Declaração: 20 anos depois de histórico tratado sobre minas terrestres, não podemos perder o ímpeto

Discurso do presidente do CICV durante o Encontro de Estados Partes, Convenção de Proibição de Minas Antipessoal.

18 dezembro 2017
Declaração: 20 anos depois de histórico tratado sobre minas terrestres, não podemos perder o ímpeto
Discurso do presidente do CICV durante o Encontro de Estados Partes, Convenção de Proibição de Minas Antipessoal.

Vinte anos atrás, as minas antipessoal eram um arma comum e letal em conflitos armados no mundo todo. Fossem combatentes, fossem civis, essas armas os afetavam indiscriminadamente.

Naquele momento, o número chocante de 20 mil pessoas, a grande maioria de civis, foram mortas ou mutiladas por minas antipessoal todos os anos.

Em meio a um aumento da condenação global, um dos meus antecessores estava indignado com o impacto dessas armas, as quais descreveu como abominável... uma tecnologia destrutiva fora de controle'.

Ele fez um apelo à comunidade internacional para que defendessem uma 'obrigação moral, política e legal e que pusessem um fim à destruição em massa em câmera lenta' causada pelas minas.

A crise global do sofrimento humano exige uma solução global: a Convenção de Proibição de Minas Antipessoal. Esta foi o resultado de uma notável parceria entre Estados, sociedade civil e organizações internacionais, incluindo o CICV e o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. E sobretudo, o tratado não teria sido possível sem a participação determinada dos próprios sobreviventes de minas terrestres.

O tratado chamou uma atenção sem precedentes para o sofrimento de pessoas e comunidades afetadas pelas minas terrestres e outros materiais bélicos não detonados. E em termos de abordagem foi extraordinário:

  • Foi a primeira vez que uma arma de uso generalizado for a proibida devido aos terríveis custos humano, econômico e social;
  • Foi a primeira vez que o Direito Internacional Humanitário (DIH) proibia não só o uso, mas também a produção, a armazenagem e a transferência e exigia a sua eliminação; e
  • Também exigiu que os Estados prestassem assistência às vítimas e mobilizassem recursos para descontaminar as terras infestadas.
  • E não podemos nos esquecer que esse progresso só foi possível também graças ao apoio de muitos membros das forças armadas que entenderam rapidamente que o uso dessas armas era inaceitável em termos
  • políticos e morais. 

Hoje, o objetivo de ter um mundo livre de minas antipessoal está dentro do alcance. A ampla adesão ao tratado viu que:

  • O uso de minas antipessoal diminuiu;
  • Mais de 53 milhões de minas antipessoal foram destruídas;
  • Milhares de quilômetros quadrados de terra foram descontaminados; e
  • O comércio legal praticamente desapareceu.

E como consequência, inúmeras vidas foram salvas.

No entanto, neste aniversário, temo que chegamos a uma encruzilhada perigosa.

As vítimas de minas terrestres podem não estar nas primeiras páginas dos jornais como nas décadas de 80 e 90, mas hoje o número de vítimas aumentou fortemente em alguns países. As minas antipessoal, em particular as improvisadas, fazem vítimas civis em diversos lugares, incluindo Afeganistão, Iraque, Myanmar, Nigéria, Síria Ucrânia e Iêmen. É chocante ver que as crianças correspondem a 42% de todas as vítimas civis.

Hoje, 35 Estados continuam fora da Convenção e muitos deles têm grandes estoques de minas terrestres, com um total estimado de 45 milhões de unidades. Não quero pensar nas vítimas se essas armas forem usadas algum dia. Incentivo a todos os Estados que ainda não são parte da Convenção que reavaliem continuamente a necessidade militar de ter minas antipessoal considerando os elevados custos humanos dessas armas. Aqueles que aderiram nos últimos 20 anos aguardam com impaciência que a Convenção de Proibição de Minas se torne um tratado verdadeiramente global.

O CICV vê com muita frequência nos nossos hospitais e centros de reabilitação pessoas com ferimentos causados pela explosão de minas. Trabalhamos para colocar próteses dos membros perdidos nas vítimas das explosões e para ajudá-las a viverem uma vida plena. Ajudamos onde podemos, mas francamente ninguém precise sofrer um trauma para a vida toda, a dor, as desvantagens sociais e econômicas que as vítimas de minas enfrentam. E devemos nos envolver e continuar fazendo-o com a Educação quantos aos Riscos de Minas para prevenir acidentes e reduzir o número de vítimas antes mesmo que todas as minas sejam eliminadas.

Em 2014, os Estados Partes manifestaram uma determinação para cumprir com as principais metas da Convenção até 2025, ou seja, em apenas sete anos. Deve haver uma maior urgência e determinação para garantir que essas metas se tornem realidade. Os esforços concentrados devem ser direcionados para que isso aconteça até 2025:

 

  • Todos os estoques que os Estados Partes ainda tenham devem ser destruídos;
  • As terras contaminadas devem ser descontaminadas dentro dos prazos da Convenção e dos compromissos de 2025; e
  • As vítimas devem poder ter acesso ao atendimento, à reabilitação e aos serviços socioeconômicos de que precisam para participar nas suas sociedades em condição de igualdade com as outras pessoas.

 

O compromisso de fundos para alcançar essas ações é de vital importância. Insto os Estados Partes a que o façam para proporcionar recursos e exercer influência quando necessário. Até 2025, o CICV promove que os Estados Partes afetados estejam livres de minas terrestres e sem novas vítimas no seu território. Nenhum Estado Parte afetado deverá ser deixado para trás nesse processo. A comunidade internacional devem mais uma vez usar a sua determinação coletiva, aproveitando a sua notável parceria para superar esses desafios. À medida que 2025 se aproxima, não podemos perder tempo.

A Convenção de Proibição de Minas Antipessoal é um excelente exemplo de como a comunidade internacional pode responder de maneira coletiva ao sofrimento generalizado causado pelo uso de armas indiscriminadas. Desde a sua adoção, novos tratados surgiram para proteger o os civis contra os resíduos explosivos de guerra e para proibir o uso de munições cluster. Antes de elaborar uma nova lei, assegurar que as normas existentes do DIH sejam respeitadas é crucial para proteger os civis contra os efeitos indiscriminados de armas.

Em conflitos no mundo todo, o CICV vê o que acontece quando as armas são usadas sem os devidos cuidados com as vidas dos civis, quando as limitações acordadas internacionalmente de distinção, proporcionalidade e precaução não são respeitadas. À medida que presenciamos os conflitos em curso na Síria, Iêmen, Iraque, Líbia, Somália e Ucrânia, por exemplo, o uso de armas explosivas pesadas em áreas densamente povoadas tendo consequências desastrosas para os civis. Por exemplo, quando uma cidade é bombardeada, as consequências não se limitam a mortes, ferimentos físicos, mas também incluem a destruição de infraestrutura vital como estações de água ou usinas elétricas, hospitais e serviços de saúde.

Considerando o enorme custo para os civis, o CICV faz um apelo a todas as partes que evitem o uso de armas explosivas de grande amplitude em áreas povoadas, devido à grande possibilidade de que tenha efeitos indiscriminados. Todos os Estados estão em posição de aplicar o mencionado anteriormente como boas práticas, para garantir a proteção aos civis em conflitos urbanos.

Hoje, faço um apelo à comunidade internacional que aproveite a boa vontade e a ação comum que nos levou à adoção da Convenção de Proibição de Minas Antipessoal. Faço um apelo a que todos se mantenham vigilantes com todas as armas que atacam com crueldade e indiferença os inocentes e que o Direito Humanitário e a sabedoria da humanidade prevaleçam.

Discurso do presidente do CICV, Peter Maurer, proferido no Décimo-Sexto Encontro de Estados Partes, Convenção de Proibição de Minas Antipessoal, 18 de dezembro de 2017, Viena.