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Moçambique: como melhorar a saúde mental da comunidade afetada pelo conflito?

Uma das consequências do conflito armado é o sofrimento psicológico causado na população afetada. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma de cada cinco pessoas dessas comunidades vive com problemas de saúde mental, o que varia de depressão leve até transtornos de estresse pós-traumático. Em Cabo Delgado, Moçambique, o CICV e a Cruz Vermelha de Moçambique (CVM) trabalham para criar um espaço propício ao apoio à saúde mental das pessoas. A responsável pelo programa de Saúde Mental e Apoio Psicossocial do CICV no país, Helena Martins dos Santos, explica nesta entrevista como trabalhamos para ajudar a população.

Quais as consequências do conflito armado na saúde mental das pessoas afetadas?
A maioria das pessoas que passa por um conflito armado vive algum nível de sofrimento psicológico, pois sofreram ou testemunharam violência, perda de entes queridos, separação de familiares. Muitas pessoas vêm-se forçadas a fugir das suas casas para encontrar segurança, percorrendo longas distâncias em constante medo e vulnerabilidade. No fim do caminho, é comum a falta de comida, de possibilidade de trabalhar ou cultivar, de ter acesso à saúde e à educação, de cuidar de si e dos seus, de se reestabelecer. Todas estas coisas afetam a saúde mental. Para termos saúde mental precisamos de nos sentir em segurança e de conseguir cumprir as nossas necessidades básicas.

Quais são os sintomas?
Muitas pessoas têm dificuldades para dormir, ficam sempre em alerta, ou têm pesadelos e "flashbacks", pensam constantemente nos familiares que perderam ou que estão desaparecidos, não conseguem fazer o processo de luto. Se assustam com barulhos, pensam que é um ataque, e fogem para o mato. Ainda assim, para a maioria das pessoas este sofrimento psicológico irá melhorar com o tempo.

Como as crianças são afetadas?
Como nos adultos, o impacto nas crianças depende das experiências e recursos individuais, assim como a idade. Bebés e crianças menores que testemunham os horrores do conflito muitas vezes não têm o vocabulário para falar do que viram nem dizer como se sentem. No conflito, na fuga e no deslocamento, as crianças sofreram também violência, perda, medo, fome, muitas vezes sem entender o que está a acontecer. Nutrição, sofrimento físico e psicológico e ausência prolongada da escola também podem ter impacto negativo no desenvolvimento infantil. É muito importante não esquecer de comunicar com as crianças, elas procuram nos pais e cuidadores uma sensação de segurança, por isso é importante falar com elas, dar informação de forma simples e apropriada à sua idade.

Qual é o objetivo do programa de Saúde Mental e Apoio Psicossocial do CICV em Moçambique?
O programa tem como objetivo fortalecer os serviços e a comunidade para minimizar o impacto do conflito armado na saúde mental das pessoas afetadas. Em contextos de emergência e deslocamento é especialmente importante não só capacitar os serviços especializados de saúde mental, mas também trabalhar a nível comunitário.

Como esse apoio comunitário é feito?
Ele é feito por meio das próprias pessoas da comunidade que nós identificamos e capacitamos, em conjunto com a Cruz Vermelha de Moçambique (CVM). Capacitamos voluntários psicossociais, que fazem atividades de sensibilização e promoção da saúde mental em comunidades deslocadas, e que encaminham para os serviços de saúde locais as pessoas que precisem de cuidados especializados. Estes voluntários fazem a sensibilização por meio de rodas de conversa, usando imagens que ilustram dificuldades que várias pessoas experimentam em situações de conflito armado. Durante estas conversas, as pessoas podem ter consciência de que algumas das dificuldades como pesadelos, medos, lembranças, pensamentos intrusivos, são normais numa situação pós-traumática, e perceber em que casos é preciso buscar ajuda especializada.

Como estas atividades promovem a saúde mental da comunidade?
Para muitas pessoas só o fato de saberem que é normal sentir estas coisas, que não estão sozinhas, e que podem falar com alguém, já é muito importante e traz uma sensação de alívio. A ativação da rede de apoio inclui promover grupos de conversa e atividades para mulheres, para homens, para crianças, etc. Uma das atividades que introduzimos é a produção de pulseiras de missangas para a apoiar a gestão do estresse. Eles se reúnem em roda e, enquanto fazem as suas próprias pulseiras, expressam intenções, pessoas que são importantes e o que dá sentido às suas vidas.

Qual o papel dos comitês de saúde nos cuidados de saúde mental?
Os comitês de saúde existentes são capacitados para fazer a ponte entre a comunidade e o sistema formal de saúde, identificando pessoas que precisam de apoio e serem encaminhadas aos cuidados necessários. Sabemos que existe um grande estigma com relação à saúde mental e que pessoas com necessidades nessa área podem ser rotuladas e discriminadas, portanto essa formação busca sensibilizar estes comitês para que eles sejam agentes de integração para todas as pessoas.

Quantas pessoas foram capacitadas e beneficiadas até agora?
De janeiro a setembro, 358 pessoas da comunidade foram formadas, incluindo os voluntários psicossociais nos distritos do Ibo e Montepuez, e os comitês de saúde em Montepuez, Pemba, Metuge e no Ibo. Estas pessoas são supervisionadas por nós e recebem apoio para realizar atividades. Nós do CICV e estes facilitadores comunitários já sensibilizamos 4830 pessoas nos distritos do Ibo, Montepuez, Pemba e Metuge.