São Paulo - Nos dias 30 de abril e 1º de maio, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) foi representado pela assessora sobre Riscos Digitais, Joelle Rizk, em um evento organizado pela presidência brasileira do G20 sobre integridade da informação. Especialistas de vários setores se reuniram para discutir a disseminação da desinformação e do discurso de ódio e seu impacto na confiança nas instituições e na população.
No primeiro dia do evento, Rizk participou de oficinas com grupos de engajamento do G20 e de reuniões fechadas com organizações internacionais, think tanks e representantes da sociedade civil. As reuniões foram convocadas para discutir temas como a regulamentação de plataformas, a inteligência artificial e a resiliência das instituições diante do discurso de ódio e da desinformação.
No segundo dia, 1° de maio, Rizk participou de um painel aberto ao público com o tema "Construindo resiliência: protegendo instituições públicas da instabilidade política do extremismo online". Os outros participantes foram o diretor-executivo da Global Network Initiative, Jason Pielemeier; a enviada especial e coordenadora para Liberdade Digital do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Eileen Donahoe; a embaixadora de Tecnologia da Dinamarca, Anne Marie Engtoft Meldgaard; e o Procurador-Geral da União, Marcelo Eugenio Feitosa Almeida.
Riscos digitais
A representante do CICV apresentou o trabalho do Comitê a respeito de um conjunto de riscos digitais para populações civis durante conflitos armados, com ênfase no impacto de informações prejudiciais, incluindo desinformação e discurso de ódio.
"No CICV, vemos essa questão como uma dimensão informacional dos conflitos", afirmou, explicando como a desinformação pode alimentar a polarização e o ódio e se tornar prejudicial, em prejuízo dos civis, de sua segurança e de sua dignidade.
"A desinformação e o discurso de ódio não conhecem fronteiras. Sua disseminação por meio de plataformas online amplificou sua escala, velocidade e alcance, transformando informações prejudiciais, ao mesmo tempo, em um catalisador e um sintoma de desconfiança, ódio, violência e danos às pessoas - online e offline. Os efeitos para as sociedades e as pessoas são uma preocupação humanitária", explicou.
"A disseminação de informações prejudiciais enfraquece a proteção dos civis, principalmente daqueles que já se tornaram vulneráveis devido à violência e aos conflitos armados, colocando em risco sua dignidade, seu bem-estar físico e mental e sua segurança. Entender como isso afeta a vida das pessoas é fundamental, assim como envolvê-las na prevenção dos efeitos nocivos e em outras respostas que visam a fortalecer sua capacidade de ação e resiliência", complementou Rizk.
O seminário 'Integridade da Informação: combatendo a desinformação, o discurso de ódio e as ameaças à democracia' reuniu cerca de 550 especialistas, profissionais de áreas relacionadas e representantes de mais de 50 países. O evento enfatizou a importância de uma discussão global sobre o tema e aconteceu paralelamente ao NetMundial +10, encontro global sobre o futuro da governança da internet.
Iniciativa do Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20, o evento contou com a presença do ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Paulo Pimenta, da subsecretária-geral da ONU para Comunicação Global, Melissa Fleming, do vice-diretor-geral para Comunicação e Informação da Unesco, Tawfik Jelassi, e da diretora de Governança Pública da OCDE, Elsa Pilichowski, entre outros expoentes.
Entre 2021 e 2023, o CICV convocou um Conselho Consultivo Global composto por especialistas de alto nível das áreas jurídica, militar, política, tecnológica e de segurança para fazer recomendações à organização a respeito das ameaças digitais e indicar ações concretas para proteger os civis contra essas ameaças. O Conselho divulgou um relatório abrangente disponível online.
"O CICV mantém discussões com outras organizações humanitárias, jornalistas, representantes da sociedade civil e empresas de mídia social para discutir abordagens específicas para ambientes de conflito", disse Rizk. Ela também destacou a importância de respeitar a ação humanitária baseada em princípios: "É importante que as organizações humanitárias não sejam instrumentalizadas e que a continuidade de suas operações seja preservada durante os conflitos. A perda de confiança nas organizações humanitárias pode impedir que as pessoas tenham acesso a serviços humanitários, causando a perda de vidas", concluiu.
Sobre o G20
O G20 é composto por 19 países (Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Coreia, México, Arábia Saudita, África do Sul, Rússia, Turquia, Reino Unido e EUA) e duas organizações regionais: a União Africana e a União Europeia. Os membros do G20 representam aproximadamente dois terços da população mundial.
O G20 tem presidências rotativas anuais. Em 2024, o Brasil ocupa pela primeira vez a presidência do G20. Inicialmente, o G20 centrou-se principalmente em questões macroeconômicas gerais, mas expandiu sua agenda para incluir temas como comércio, desenvolvimento sustentável, saúde, agricultura, energia, meio ambiente, mudanças climáticas, combate à corrupção e ameaças digitais.
Informação prejudicial em conflitos armados em debate na USP
Na segunda-feira, dia 29 de abril, Joelle Rizk apresentou a conferência "Misinformation, Disinformation and Hate Speech" no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).
Rizk compartilhou exemplos de como informações prejudiciais podem afetar a vida e a dignidade de civis e trabalhadores humanitários durante conflitos armados. Ela também apresentou os diferentes tipos de riscos envolvidos - físicos, psicológicos e sociais - bem como os limites estabelecidos pelo Direito Internacional Humanitário (DIH) para a disseminação de informações potencialmente prejudiciais.
"O primeiro aspecto a ser considerado é se a informação é verdadeira ou falsa. O outro é conhecer as intenções por trás do compartilhamento dessas informações. Em outras palavras, mesmo que a informação seja total ou parcialmente verdadeira, se for compartilhada sem o contexto adequado e com a intenção de colocar civis em risco durante conflitos, ela pode ser considerada uma violação. O discurso de ódio, por outro lado, representa um ataque às pessoas simplesmente por serem quem são - por causa de sua religião, filiação partidária ou pertencimento a uma minoria étnica, por exemplo", explica Rizk.
Segundo a especialista, há estratégias importantes para lidar com esse problema complexo, como a conscientização do público, a adoção de algum nível de regulamentação da disseminação de conteúdo nocivo nas redes sociais e o diálogo constante com os governos. Em outras palavras, trata-se de uma abordagem em vários níveis: indivíduos, Estados e empresas de tecnologia unindo forças para proteger a integridade das pessoas durante os conflitos.
Rizk também destacou que, embora em muitos casos não haja uma ligação direta entre informações prejudiciais e conflitos armados, está claro que esse tipo de informação é um catalisador em contextos previamente marcados pela polarização política e outros elementos de fragmentação.
O evento foi mediado pelo diretor do Instituto, Professor Pedro Dallari: "Normalmente não relacionamos esse debate com questões humanitárias. Esse é um tema novo e que desperta nosso interesse", disse o professor, destacando que o CICV mantém uma colaboração regular com o IRI-USP em temas relacionados à promoção do direito internacional humanitário.