Encontro sobre Centros de Referência para Familiares de Pessoas Desaparecidas no Brasil
Representantes do governo federal, de três estados da federação e do CICV discutem experiências em São Paulo
Por esse motivo, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tem recomendado e apoiado o estabelecimento de centros ou serviços de referência multidisciplinares com a capacidade de promover respostas integradas, através de ações diretas e de articulação de uma rede de atendimento com enfoque diferenciado.
Experiências e modelos de serviços no Brasil e em outros países estão sendo compartilhados e debatidos durante o I Encontro sobre centros de referência para familiares de pessoas desaparecidas, promovido pelo CICV, nos dias 13 e 14 de junho, em São Paulo.
Além dos depoimentos de pessoas afetadas pelo desaparecimento, o evento conta com a participação de integrantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública e de órgãos públicos do Ceará, Rio de Janeiro e de São Paulo (incluindo de setores das Secretarias de Direitos Humanos, Defensoria Pública e Ministério Público dos estados). Naqueles estados, o CICV trabalha com lideranças e grupos de famílias de pessoas desaparecidas, assim como com autoridades locais, sobre o tema do desaparecimento.
"Nos últimos anos cresceu a consciência de que o desaparecimento de alguém afeta todas as áreas da vida de uma família. Garantir um processo de busca eficiente é uma das tarefas importantes que se espera do Estado. Mas igualmente importante é garantir um serviço capaz mitigar as consequências do desaparecimento enquanto a busca acontece. Os centros de referência, com equipes multidisciplinares, podem ser a porta acolhedora para as famílias e o motor para a rede especializada de apoio", lembra Larissa Leite, que coordena o Programa de Proteção de Vínculos Familiares da Delegação Regional do CICV.
A necessidade de organizar de atenção a familiares de pessoas desaparecidas também tem sido identificada em outros países latino-americanos. O CICV considera que a experiência brasileira, baseada em centros de referência enfocados em populações com necessidades específicas, pode se converter em uma inspiração para a região. "Percorri todos os caminhos possíveis tentando encontrar meu filho e em nenhum deles o encontrei. Este evento me dá a esperança de que o amanha será melhor e que haverá uma estrada que nos leve às respostas que buscamos", relatou Lucineide Damasceno, mãe de Felipe, desaparecido desde 2008.
Reinaldo Canato/CICV
Muitas das instituições representadas no evento realizado em São Paulo têm avançado em normativas ou práticas de atendimento multidisciplinar a famílias de pessoas desaparecidas. Sua experiência foi compartilhada ao longo do encontro.
"O desaparecimento é uma situação muito aflitiva. A gente apredeu com o CICV a importância de promover uma atenção incansável e contínua aos familiares de pessoas desaparecidas. A importância de fazer uma busca ativa - ativa mesmo! -, tanto de pessoas desaparecidas como de familiares. Também é importante conectar os serviços de assistência social, saúde e de atenção psicológica para dar uma respostas às necessidades das famílias", ressaltou a secretária Municipal de Direitos Humanos da cidade de São Paulo, Soninha Francine.
O desaparecimento e os centros de referência
Entre 2019 e 2021, foram registrados 200.577 desaparecimentos, de acordo com o Mapa do Desaparecimento, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), lançado este ano. Neste mesmo período, os registros de pessoas localizadas somaram 112.246.
Estas informações indicam que o desaparecimento afeta uma parcela significativa da população brasileira. Estando dispersas por todo o território, as famílias de pessoas desaparecidas necessitam de uma porta de referência, para buscar apoio e para que compreendam que não vivem um drama individual.
Uma das funções dos centros de referência deve ser encaminhar esses familiares para atendimento por serviços especializados segundo a demanda, realizando o devido acompanhamento, de modo a evitar uma burocratização ou a sobrecarga das pessoas afetadas. Outras funções são: prestar orientação e apoio quanto à busca e facilitação da comunicação com as autoridades responsáveis, promover a construção de capacidades em rede, apoiar e estimular redes de apoio mútuo entre familiares de pessoas desaparecidas, sensibilizar a comunidade e promover programas estruturados para grupos de famílias.
A descentralização dos serviços existentes dificulta o processo de sensibilização e capacitação dos agentes públicos que atuam para o desenvolvimento e a implementação de medidas concretas que respondam aos familiares.
"O CICV recomenda que as autoridades brasileiras implementem centros de referência para pessoas desaparecidas, estabelecendo-os em todas as cidades onde for identificado um número significativo de famílias que enfrentem essa situação. Os centros de referência devem estar articulados entre si, sob a coordenação do mecanismo ou autoridade central sobre pessoas desaparecidas", afirma Marta Gomes de Andrade, coordenadora de Proteção da delegação regional do CICV.
Mais detalhes sobre as recomendações do CICV podem ser consultadas no relatório "Ainda? Essa é a palavra que mais dói", publicado em 2021 e acessível pelo link https://www.icrc.org/pt/publication/relatorio-ainda-essa-e-palavra-que-mais-doi.
Sobre o CICV
No Brasil, o CICV contribui para ampliar a compreensão e dar visibilidade às consequências do desaparecimento de pessoas. A instituição faz recomendações e realiza capacitações para as autoridades que atuam na implementação da política de busca de pessoas desaparecidas e atenção integral às necessidades específicas de familiares. A equipe do CICV participa de comitês e grupos de trabalho, e presta assessoria técnica para auxiliar no aperfeiçoamento dos processos de busca de pessoas desparecidas, na gestão digna de restos mortais e na implementação de serviços de referência aos familiares de pessoas desaparecidas que sejam capazes de dar o enfoque adequado às suas necessidades.