Conferência Nacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas no Brasil busca acabar com a indiferença

Conferência Nacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas no Brasil busca acabar com a indiferença

Evento contou com cerca de 60 familiares, entre eles dirigentes de associações e coletivos assim como dialogo com integrantes de órgãos públicos.
Comunicado de imprensa 29 agosto 2022 Brasil

São Paulo, Brasil - Cerca de 60 familiares se reuniram na primeira Conferência Nacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas, organizada em São Paulo com apoio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), nos dias 28 e 29 de agosto. Ao longo de dois dias, os participantes compartilharam experiências e debateram questões relacionadas a seus direitos e suas necessidades. Integrantes do Ministério da Justiça, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro também participaram de uma sessão de troca do evento com o lema "Conferência contra a indiferença".

Para a coordenadora de Proteção da Delegação do CICV para Brasil e Cone Sul, Rita Palombo, a conferência marca um passo para fortalecer a mobilização conjunta de familiares que compartilham a mesma dor. "É um evento de muita importância e de um simbolismo enorme para nós. O CICV trabalha com pessoas desaparecidas ao lado das famílias desde que foi fundado. Queremos reforçar as vozes dos familiares, muitas vezes silenciadas", afirmou.

Reforçar o laço entre familiares e associações foi um dos pontos principais das conclusões ao final do evento. As sugestões incluíram a realização de encontros online e de um novo encontro presencial, reuniões com integrantes de órgãos públicos e diálogo com demais associações para ampliar a rede, buscando incluir mais estados.

Presidente do Mães Virtuosas do Brasil, Luciene Pimenta Torres, falou das consequências do desaparecimento para os familiares e da importancia de estarem unidos. "A gente se isola. Acha que o outro não vai compreender nossa dor. A gente passa a tomar remédio para dormir, para ficar em pé, dói o corpo todo. Ninguém é normal mais, mas a gente precisa ter um olhar diferente. Só tem uma coisa em comum que é um desaparecimento, que a gente venha se unir no mesmo propósito porque está todo mundo no mesmo barco, na mesma dor, no mesmo problema", disse.

Para Liliana França, parte do grupo Mulheres de Fé e Esperança de Fortaleza, a mobilização conjunta é essencial para não se sentir só e seguir em frente. "Somos mulheres de fé, esperança e garra, fortes e que não desistimos por nada em busca dos nossos entes queridos. A gente se apoia uma na outra, vai dando força porque dói no coração, dói na alma. A gente não sabe se a pessoa que desapareceu se alimentou. Se está chovendo, a gente não sabe se tem uma coberta.", afirmou.

Foi o desaparecimento da filha, Fabiana, há 29 anos, que levou Vera Ranu a se unir com outras mães em torno da mesma causa. À frente do Mães em Luta, Vera continua a renovar sua esperança. "Não encontrei minha filha, infelizmente, mas cada um que eu encontrei nesse tempo é como se fosse um pedaço da minha filha que voltou", contou ela, que ajuda nas buscas, assim como outras ONGs. "Falar de desaparecimento é muito complicado porque tudo entra nessa palavra, desde conflitos familiares a extermínio de jovens. Mas é um eco muito grande. Temos que criar mecanismos e estudos que consigam identificar as causas", completou.

Pai de Rodrigo, desaparecido em 18 de maio de 2012, Alberto Correia busca novas formas de dar visibilidade ao tema e atuar na prevenção para evitar que mais famílias passem por essa dor. Depois de passar anos colando cartazes com fotos, ele busca apoio para comprar uma van. O plano é que o veículo transporte imagens de pessoas desaparecidas e uma televisão com depoimentos de familiares. "Quando chegar na Avenida Paulista, estacionar e colocar meus 50, 60 banners e ligar a TV e as pessoas puderem ver os depoimentos de mães vai funcionar como divulgação, mas também como prevenção. A mãe que sai para o trabalho vai ouvir o depoimento de outra mãe", afirmou. "Não abro mão da esperança. Vou carregar para o resto da minha vida", completou.

A conferência também contou com a participação da colombiana Rossy Roa Pinilla, que compartilhou sua experiência na Fundación Desaparecidos Colômbia Huellas de Cristal. Rossy começou a trabalhar na causa após o desaparecimento de seu filho, que foi encontrado após 43 dias. Ela destacou a importância de uma mobilização unificada junto às instâncias do Estado. "A união faz a força. Se nos unirmos para falar com o governo e olhar o que podemos fazer pelas famílias podemos fazer muitas coisas. É importante que se unam em um plano de trabalho", afirmou. "Um desaparecido não e um número. Um desaparecido é um ser humano", ressaltou.


Famíliares de pessoas desaparecidas e equipe do CICV (Foto: Reinaldo Canato) 

Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas
Ao responder perguntas de familiares, integrantes do Ministério da Justiça apresentaram algumas ações previstas na Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas (PNBPD). As medidas incluem aprimorar mecanismos de buscas por meio do compartilhamento de dados entre diferentes órgãos públicos, além de treinamentos e padronização de protocolos de atendimento a familiares e de investigação de casos.

Procuradora de justiça e coordenadora de direitos humanos e minorias do Ministério Público do Rio de Janeiro, Eliane de Lima Pereira ressaltou a importância de uma perspectiva multiportas para lidar com a questão. Isso significa que não apenas policiais, mas servidores de distintos órgãos públicos, como hospitais e escolas precisam estar atentos para saber identificar pessoas que estejam desaparecidas. "No Rio de Janeiro entre 2007 e 2016 tivemos 51 mil registros de pessoas desaparecidas. A gente está falando de violação de direitos humanos. O número que vale é o número um, de uma pessoa, na sua integralidade. O que ela sente, o que ela sofre. Mas para elaborar políticas públicas, a gente precisa de números", afirmou.

Representante da Defensoria Pública de São Paulo, Cecília Nascimento chamou atenção para as necessidades de familiares que muitas vezes ficam em segundo pano. "A família acaba deixando de lado questões pessoais porque a busca passa a ser o primeiro objetivo", afirmou. Ela lembrou das diferentes formas de assistência jurídica que a Defensoria oferece a familiares, incluindo assessoria em questões ligadas à guarda de crianças, administração temporária de bens e revisão de contratos que estavam no nome da pessoa desaparecida.

 

Mais informações
Sandra Lefcovich, CICV Brasília, (61) 98175-1599
slefcovich@icrc.org

Marcella Camargos, CICV Brasília, (61) 98248-7600
mfernandesdecamargos@icrc.org