar trouxe experiências concretas de secretarias de Duque de Caxias (RJ), Fortaleza (CE) e Porto Alegre (RS), com estratégias de apoio psicossocial aos profissionais de serviços como saúde, educação e assistência social. Em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, a PUC-RS apresentou os resultados de uma oficina de primeiros socorros psicológicos, com ações de preparação, recepção, escuta, priorização, ação e reavaliação. Ao final os participantes se mostraram altamente confiantes em prestar esse tipo de apoio.

Gestores da saúde e da educação do município de Duque de Caxias apresentaram como estruturaram ações de atendimento, escuta ativa e gestão do estresse. "Nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), psicólogos e psiquiatras, que são sempre muito presentes, estão inclusive atendendo a profissionais que surtaram, não somente em relação à violência armada, mas também em relação à própria pandemia", contou Odimar Magdalena Lisboa, da Secretaria Municipal de Saúde da cidade.

Os municípios participantes da atividade, além de outros quatro, são parceiros do CICV no programa Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais (AMS), que busca prevenir e mitigar os impactos humanitários da violência armada a esses serviços.

Na avaliação da técnica da Célula de Mediação Social e Cultura de Paz (Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza), Erisneuda Araújo, as recomendações e protocolos sugeridos pelo AMS e adaptados em cada instalação fazem a diferença em uma situação de violência. "Desafios existem e é humano ter o medo. Como lidar com um ator armado dentro da sua unidade ali na mira de um revólver? A gente nunca sabe como reagir. E o AMS vem com essa proposta de dizer que é possível fazer diferente, com pequenas atitudes fazer uma mudança", compartilhou.

Parcerias e respostas compartilhadas foram temas comuns às apresentações. Em sua fala de abertura, o chefe de Operações da Delegação do CICV, Laurent Wildhaber, explicou a importância de ações e respostas conjuntas. "Juntos, chegamos mais longe e a mais pessoas. Nós temos experiências, recomendações e assessoramento técnico, mas essa resposta vai alcançar mais pessoas e de maneira mais pertinente e adaptada, se for implementada com os atores locais", afirmou.

Participaram do webinar Liliane Maria dos Santos (Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS), Gustavo Ramos (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Trauma e Estresse da PUC-RS), Maria Erisneuda Araújo (Prefeitura Municipal de Fortaleza e Secretaria Estadual de Saúde do Ceará), Plínio Silveira (Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias/RJ) e Odimar Magdalena Lisboa (Secretaria Municipal de Saúde de Duque de Caxias/RJ). Representaram o CICV, o chefe de Operações, Laurent Wildhaber; a coordenadora de Saúde Mental e Apoio Psicossocial (SMAPS), Renata Reali; o assessor de SMAPS do escritório do CICV em Fortaleza, Elvis Posada; além da responsável e da responsável técnica do programa Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais, Karen Cerqueira e Lívia Schunk.

O webinar trouxe experiências concretas de secretarias de Duque de Caxias (RJ), Fortaleza (CE) e Porto Alegre (RS), com estratégias de apoio psicossocial aos profissionais de serviços como saúde, educação e assistência social.

Pesquisa indica afetação da violência na saúde mental de servidores em Fortaleza (CE)

Cinco parceiros do município de Fortaleza (CE), em conjunto com o CICV, conduziram uma pesquisa com profissionais de serviços essenciais do município. De acordo com o estudo Impacto da Violência Armada na Saúde Mental dos Profissionais dos Serviços Públicos Essenciais, 29,16% dos profissionais reconhecem em si mesmos ansiedade, estresse e depressão.

Mesmo em um momento em que não se verifique uma situação aguda de violência armada, os profissionais estão classificados em nível médio de uma escala de esgotamento mental, trauma secundário e fadiga por compaixão. Um em cada cinco profissionais reconhecem que precisam de ajuda, mas não procuraram nenhuma.

A pesquisa foi realizada com profissionais das secretarias municipais de Educação, Saúde, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Coordenadoria Especial de Políticas Públicas de Juventude e Serviço de Assistência Domiciliar de Fortaleza do Hospital Geral Waldemar de Alcantara. A amostra aleatória de entrevistados foi de 1.662 pessoas. A margem de erro da pesquisa é de 5% e a taxa de confiabilidade, de 95%.

O estudo traz recomendações no sentido de cuidar de quem cuida, cuidar dos psicólogos dos serviços essenciais, desenvolver protocolos em saúde mental e estabelecer ou expandir parcerias com instituições.

"A partir da pesquisa, a gente pôde pensar e estruturar nosso serviços de forma que a gente possa responder a essas situações de impacto da violência sobre a saúde mental desses profissionais. Iniciativas como grupo de gestão de estresse, protocolos e fluxos de atenção psicossocial, plantão psicológico, dentre outros", concluiu Erisneuda Araújo.