Brasil: “Juntos somos mais fortes”, familiares de pessoas desaparecidas unem sua voz, sua luta e sua dor em Conferência Internacional

Brasil: “Juntos somos mais fortes”, familiares de pessoas desaparecidas unem sua voz, sua luta e sua dor em Conferência Internacional

Entre 21 e 23 de novembro, mais de 700 familiares de pessoas desaparecidas se reuniram na 3ª Conferência Internacional de Famílias de Pessoas Desaparecidas, que permitiu a troca de experiências entre grupos de mais de 40 países, gerando momentos de aprendizado e reparação.
Comunicado de imprensa 24 novembro 2023 Brasil

"Compartilhamos a dor de uma família com a outra. Foi como um abraço único, de todos pela mesma causa", resumiu Alberto Correia, que procura pelo filho, que está desaparecido há 12 anos.

Divididos em 44 salas, espalhadas por países dos cinco continentes, os participantes puderam se conectar com grupos diferentes de famílias que buscam por entes queridos que desapareceram por circunstâncias muito diversas: conflitos armados e outras situações de violência, migração, desastres, entre outras.

No Brasil, mais de 50 familiares de pessoas desaparecidas representaram os contextos de desaparecimento do país, participando desde uma sala organizada em São Paulo, com o apoio da equipe do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) no país. Eles vieram de diferentes áreas da capital paulistana, assim como de outras cidades do estado de São Paulo e de Alagoas, Ceará, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro.

Fortalecimento, emoção e esperança na busca por respostas. Foto: Reinaldo Canato/CICV

A tecnologia permitiu o intercâmbio de mensagens, de sugestões e de experiências, durante sessões ao vivo e discussões locais. Às sessões online, conectaram-se grupos que participavam desde cidades da Nova Zelândia e Papua Nova Guiné até o Brasil e El Salvador (incluindo diversos países asiáticos, africanos, da Europa e do Oriente Médio).

Na programação, os familiares discutiram em diferentes sessões os três principais temas: como ser visto e ouvido; como viver durante a busca por respostas; e o diálogo com as autoridades e processo para localizar as pessoas desaparecidas. Os grupos também tiveram chance de trocar experiências específicas sobre a realidade da busca em contextos de violência atual, em rotas migratórias e sobre situações de desaparecimento ocorridas há muitas décadas. Isso permitiu que discutissem temas voltados às suas necessidades, desafios e expectativas.

A agenda da Conferência foi resultado do trabalho de um comitê organizador composto por familiares de pessoas desaparecidas de diferentes países, incluindo o Brasil. Além disso, depoimentos de pessoas que enfrentam o desaparecimento em todos os continentes serviram de inspiração para cada sessão.

"A grande importância deste encontro é poder escutar as histórias de desaparecidos de outros 35 países. Elas sempre começam com o desaparecimento de uma pessoa querida e a dificuldade de iniciar uma busca inclusive com a ajuda do Estado. Conhecer essas histórias é um exercício de humanidade muito grande porque percebemos que não estamos sozinhos nesse conflito de nossas vidas pessoais", avaliou Marcelo Pereira, cujo avô, Hiram Pereira, desapareceu em 1975.

Familiares de pessoas desaparecidas na Conferência. Foto: Reinaldo Canato/CICV

Acolhimento e acompanhamento no Brasil 

"Temos o compromisso de apoiar esta e outras atividades em favor dos familiares, além de promover trocas, acolhimento e acompanhamento", disse na fala inaugural o chefe da Delegação Regional do CICV para Brasil, Argentina, Chile Paraguai e Uruguai, Alexandre Formisano.

Os participantes brasileiros tiveram a chance não só de participar das sessões globais, mas também, de discutir aspectos locais, construir planos de atividades conjuntas e definir suas mensagens para a comunidade internacional e para as autoridades brasileiras.

Além disso, participaram de duas "horas de ouro", nas quais quase totalidade das salas da Conferência puderam se conectar ao mesmo tempo, apesar das diferenças de fuso-horário. Nestes dois momentos, os familiares de pessoas desaparecidas de todos os continentes apresentaram (através de canções, desenhos, poesia e outras performances), homenagens às pessoas desaparecidas e mensagens de solidariedade e reconhecimento mútuo.

Reunião com a Aliança Global pelas Pessoas Desaparecidas

Uma das atividades muito aguardadas durante o evento foi uma reunião com representantes diplomáticos da Aliança Global pelas Pessoas Desaparecidas.

"Esse foi um momento muito bonito e forte da Conferência", observou a coordenadora adjunta de Proteção do CICV, Larissa Leite. "Os familiares puderam apresentar seus desafios e expectativas. E puder dizer: 'Nós estamos aqui, nós e nossos familiares desaparecidos existimos'. Foi um momento em que eles também puderam ouvir: 'Sua voz é ouvida por nós. Ela importa e nós a escutamos".

Larissa Leite, coordenadora adjunta de Proteção, com familiares. Foto: Reinaldo Canato/CICV

Criada em maio de 2021, a Aliança é atualmente composta pelos seguintes países: Argentina, Azerbaijão, Colômbia, Croácia, Estônia, República da Coreia, Kuwait, México, Nigéria, Noruega, Peru e Suíça.

Como parte de seu objetivo, a Aliança Global pelas Pessoas Desaparecidas pretende intensificar o envolvimento diplomático coletivo para prevenir o desaparecimento de pessoas, esclarecer o destino e o paradeiro daqueles que o fazem, responder às necessidades das famílias e respeitar a dignidade dos mortos.

Para tanto, seus membros se propõem a consciencialização sobre o problema no plano internacional e promover oportunidades de colaboração técnica e intercâmbio de experiência, entre diferentes países.

Os familiares de pessoas desaparecidas dedicaram parte da conferência para preparar as mensagens conjuntas, que foram apresentadas a embaixadores que representaram a Aliança Global. Reunidos em Genebra, eles puderam ouvir e comentar as mensagens das famílias.

"Estabelecer estratégias de como conversar com autoridades, de como negociar algumas questões com os governos e que assim possamos agir de forma coletiva com o resto do mundo porque nossa problemática é idêntica, independente do país ou continente em que estejamos", disse Maria do Amparo, familiar de Luiz Almeida Araújo (desaparecido em 1971). O compartilhamento fortalece a luta, disse.

Para a coordenadora Leite, outro resultado da Conferência, tanto no Brasil quanto em outros países, foi a elaboração de planos por diferentes grupos de famílias de pessoas desaparecidas, criando a expectativa de que as Conferências possam continuar e os familiares estabeleçam projetos conjuntos e possam dar novos passos. Por fim, a conferência foi também um momento de fortalecimento de suas lutas e de celebração das conquistas dos diferentes grupos.

 

Sobre o Desaparecimento no Brasil

No Brasil, desaparecimento de pessoas tem sido reconhecido como uma realidade atual, que se prolonga há décadas e está ligada a fatores diferentes. É o que se extrai da legislação recente, da existência de comitês e grupos de trabalho por instituições públicas e da sociedade civil, no âmbito nacional ou local. Em muitas situações, a ocorrência do desaparecimento está ligada simultaneamente a diferentes tipos de risco, que se sobrepõem ou aparecem mescladas. Em outras, as circunstâncias do desaparecimento permanecem inaparentes e a ausência de esclarecimento sobre os casos dificulta uma compreensão mais completa do fenômeno.

Todos os dias milhares de brasileiros enfrentam a dor de não saber o paradeiro de seu ente querido. Em 2022, 74.061 pessoas foram registradas como desaparecidas. Por outro lado, 39.957 foram localizadas, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) coletados nos estados do País.

Para mais informações:

Sandra Lefcovich, CICV Brasília, (61) 98175-1599, slefcovich@icrc.org